04 de agosto de 2023
BLOG Agenda 2030: Comunicação e Engajamento

Precificação interna de carbono: uma abordagem estratégica para impulsionar a transição climática em organizações

Mudanças climáticas, ODSs e o papel das empresas
Adoção de ICP em empresas

O fenômeno das mudanças climáticas representa um dos maiores desafios da nossa era. Atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, têm aumentado significativamente as concentrações de gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera. Esses GEEs, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), atuam como cobertores térmicos, retendo o calor do sol e causando o aumento da temperatura média do planeta. Tal fenômeno, conhecido como aquecimento global, resulta em uma série de impactos negativos, como o derretimento das calotas polares, o aumento do nível do mar, eventos climáticos extremos e a perda de biodiversidade.

Em sua Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, as Nações Unidas estabelecem um objetivo específico – ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) 13 – para o combate das alterações climáticas e seus impactos, por meio de ações que promovam a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas. A redução das emissões de GEEs é um dos pilares fundamentais para atingir esse objetivo. Compreender e enfrentar os desafios relacionados às mudanças climáticas não apenas contribui para a preservação do meio ambiente, mas também para a busca de um desenvolvimento sustentável e equitativo, garantindo uma melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.

Além da responsabilidade crucial de governos no desenvolvimento de políticas públicas, as empresas desempenham um papel fundamental na ação climática e na redução de GEEs. Compreender e responder aos desafios das mudanças climáticas não é apenas uma responsabilidade social, mas também uma necessidade estratégica para as empresas. A crescente conscientização pública, as demandas dos consumidores por produtos e serviços sustentáveis, bem como a pressão dos investidores por práticas empresariais responsáveis, estão impulsionando organizações a adotarem medidas concretas para reduzir suas emissões de GEEs. Além disso, as empresas que se posicionam como líderes na mitigação das mudanças climáticas têm a oportunidade de obter vantagem competitiva, promovendo a inovação, a eficiência operacional, a economia de recursos e a resiliência a riscos relacionados ao clima.

Como parte de seus esforços para promover uma ação climática efetiva, empresas têm utilizado uma ampla gama de ferramentas e abordagens inovadoras. Dentre elas, se destaca a implementação da chamada Precificação Interna de Carbono (no inglês, ICP). Neste artigo, exploraremos como a implementação do ICP pode ajudar as empresas a realizar uma transição climática bem-sucedida, fornecendo uma visão geral dos passos envolvidos e destacando os benefícios e resultados esperados.

Precificação Interna de Carbono como ferramenta da ação climática

A precificação interna de carbono refere-se a um mecanismo utilizado pelas empresas para atribuir um valor monetário às emissões de gases de efeito estufa (GEEs) geradas por suas atividades. É uma abordagem interna que estabelece um preço para o carbono dentro da empresa, independentemente de políticas ou regulamentações governamentais sobre o tema.

A adoção deste mecanismo traz uma série de benefícios para as empresas que a adotam, dentre os quais:

  • Incentivo à redução de emissões: Ao atribuir um valor monetário às emissões de carbono, a precificação interna cria incentivos econômicos para a redução dessas emissões. As empresas são motivadas a adotar práticas mais sustentáveis, implementar tecnologias de baixa emissão de carbono e melhorar a eficiência energética. Isso ajuda a reduzir a pegada de carbono da empresa e contribui para a mitigação das mudanças climáticas.
  • Gestão de riscos: A precificação interna de carbono permite que as empresas antecipem os custos futuros associados às regulamentações e políticas climáticas. Isso ajuda na gestão de riscos financeiros relacionados às mudanças climáticas, pois as empresas podem se preparar para um ambiente regulatório mais rigoroso e incerto. Também melhora a resiliência empresarial ao considerar os riscos associados às emissões de carbono e aos impactos das mudanças climáticas em suas operações e cadeias de suprimentos.
  • Vantagem competitiva: As empresas que adotam a precificação interna de carbono e reduzem suas emissões de forma eficiente podem se posicionar como líderes na luta contra as mudanças climáticas. Essa ação demonstra compromisso com a sustentabilidade e pode melhorar a reputação da empresa, atraindo consumidores conscientes e investidores preocupados com o clima, bem como levar à criação de novas oportunidades de negócios em uma economia de baixo carbono.
  • Redução de custos e eficiência energética: A precificação interna de carbono incentiva a busca por soluções que reduzam as emissões e melhorem a eficiência energética. Isso pode levar a uma redução nos custos operacionais, como a diminuição do consumo de energia e a otimização dos processos produtivos. Ao identificar oportunidades de eficiência energética, as empresas podem economizar recursos financeiros e se tornar mais competitivas.
  • Alinhamento com políticas e metas globais: A adoção da precificação interna de carbono ajuda as empresas a alinhar suas estratégias e ações com políticas e metas globais de mitigação das mudanças climáticas. Isso inclui o cumprimento dos compromissos estabelecidos no Acordo de Paris e o apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Demonstrar um compromisso efetivo com a redução de emissões de carbono contribui para a construção de um futuro sustentável e resiliente.

