10 de novembro de 2020

A era da coerência

Uma das características mais marcantes dos nossos tempos é a necessidade de unir agilidade e simplicidade, a fim de tornar os processos descomplicados para uma realidade em constante transformação nos cenários sociais, econômicos e, é claro, nos negócios. As metodologias ágeis, herança da área de TI e queridinhas do mundo empresarial nos últimos anos, nos dão uma ideia da importância da revisão de hábitos antigos e de atuar com flexibilidade, especialmente porque o mundo não é mais o mesmo e ter as pessoas e os objetivos à frente das burocracias é fundamental.

A pandemia de Covid-19 é uma aceleradora das mudanças, mas não necessariamente a causa delas. É muito mais provável que a raiz esteja em questões, como a falência de modelos econômicos, os desastres ambientais e as desigualdades. O fato é que o mundo precisava e as transformações estão acontecendo a passos incrivelmente velozes e “ser moderno passou a significar, como significa hoje em dia, ser incapaz de parar e ainda menos, capaz de ficar parado”, como adiantou o filósofo Zygmunt Bauman em seu célebre livro Modernidade Líquida (BAUMAN, 2001, p.39).

A internet, os gadgets, as mídias sociais e outros tantos softwares de interação atuam como facilitadores da construção desse modo inédito de estar no mundo e que exige das organizações adaptações e reforço constante da própria identidade. Antes de agir, a empresa deve saber quem deseja ser e seguir firme neste propósito, mesmo com a demanda por respostas rápidas, porque uma imagem pode até ser reparada, mas identidades cambiantes costumam ser prejudiciais à reputação.

Há muitas organizações que estão cumprindo bem este papel e dando respostas alinhadas ao próprio modo de ser, aos anseios sociais e de seus investidores. Para citar um exemplo, o anúncio feito pela Magazine Luiza, no dia 18 de setembro, sobre a abertura de um Programa de Trainee exclusivo para negros causou uma imensa comoção nas redes sociais, entre apoiadores e os contrários à iniciativa. O fato também foi muito divulgado pela imprensa, com pontos de vista de juristas, especialistas em diversidade e consultores de Recursos Humanos. Coincidência ou não, as ações da empresa” valorizaram 2,6% alguns dias depois da notícia. A Bayer avisou, na sequência, que estava tomando medida semelhante e outras companhias também se manifestaram. Algumas delas, inclusive, já adotavam a prática há algum tempo.

Para muitos, uma inteligente jogada de Marketing, no entanto, há outros aspectos de médio e longo prazo a serem observados e que envolvem reputação.

A rede varejista usada como exemplo tem dirigido seus esforços para manter ou aumentar seus índices de reputação não é de hoje, desde a aparição em rankings das “melhores para trabalhar” até programas contra a violência doméstica, como o “Eu Meto a Colher”, ou o botão para denúncia dentro do seu app. O esforço para agregar mais à imagem é claro, contudo, as ações mostraram resultados efetivos, com metas e indicadores, reforçando virtudes da empresa.

Essa coerência entre discurso e a ação é o que fará a diferença para as organizações no mundo de hoje. Não basta falar, é preciso fazer e atender aos anseios sociais com alicerces na própria identidade. Caso contrário, as bases não serão firmes o suficiente para suportar a opinião pública. Ser ágil e não ser autêntico é receita para o fracasso.

No caso do Programa Trainee, a empresa veio a público para afirmar que, embora os negros representem metade de sua força de trabalho, compõem apenas 16% dos cargos de liderança, e que a ação tem estratégia e objetivos claros. Daqui a algum tempo, a sociedade, os funcionários, os acionistas e os consumidores poderão comprovar a veracidade da iniciativa, o mesmo vale para as demais organizações que tornam público esse tipo de compromisso.

Fingir ser o que não somos gasta uma quantidade enorme de energia que poderia ser empregada naquilo que realmente faz sentido e destaca a nossa natureza. No caso das organizações, o custo desse erro pode ser bem alto e até permanente. Na era da coerência a resposta está em aliar a própria identidade ao discurso e à ação, com agilidade e legitimidade.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Renata Nascimento

Renata Nascimento é mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Formada em jornalismo pela mesma instituição, pós-graduada em Semiótica Psicanalítica pela PUC-SP, também tem MBA em Gestão da Comunicação pela Escola Superior de Engenharia e Gestão (ESEG) em parceria com a Aberje. Há 20 anos atua em Comunicação e Marketing e soma experiência nas áreas de conteúdo, relações públicas, mídias sociais, imprensa e sustentabilidade. Atualmente ocupa a função de Head de Comunicação da Scania Brasil e lidera as atividades do capítulo Aberje na região do ABCD paulista.

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