Regulação das finanças sustentáveis e a mobilização de capital para a Agenda ODS
- Investimentos ESG – Rápido crescimento e o greenwashing
Durante os últimos anos, vimos um crescimento exponencial de fundos que se autointitulam “ESG” (Environment, Social, Governance). De acordo com a Bloomberg Intelligence, os ativos globais ESG devem ultrapassar US$ 41 trilhões em 2022, quase o dobro dos US$ 22,8 trilhões em 2016.
Porém, o veloz crescimento aliado ao vácuo regulatório permitiu que muitas instituições financeiras se aproveitassem do movimento para nomear fundos “sustentáveis”, “verdes” ou “socialmente responsáveis” sem a propriedade adequada, conceito popularmente conhecido como greenwashing. Essa prática prejudica o processo de conscientização da população e pode afastar os consumidores de produtos alinhados com boas práticas ESG, uma vez que dificulta o discernimento de produtos realmente sustentáveis ou não.
Um caso emblemático é o da Gestora DWS, que pertence ao Deutsche Bank. Em seu relatório anual, a casa afirmava que mais de metade de seus US$ 900 bilhões sob gestão eram investidos levando em conta práticas ESG. Porém, após questionamentos da Securities and Exchange Commission (SEC) e Federal Financial Supervisory Authority (BaFin), o CEO Asoka Woehrmann renunciou e a casa reduziu a declaração do total investido em ativos ESG de €460 bilhões para somente €115 bilhões no ano seguinte. O caso ainda está em investigação.
A expectativa é que ações deste tipo se tornem cada vez mais comuns. O crescimento explosivo da oferta de produtos financeiros que se dizem “verdes” ou “socialmente responsáveis” vem sendo acompanhado de esforços regulatórios no âmbito dos sistemas financeiros e dos respectivos participantes de mercado (bancos, seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensão).
- Combate ao greenwashing – o que estão fazendo os principais órgãos regulatórios
A temporada de caça ao greenwashing está oficialmente aberta. Entretanto, cada região está em um estágio diferente nesta jornada. A União Europeia lidera essa agenda enquanto a maioria de outros países ainda está em estágio incipiente. O processo se acelerou durante os últimos anos e o Brasil já deu passos importantes, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
O que há em comum para as regulações em desenvolvimento nos diversos países é a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU como pauta norteadora. A adoção de um padrão comum para implementar estratégias e modelos de negócios sustentáveis e medir e comunicar o progresso leva a dois claros benefícios para as finanças sustentáveis:
- Maior capital sendo investido a favor dos ODS
- O capital investido tem um impacto positivo maior
A) União Européia
Em 2018, a Comissão Europeia lançou o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis, que tem dentre os principais objetivos:
- Reforçar a transparência na comunicação de informações não financeiras pelas instituições financeiras e empresas;
- Estabelecer uma linguagem comum e unificar o sistema de classificação da UE, a partir de uma taxonomia própria;
- Criar rótulos para os produtos financeiros verdes;
- Tornar explícita a obrigação de gestores de ativos e investidores institucionais a considerarem sustentabilidade no processo de investimento.
Existem três principais instrumentos legais que se interrelacionam para atingir esses objetivos acima:
Non Financial Reporting Directive (NFRD, já em reformulação para se transformar na Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD)
A NFRD traz obrigações para organizações que tenham mais de 500 funcionários, tais como divulgação de dados referentes a seu modelo de negócios, existência de práticas anticorrupção, política de remuneração, não discriminação em posições de comando etc. A NFRD encontra-se em processo de revisão e será substituída pela CSRD, aumentando o número de companhias que devem reportar determinados dados e práticas em seus relatórios e balanços corporativos.
Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR)
A SFDR introduz regras para os participantes do mercado e assessores financeiros divulgarem informações sobre como integram riscos vinculados à sustentabilidade em seu modelo de negócios, com objetivo de reduzir assimetrias de informações, trazendo mais transparência ao mercado.
O regramento aplica-se tanto em nível de entidade como a nível de produto (companhias devem reportar como seus produtos financeiros são afetados por tais riscos, inclusive o processo de decisão de investimento), e é preciso classificar os produtos entre: artigo 6 – quando não há integração com ESG; artigo 8 – quando há a integração e artigo 9 – quando o objetivo principal é promover o ESG.
EU Taxonomy
A EU Taxonomy busca implementar uma linguagem única, um sistema de classificação a fim de definir se uma atividade econômica é ambientalmente sustentável. Se aplica a companhias financeiras e a outros setores econômicos. Pequenas empresas também podem, de modo voluntário, reportar dentro da metodologia já mencionada.
B) EUA
Para a SEC, as principais propostas de regulamentação também estão relacionadas à taxonomia e divulgação de informações não financeiras, mas com maior foco em informações relacionadas ao clima. As regras sugeridas, que também afetam empresas brasileiras listadas nos Estados Unidos, estão em discussões internas e devem entrar em vigor em 2024.
A SEC também apertou as regras de reporte para fornecer aos investidores e demais partes interessadas mais informações sobre como os fundos levam em consideração fatores ESG.
As alterações propostas buscam categorizar amplamente tipos de estratégias ESG e exigem que gestoras e consultores forneçam divulgações mais específicas em prospectos de fundos, relatórios anuais e folhetos de consultores com base nas estratégias ESG que buscam.
Por exemplo, os fundos focados na consideração de fatores ambientais devem ser obrigados a divulgar as emissões de gases de efeito estufa de seu portfólio. Os fundos que alegam alcançar um impacto ESG específico devem detalhar esse impacto e resumir seu progresso. Os fundos que usam votação por procuração como um meio significativo de implementar sua estratégia ESG serão obrigados a divulgar informações sobre sua votação.