A adoção de mecanismos de precificação interna do carbono por empresas tem se acelerado ao redor do mundo ao longo dos últimos anos. Segundo dados do CDP, uma das maiores plataformas globais de divulgação de informações climáticas das empresas, atualmente mais de 1.000 organizações já utilizam mecanismos de precificação interna de carbono e outras 1.600 organizações possuem planos de adotar um ICP nos próximos dois anos. No Brasil, empresas líderes em seus respectivos setores, como por exemplo, Votorantim Cimentos, Vale, Klabin e Braskem, já adotam uma ou mais formas de ICP.

Adoção de ICP em empresas

Funcionamento dos mecanismos de precificação

De maneira geral, existem três formas de precificação interna de carbono: preço sombra, taxa interna e mercado interno de carbono. Vejamos o que define cada abordagem:

  • Preço Sombra: Frequentemente utilizado em análises de custo-benefício e tomada de decisões relacionadas à alocação de capital, o preço sombra representa o custo marginal de abatimento de emissões da empresa e é utilizado para avaliar novos investimentos ou iniciativas para redução das emissões
  • Taxa Interna: Nesse modelo, as empresas estabelecem uma taxa monetária por tonelada de emissão de carbono, aplicada a todas as suas operações. Essa taxa é utilizada para calcular o custo das emissões de carbono e pode ser incorporada aos custos dos produtos, serviços ou projetos. Ela incentiva a redução das emissões internas, uma vez que os departamentos e unidades de negócio são encorajados a buscar formas de diminuir seus impactos e evitar custos adicionais.
  • Mercado Interno de Carbono: Nesse modelo, as empresas criam um mercado interno para a negociação de créditos de carbono. As unidades de negócio que conseguem reduzir suas emissões abaixo de suas metas podem vender os créditos excedentes para outras unidades que não conseguiram atingir suas metas. Isso cria um incentivo econômico para a redução de emissões, uma vez que unidades mais eficientes podem gerar receita com a venda de créditos de carbono, enquanto unidades com altas emissões enfrentam custos adicionais para adquirir os créditos necessários.

Empresas podem aplicar uma ou mais destas formas de precificação a depender dos objetivos que procuram atingir com a precificação interna de carbono. A Unilever, por exemplo, utiliza tanto uma abordagem de preço sombra, quanto uma abordagem de taxa interna de carbono dentro da organização. Mais detalhes abaixo.

Estudo de caso: aplicação de ICP na Unilever

Passo-a-passo recomendado para implementação bem-sucedida

A incorporação bem-sucedida de mecanismos de precificação de carbono passa, de maneira geral, por um processo de quatro etapas sequenciais. Abaixo, detalhamos cada uma destas etapas.

  1. Engajamento da liderança e definição de objetivos: A implementação bem-sucedida do ICP requer o engajamento da alta gestão e das diferentes áreas da empresa. É essencial garantir que todos compreendam a necessidade e os benefícios do ICP. Além disso, é importante estabelecer objetivos claros do ICP, alinhados com as metas climáticas e estratégia geral da empresa. Esses objetivos podem orientar as decisões de investimento, impulsionar a execução de projetos de baixo carbono e identificar fontes atuais de emissões, subsidiando estratégias de mitigação.
  2. Definição da abordagem e método de precificação: Um aspecto crucial do ICP é a definição da abordagem e do método de precificação. Isso inclui a determinação da abordagem de preço a ser adotada, como preço sombra, taxa interna ou mercado interno de carbono. