A comunicação que transcende

Tenho a incômoda sensação de que estamos nos apequenando, até regredindo, porque, cada vez mais, nos apegamos a coisas menores, valorizamos coisas banais ou supérfluas, enquanto nos escapam as essenciais, aquilo que pode fazer a diferença no mundo, no exercício da profissão, no dia a dia, enfim, na vida de cada um e de todos nós.
Parecemos aprisionados em um universo binário e quase monotemático. Acabamos desperdiçando nosso tempo precioso com discussões estéreis, baseadas em equívocos conceituais e teóricos, e damos ouvidos ao imaginário conspiratório de gente que não tem o que fazer ou com situações sem solução. A discussão sobre política, por exemplo, passou a ser feita com a mesma paixão com que se torce no futebol e o sangue escorre em um campo de batalha digital desregulado, no qual vale tudo, como mentira, tapeação e manipulação. No bombardeio de informações, rapidamente, você já não sabe o que é real e o que é inventado ou distorcido e a disputa entre A e B escala a um nível que se forma uma subtorcida, numa luta de gladiadores, cuja “vitória” se vê nos likes ou nas visualizações. No meio desse caminho, opiniões foram sendo formadas, e todos nós vamos perdendo alguma coisa nesse imenso jogo de interesses, que perdeu o limite. Somos perdedores de nós mesmos.
Atualmente, quase todos têm uma vida digital e faz parte dela, para muita gente, uma sanha pela celebrização que tem se generalizado nas ondas da internet e nas marolas fantasiosas dos que se julgam nascidos para a fama, hoje em dia quase uma multidão de “autoescolhidos”. É risível, irritante e digno de pena. Perdeu-se um tanto de senso crítico e da vergonha de dizer platitudes ou, em português castiço, de exibir a própria burrice – ou não: por vezes isso ocorre como “estratégia”, como caso pensado, para se alcançar views ou likes e ganhar “monetização” em função de visibilidade e abrangência… E isso em todos os campos, setores e segmentos. Passamos a viver entre influencers, coachs, gurus, iluminados, sentados na baia ou na cadeira ao lado, espalhados pelo balcão do bar ou “escondidos” em escritórios, QGs ou até em seus lares. Todos têm uma opinião a dar, mesmo oca. Ou “esperta”. É impressionante e preocupante.
Todos são comunicadores. Basta ter um celular na mão. Será a verdadeira comunicação só isso?
A comunicação, em sua essência, exige mais do que vontade, respeito e conhecimento, exige também sabedoria e, em determinadas ocasiões, paciência, o que talvez precise ser trabalhado e observado, principalmente (mas não somente!), pelas gerações Z e Alpha, que vêm trazendo uma nova visão e comportamento ao mercado de trabalho e relações no dia a dia, para uma melhor compreensão do mundo e do caminho que queremos trilhar.
A revolução tecnológica que vivemos nos últimos anos nos impingiu um sentimento de urgência, quase sempre muito incômodo e prejudicial, porque impõe falsamente uma pressa, que nos consome e explora: mais em menos tempo; tornando tudo praticamente descartável, com prazo de validade curto, porque logo deve ser substituído pelo que está vindo, pela próxima mensagem, pelo próximo reel, pela próximo post, em uma corrida ansiosa das novidades a serem consumidas, uma atropelando a outra.
Esse sentimento acaba mexendo com a nossa memória, que está ficando mais seletiva, como forma de nos proteger da avalanche de novidades e estímulos consumistas ou passageiros. Mais do mesmo o tempo todo, que no próximo ano não nos lembraremos mais.
Assim também é com as pessoas, que opinam sobre tudo o tempo todo, mesmo sem serem solicitadas e com a profundidade de um mergulho em um pires. No fim do dia, ninguém mais lembra do que disse ou da eventual curtida, a atual migalha digital, que jogou para ela.
A arte pode ajudar na comunicação?
É uma bela reflexão. No fundo, somos todos comunicadores. Cada um ao seu modo e com as ferramentas de que dispõe. Há os comunicadores profissionais, que adoram o seu ofício e procuram, com embasamento, ciência e inspiração, dar um sentido maior ao que se quer comunicar, porque a intenção, muitas vezes, é transcender.
Para aprofundar um pouco na essência do transcender, peço licença para usar uma figura utilizada na Teologia. Ela diz que Deus é transcendente da Criação na medida em que Ele está acima dela e não é limitado por ela; não é limitado pelo espaço e pelo tempo como é o mundo natural, possuindo seu atributo de infinitude.
Ou ainda, mais uma definição: as manifestações artísticas podem auxiliar o homem na busca pelo transcendental a partir das fortes emoções, paixões e sentimentos que as obras de arte transmitem para a mente humana. A arte pode ser bela, simbólica, forte e conectar o homem a uma outra realidade.
Pense em Castro Alves, poeta baiano, que viveu apenas 24 anos. Nasceu em 1847 e morreu em 1871, no segundo reinado sob D. Pedro II. Estudou na Faculdade de Direito de Recife, foi poeta engajado no abolicionismo e na militância social. Nesse período, a Bahia teve pelo menos sete governadores. Não nos lembramos de nenhum. Mas sabemos do poeta e ainda saberemos dele daqui a mais 100 anos e além. Por outro lado, teremos esquecido diversas postagens ou “textões” que vemos hoje na internet, de alto impacto instantâneo mas em muitos casos superficiais, irônicos ou oportunistas, de influenciadores, “criadores de conteúdo”, subcelebridades, políticos, esportistas e por aí vai.
Hoje vivemos essa guerra de ódio pelas redes sociais, mentiras, informação viciada, distorcida ou manipulada, agressões por causa de política, de homens e mulheres que não serão lembrados, que não têm nada a nos ensinar, gente que tem se beneficiado da ignorância que ajudam a manter no país, gente frívola ou interesseira e sem escrúpulos, por vezes desonesta.
É preciso interromper esse ciclo vicioso. O ódio faz mal. Temos sim assuntos urgentes a resolver como nação, mas que podemos endereçar por meio do diálogo, da inteligência, do chamamento à ação e do arregaçar as mangas.
Pense em Gilberto Gil, aos 82 anos, em sua turnê pelo país, “Tempo Rei”. Tive a sorte de assistir, ver com meus olhos, sentir com meu coração, o poeta transcender naquele palco: fez-se em mito diante do estádio lotado. Foi maravilhoso, pura emoção. A nossa história contada por meio da poesia. Gil será lembrado até a eternidade.
Jonas Mekas (1922-2019), cineasta, poeta e artista lituano-americano, que foi chamado de “o padrinho do cinema de vanguarda americano”, disse: “as civilizações se destroem porque dão ouvidos aos seus políticos e não aos seus poetas.”
Os poetas são transcendentes. É possível aprender comunicação com eles.
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