04 de junho de 2021

A arte do encontro

Publicado originalmente no LinkedIn em 31 de maio de 2021

“Todo viver real é encontro” (Martin Buber)

Escuta genuína, empatia e construção colaborativa. Sintetizo com essas três expressões, que parecem simples, mas encerram em si um universo inteiro, as conclusões do Comitê de Comunicação e Relações Institucionais da Aberje em sua reunião de maio, dedicada ao debate em torno da diversidade de stakeholders e do papel de redes de influenciadores na atuação em relações institucionais. Num cenário cada vez mais complexo, em que a atuação de nossas empresas impacta e é impactada por numerosos grupos de stakeholders, estabelecer um processo de escuta e interação que permita não apenas conhecer suas reais necessidades, mas também trazer esses insumos para o processo de tomada de decisão, é essencial para que as companhias conquistem e mantenham relevância. Trata-se, ainda, do único caminho possível para que exerçam sua responsabilidade corporativa.

O tema me remete ao filósofo austríaco Martin Buber, que teceu sua obra em torno do encontro dialógico, trabalhando conceitos como presença, responsabilidade, relação e reciprocidade. Segundo Buber, o homem se define no mundo na relação com o outro. No livro “Eu e Tu”, ele mergulha nas características da relação dialógica, diferenciando duas formas de relação: “eu-tu”, marcada pela reciprocidade e confirmação mútua, que implica uma alteridade essencial; e “eu-isso”, marcada por uma atitude monológica, na qual o “eu” usa a relação para conhecer o mundo, impor-se diante dele, ordená-lo e vencê-lo. Apenas na primeira os participantes se apresentam e são percebidos de maneira integral, com todos os seus pensamentos, sentimentos e opiniões envolvidos. Na segunda, um dos participantes objetifica o outro, numa situação de distanciamento, marcada pelo utilitarismo.

Não há escuta genuína ou encontro verdadeiro numa relação “eu-isso”. Não há, portanto, construção colaborativa quando uma das partes busca, apenas, utilizar-se da outra para um fim específico. É somente no modo “eu-tu” que se compartilham crenças, valores e experiências, que se exercem as individualidades e se traz para o jogo aquilo que torna único cada ser humano envolvido na relação. Este é o cerne da complexidade que caracteriza a gestão estratégica do processo de interação. Para ser efetivo, ele precisa ser verdadeiro, inclusivo e empático.

Durante a reunião do Comitê, Paulo Eduardo Batista, diretor de Performance Social da Mosaic Fertilizantes, definiu o trabalho de interação da empresa com as comunidades como “um processo, não um evento”. “A interação é parte do nosso processo produtivo. Usamos a comunicação e o engajamento para fazer a Mosaic ser, de fato, parte das comunidades nas quais estamos presentes”, explicou. De um lado, um processo – relacionamento constante, propósitos comuns, objetivos claros, escuta atenta, construção colaborativa. De outro, eventos pontuais – pontos de contato esporádicos para atender a necessidades específicas da própria companhia. Duas formas de agir, que exemplificam os dois tipos de relacionamento descritos por Martin Buber.

Cada vez mais, investidores, analistas de mercado e a própria sociedade cobram das empresas uma postura de responsabilidade corporativa que se traduz na geração de valor para todos os stakeholders. Seja, portanto, pela consciência clara de seu papel e pelo comprometimento com o desenvolvimento sustentável, seja por simples instinto de sobrevivência, as companhias precisam estabelecer processos de interação consistentes, que sejam reconhecidos como valorosos por todos os envolvidos. O trabalho é complexo e a definição das estratégias depende fundamentalmente de características como a natureza do negócio, os atores envolvidos, a extensão dos possíveis impactos (positivos e negativos) gerados pelo negócio e as necessidades coletivas dos grupos de stakeholders. De um modo geral, no entanto, alguns passos, muitos deles destacados nos debates do grupo, podem ser apontados como boas práticas:

·      Mapeamento dos atores envolvidos – Conhecer os grupos de stakeholders, entendendo suas especificidades e o grau de envolvimento com a companhia. Dependendo do tipo de negócio, um único grupo de stakeholders pode se traduzir em uma imensa variedade sociocultural e, consequentemente, anseios e necessidades muito distintos. É o que destacou Eduardo Camillo, Superintendente de Relações Institucionais, Comunicação e Imprensa da Norte Energia, empresa responsável pela operação da usina de Belo Monte: “Só na Volta Grande do Xingu, são 130 km de extensão, uma variedade de culturas bem grande. Atuamos com prioridade junto às comunidades locais e tradicionais, como indígenas e ribeirinhos, que têm características e necessidades muito diferentes. Mas também atuamos junto a entidades da sociedade civil, ONGs, entidades empresariais, colônias de pescadores e associações de moradores. A construção do diálogo com essas comunidades é permanente”.

·      Matriz de criticidade – Mapeados os atores envolvidos, é preciso classificá-los de acordo com suas características específicas e o impacto recíproco – o seu impacto sobre o negócio e o impacto do negócio sobre o seu modo de vida. Fatores ambientais, econômicos, sociais, de segurança e visibilidade devem ser levados em conta.

·      Fluxo de relacionamento – O cruzamento do mapa de stakeholders e da matriz de criticidade com os objetivos estratégicos da companhia fornece os subsídios necessários para a definição do fluxo de relacionamento, que deve ser constante, robusto, calcado nos valores empresariais e tendo por objetivo a geração de valor mútuo. O ideal é que este fluxo faça parte do planejamento de longo prazo da companhia, e que contemple objetivos estabelecidos de maneira participativa com os stakeholders envolvidos. Ele pode prever diferentes grupos de trabalho para temas específicos e deve contemplar necessariamente as etapas de escuta, definição de objetivos e feedback.

·      Monitoramento e reporte às áreas estratégicas – Por fim, o processo de interação deve ser capaz de alimentar de subsídios a tomada de decisão da companhia. E, para isso, faz-se necessário um sistema de gestão que permita monitorar os resultados da interação e catalogar os principais insights dela advindos, além de um fluxo de compartilhamento dessas informações com as áreas estratégicas da companhia.

Não é um processo simples e, de um modo geral, muito ainda há a ser feito. Quanto mais complexo o setor e mais numerosos os stakeholders envolvidos, maior o desafio. Mas o entendimento de que temos muito a ganhar – empresas e sociedade – com o estabelecimento de diálogos verdadeiros já é um caminho para a transformação positiva. Como destacado por Simone Tcherniakovsky, Diretora de Assuntos Corporativos e Comunicação da Novo Nordisk: “Temos projetos envolvendo múltiplos stakeholders, elaborados sempre em parceria, porque entendemos que, por meio de parcerias, conseguimos multiplicar nossa ação na ponta”. É o que todos queremos: ampliar o impacto positivo de nossas ações. O primeiro passo é o encontro.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Renata Petrocelli Bezerra Paes

Superintendente de Comunicação da Eletrobras, Renata Petrocelli é jornalista e publicitária, com mestrado em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente, cursa o Global Business Management do IBMEC. Atuando há mais de 10 anos na comunicação corporativa da Eletrobras, também coordena o Comitê de Comunicação Integrada das Empresas Eletrobras, que congrega todas as subsidiárias do grupo, e representa a empresa na Plataforma Ação para Comunicar e Engajar da Rede Brasil do Pacto Global. É membro do Conselho Editorial da revista "Comunicação e Memória", publicação da Memória da Eletricidade.

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