Os fundos para os quais o investimento em ESG é uma consideração significativa ou primária tem obrigações ainda mais específicas, como preencher a tabela padronizada e indicar o progresso em termos qualitativos e quantitativos.
Um dos principais objetivos da taxonomia é estabelecer padrões para os nomes dos produtos oferecidos aos investidores, em linha com o que já foi adotado pelo regulador europeu.
Os prospectos e relatórios anuais dos produtos financeiros terão que conter a “definição dos termos usados em seu nome, incluindo os critérios utilizados pelo fundo para selecionar os investimentos descritos pelo termo”.
Outra restrição proposta pela SEC diz respeito aos “fundos de integração”, ou seja, aqueles que incluem critérios ESG em sua política de investimentos em peso menor ou igual a outros fatores. Nestes casos, os produtos não poderão usar termos relacionados a ESG em seus nomes. A SEC ampliou a chamada “regra dos nomes” determinando que para um fundo utilizar ESG em seu nome deve ter ao menos 80% do valor de seus ativos nesses investimentos.
C) Brasil
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) busca se alinhar às exigências mundiais de divulgação de fatores ESG e estabeleceu a Resolução 59 em dezembro de 2021. Entre outras mudanças, a resolução amplia os requisitos de divulgação do tema nas empresas de capital aberto, como diversidade na força de trabalho e emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa). Na maioria dos itens, a autarquia não obriga as companhias a elaborar e divulgar as informações, mas se limita a perguntar se as informações existem e, em caso negativo, por que não existem.
É o que se chama de ‘relate ou explique’. A nova regra entrará em vigor em janeiro de 2023.
Já a Anbima ampliou suas exigências para os fundos de renda fixa e de ações. Fundos com mandatos de investimento 100% sustentáveis devem usar o sufixo IS (Investimento Sustentável), enquanto fundos que não tenham o IS como objetivo principal podem incorporar a frase “este fundo integra questões de ESG à sua gestão” contanto que a gestora divulgue sua metodologia ESG e detalhe como engloba os fatores ESG à gestão de ativos, entre outros procedimentos.
O Banco Central, por sua vez, exige desde Julho que bancos passem a contabilizar potenciais perdas que surjam de fenômenos relacionados a mudanças climáticas, como secas, inundações, enchentes e incêndios florestais. Além disso, estabeleceu novas normas que tratam da regulamentação da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), da análise e gerenciamento de riscos das instituições financeiras e à obrigatoriedade de divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (GRSAC).
3. Mudanças à frente e as oportunidades além dos desafios
A transformação ESG é um processo que não acontece da noite para o dia. Isso significa que os órgãos regulatórios devem continuar impulsionando a agenda, tornando as exigências das Instituições Financeiras gradativamente mais robustas e consequentemente exigindo mais esforços dos participantes do mercado.
Mas as mudanças trazem também oportunidades. Dentre elas, é possível destacar:
- Criação de novos produtos e serviços, atraindo novas demandas dos investidores;
- Fortalecimento da marca e da reputação institucional, principalmente frente às novas gerações que tendem a possuir maior grau de conscientização sobre os produtos e serviços que consomem;
- Melhor relação risco x retorno, uma vez que a incorporação de fatores ESG leva a uma análise de risco mais completa e realista.
4. Boas práticas para endereçar os desafios e oportunidades
Para ajudar as instituições financeiras a endereçar os desafios e oportunidades, a Alvarez e Marsal compartilha as boas práticas que têm executado em seus clientes:
- Atendimento dos requisitos regulatórios;
- Comparação da estrutura atual de riscos e governança com as melhores práticas do mercado;
- Divulgação de informações não financeiras alinhadas aos temas materiais da organização;
- Mapeamento das necessidades e expectativas de todos os stakeholders (acionistas, consumidores, comunidade, funcionários, fornecedores) e revisão do propósito da organização, da estratégia e do portfólio de negócios;
- Estabelecimento de métricas alinhadas à estratégia e atreladas a resultados de desempenho chave (métricas WEF IBC podem ajudar)
- Criação de uma narrativa de valor aos stakeholders que seja conectada à estratégia, suportada pelas métricas estabelecidas
- Implementação da estrutura de mensuração e comunicação de resultados, para acompanhar e reportar o progresso em direção às metas de forma transparente, autêntica e equilibrada
- Revisão dos produtos atuais e desenvolvimento de novos produtos e serviços (ex.: fundos de impacto, Sustainability-Linked Bonds (SLB), greenbonds)
- Revisão da estratégia e critérios de escolha para novos investimentos
- Revisão dos incentivos da liderança, estrutura de compensação e modelos de governança para foco em geração de valor no longo prazo
Destaques
- Pesquisa apresenta novos insights sobre ESG nas organizações
- Websérie destaca os protagonistas da comunicação com stakeholders
- Os desafios permanentes da comunicação na mineração e da reparação em Mariana
- Apresentação da pesquisa realizada pela Aberje e Cortex revela desafios e avanços na adoção de IA e dados
- Aberje Academia de Marcas: Latam compartilha case de diversidade e inclusão
ARTIGOS E COLUNAS
Luis Alcubierre O perigo do charme eleitoral e a urgente necessidade do senso crítico nas urnasGiovanni Nobile Dias “Em tempos de disseminação de desinformação, o papel do comunicador responsável e transparente nunca foi tão importante”Paulo Nassar A Importância do Associativismo: 57 Anos de Compromisso da Aberje com a Comunicação EmpresarialElizeo Karkoski Liderança Influenciadora: o que já era tendência fica ainda mais forteLuiz Valloto 10 aprendizados do CONAREC 2024: sustentabilidade, engajamento do cliente e o poder da comunicação