04 de novembro de 2021

A hora e a vez das emoções na agenda organizacional

Compreenda por que o tema é fundamental para enfrentar os desafios no pós-pandemia e como a linha do tempo das emoções pode ser um ponto de partida

Avançamos para um momento de transição após quase dois anos de pandemia. Estamos há algum tempo falando do que está “por vir”. Temos previsões, alguns dados que nos norteiam e perspectivas sobre para onde caminhamos. Pouco ainda se fala sobre como estamos vivenciando essa transição sob a perspectiva das emoções, principalmente quando falamos das modalidades de trabalho em pauta: como fica para quem permanece em home office, como será ressignificar o retorno ao presencial e como caminhar para um modelo híbrido. Fala-se de práticas, formas de trabalhar, como liderar a partir de cada um destes cenários. Mas fala-se pouco sobre como as emoções emergem a partir de cada modelo de relação, ou sobre o quanto a pandemia pode ter sido transformadora para cada um de nós.

O podcast “Na ordem do dia” produzido pela Aberje chega neste momento no qual todos nós, profissionais de comunicação organizacional, estamos reconhecendo a importância do tema das emoções em nossa agenda organizacional – e pessoal. O programa da Aberje trata, nesta temporada, das paixões e emoções e nos convida a ampliar essa reflexão, a partir de um olhar pela lente da filosofia, da psicanálise e da comunicação.

Trago uma breve reflexão que nos ajuda a compreender, de forma prática, a importância de ampliar nosso olhar de comunicação para a compreensão das emoções e seu impacto no dia a dia organizacional e, consequentemente, na maneira como nos comunicamos, principalmente, com os empregados nas organizações.

De acordo com o relatório de Tendências de Gestão e Pessoas para 2021, publicado pela Great Place to Work, 45% dos respondentes afirmam que cuidar da SAÚDE MENTAL do colaborador envolve identificar as fontes de estresse e atuar sobre as causas com o objetivo de promover um ambiente de trabalho mais saudável. Pensando na realidade do profissional de comunicação, isso passa pela necessidade de construir narrativas de comunicação com os empregados sobre este tema para muito além das pautas e práticas de bem-estar e qualidade de vida. A partir de um olhar profundo para o tema de saúde emocional e mental, é preciso uma postura comunicacional que possibilite a escuta e compreensão das emoções que estão reverberando no ambiente de trabalho. A partir disso, as narrativas de comunicação podem ser construídas (e desconstruídas) tendo como referência um repertório que identifique os paradoxos entre discurso e prática, e que possa provocar diálogos sobre outros fatores que contribuem para a saúde mental e emocional nas organização: suas formas e condições de trabalho, a demanda por jornadas flexíveis, adequação de metas que sejam tangíveis, relação entre líderes e times, etc. É a partir deste lugar mais genuíno que as narrativas de comunicação podem se tornar mais congruentes e significativas no dia a dia.

Recentemente, a revista Você RH trouxe uma reflexão bastante relevante quanto ao papel dos líderes neste contexto: “Lidar com a fragilidade humana por meio da expressão de emoções no trabalho se tornará mais importante do que no passado. Os líderes terão de mostrar empatia e considerar suas próprias emoções, bem como as da equipe”. Neste sentido, o gestor vai precisar desenvolver uma COMUNICAÇÃO DE LIDERANÇA CADA VEZ MAIS HUMANIZADA, que passa pela habilidade de articular conversas significativas com o time, escutar e dialogar com empatia, abertura, cultivar a confiança junto ao time para que o acolhimento, escuta e espaço para a expressão das emoções possam acontecer, contribuindo para um ambiente de trabalho de maior segurança psicológica e mais proveitoso.

Em matéria recente na revista Gama, sobre memória na pandemia, Ana Carolina Maciel, historiadora, pesquisadora e professora da Unicamp observou que “momentos de trauma coletivo sempre foram um fator detonador de mudanças de paradigma”. O que vivemos nas circunstâncias atuais trará NOVOS PARADIGMAS NA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS que, possivelmente, passará a ter cada vez mais alcance e relevância na medida em que puder suportar a estratégia organizacional e, ao mesmo tempo, equilibrar seu enfoque nas expectativas, necessidades, emoções e percepções das pessoas e, assim, contribuir – por meio de suas narrativas e diálogo organizacional – para construções dos vínculos, relações e significado do trabalho.

Em 2016, o sociólogo francês Michel Maffesoli falou sobre a passagem da modernidade que marca o fim do racionalismo. Na pós-modernidade, acentuam-se o sentimento, o estar no tom com os outros humanos. Naquilo que ele chamou de “era dos afetos”, Maffesoli fala de um cimento ético, a partir das emoções e do compartilhamento dos afetos, que estaria em construção, para fundar relações mais focadas na interdependência – um estado ou qualidade de pessoas ou coisas ligadas entre si por uma recíproca dependência e apoio mútuo

Talvez já seja possível, então, reconhecer na comunicação com empregados um movimento – ainda que sem forma concreta – rumo a este tal pós-moderno. E, como diria também Maffesoli já no recente e pré-pandêmico ano de 2019, “a comunicação é termo bem gasto, mas que pode ser considerado como índice do desejo renovado de estar-com. A elevação do si individual ao Si holístico da comunidade. Esta busca do simbólico, que é preciso entender como conexão, reversibilidade, interação”.

E por fim, além da ruptura dos paradigmas, temos cada vez mais clareza deste lugar de IMPERMANÊNCIA da vida. A ruptura, o trauma, o isolamento social de quase dois anos nas relações e interações no ambiente de trabalho podem trazer angústias, medos, ansiedades neste momento de “retomada” das relações. O que gestamos nestes últimos dois anos de isolamento? Quem fomos nos tornando neste período e quem estamos dispostos a ser a partir de agora? O que virá no futuro?

