22 de agosto de 2006

A mão que estende a maçã

A marca como ‘o drama inerente a cada produto’. Assim, Leo Burnett, publicitário norte-americano que, além de ter criado publicidade da mais fina estirpe, se destacou pelo hábito saudável de distribuir maçãs para os empregados e clientes de suas agências espalhadas pelo mundo, como um símbolo de sorte para quem o utiliza. Dois exemplos de Apple: a gravadora dos Beatles e os computadores de Steve Jobs.

A definição de Burnett vem à mente ao ver as recentes campanhas publicitárias da Fórum e da MTV. Ambas, tratam como pano de fundo da nojenta política nacional.

A Fórum critica explicitamente os parlamentares, com adjetivos nada elogiosos: ‘mentirosos, ladrões e repulsivos’, brotam com força. Os políticos sujos e instalações do Parlamento são alvos da ação do sabão, água e vassoura manejados por jovens bonitos, dorsos nus e, claro, vestidos de jeans Fórum. Para quem não viu a primeira campanha da Fórum, leia o artigo ‘O jeans político’, neste Observatório.

Os filmes criados pela MTV sugerem que os jovens eleitores usem, ao invés das cédulas eleitorais, ovos e tomates arremessados contra os políticos corruptos, desmascarados nos escândalos do Mensalão e das Sanguessugas.

Protagonista do mercado

Nesses exemplos, as marcas assumem discursos de instituições tradicionais: a igreja, o Parlamento, o governo, a universidade etc. Um posicionamento cada vez mais comum em todos os lugares do planeta: as marcas a se manifestarem sobre o cotidiano das guerras, da violência urbana, das questões políticas, religiosas e educacionais.

A mistura entre os espaços da rua e da casa, entre o público e o privado, na sociedade do espetáculo, das celebridades instantâneas, faz com que ninguém mais estranhe ou se indigne diante de salas de aula batizadas com nomes de empresas ou com simbologias comerciais a invadir o que era considerado espaço religioso.

As misérias do mundo, a incompetência e desonestidade dos governos e dos políticos, a entrada de religiosos no campo da política, os big brothers televisivos que tudo mostram, legitimam essa salada geral.

Depois de tudo isso, tem gente que estranha o apoderamento do discurso político pelo PCC, no episódio do seqüestro do jornalista da TV Globo.

A publicidade, cujo objetivo principal é mudar posições no ranking das vendas, pode promover, sem intenção, um vale-tudo retórico, no qual bandido posa de mocinho. Quais são os temas legítimos da publicidade? Quais são os dramas que esse protagonista do mercado pode criar, sem fazer com que a democracia moderna desfaleça de vez?

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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