Todos os aspectos destacados acima, por um lado, nos movem, por outro podem nos paralisar diante do desafio de decifrar e compreender o impacto e desdobramento das emoções a partir de cada uma das perspectivas apresentadas. Como enfrentar este cenário? Um caminho que pode ser percorrido: conhecendo nossas emoções, escutando, compreendendo e acolhendo as emoções dos que estão em nosso entorno, empreendendo ações conscientes e construtivas diante disso. Lidando com a impermanência da vida, com a vulnerabilidade que nos humaniza e, finalmente, abrindo espaço para o “por vir” a partir de um lugar muito mais consciente e equilibrado sob a perspectiva emocional.

Ao longo de minha participação como entrevistada nesta temporada do podcast “Na ordem do dia”, falei algumas vezes sobre a “Linha do Tempo das Emoções”, uma abordagem desenvolvida por Paul Ekman e Eve Ekman que nos ajuda a compreender como as emoções se desdobram num episódio emocional e seus impactos no dia a dia e nas relações.

Um episódio emocional é composto por três aspectos principais:

  • Gatilho: é aquilo que gera uma reação emocional a partir de três elementos: 1. Evento (uma interação com uma pessoa, lugar, pensamento, memória, olfato, som, etc.); 2. A pré-condição (como me sinto agora, com sono, com fome, cansaço, etc); 3. Base de dados emocional: nossas respostas e nossas memórias emocionais adquiridas individualmente a respeito daquele gatilho em episódios emocionais vivenciados anteriormente. É do senso comum acreditar que apenas a interação ativa o gatilho, mas o conhecimento destes outros fatores nos ajudam a ampliar este olhar;
  • Emoção: é gerada a partir do gatilho e pode gerar mudanças físicas, psicológicas e, ainda, uma ação que pode ser construtiva ou destrutiva, a depender do repertório emocional de quem vivencia aquele episódio. Importante dizer que é neste momento da linha do tempo que podemos entrar no período refratário, um momento cuja vivência traz uma percepção estreita/distorcida iniciada automaticamente como parte do nosso repertório emocional. Neste momento, muitas vezes, não conseguimos incorporar informação contrária à emoção que estamos vivenciando, a mantemos ou a justificamos. É aquele momento em que podemos ficar meio às cegas, quando expectativas são formadas, julgamentos são feitos para manter ao invés de diminuir a emoção sentida. Se o período refratário durar muito, pode levar a comportamentos emocionais destrutivos que potencializam o sofrimento. Importante lembrar ainda que cada emoção gera um padrão particular e individual de mudanças físicas e psicológicas.
  • Ação: é a maneira por meio da qual o indivíduo reage a partir da emoção que foi desencadeada. Ou seja, é a resposta à emoção. A emoção vai vir, ela é desencadeada pelo gatilho, naturalmente. O manejo da ação em função da emoção sentida é nossa grande oportunidade de interferência na linha do tempo das emoções. A partir da busca por autoconhecimento e cultivo da inteligência emocional, é possível manejar as emoções a partir de uma postura mais consciente.

A linha do tempo finaliza com a “pós condição” que é a maneira por meio da qual o episódio emocional se encerra, ou seja, como nos sentimos após seu término, após compreensão do impacto e qualidade das ações tomadas, da duração e efeitos do período refratário, etc. Ao acompanhar a linha do tempo das emoções e todos os seus aspectos, é possível avaliar o que fazer de diferente da próxima vez que um episódio emocional se desenhar a partir de gatilhos e circunstâncias semelhantes. É por meio desta reflexão que podemos acumular maior autoconsciência e autoconhecimento sobre nossas emoções, gatilhos e reações. E, também, retroalimentar nossa base de dados emocional, ampliando recursos e formas de lidar com as nossas emoções nas circunstâncias que vão se apresentando ao longo da vida, repetida ou ineditamente.

É tempo de abrir espaço para que as emoções possam emergir, serem reconhecidas, compreendidas e expressadas no ambiente de trabalho. Para tanto, olhar para dentro, compreender nossas próprias emoções, reconhecer o humano em nós, possibilita condições genuínas para que possamos ir ao encontro do humano no outro e em nosso entorno. É essa pauta que precisa, neste momento, ganhar espaço em nossa agenda. E em nosso coração.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

CYNTHIA PROVEDEL

Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero (Facasper), especialista em Gestão de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e graduada em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Mais de 15 anos de experiência em organizações, tais como Duratex, Sanofi, Novartis, Ericsson, Grupo Ultra e GPA (Grupo Pão de Açúcar), liderando temas como Comunicação Interna, Cultura, Desenvolvimento Humano. Concebeu e publicou - em inglês e português - uma matriz de maturidade em comunicação interna, ferramenta de diagnóstico e planejamento em comunicação interna que tem apoiado diversos profissionais da área. Vencedora do Prêmio Aberje 2018 na categoria "Relacionamento com Público Interno" em case transversal envolvendo Cultura, Engajamento e Comunicação. Desde 2015 na Aberje, atua como professora da disciplina de Comunicação Interna no MBA da Aberje em Gestão da Comunicação Empresarial, instrutora de curso anual em "Planejamento da Comunicação Interna", além de liderar as "Oficinas de Escuta" lançadas durante o período da pandemia. Possui artigos publicados pela Intercom e Organicom e é coautora dos livros "Comunicação em Cena" e "Ensaios sobre Comunicação com Empregados".

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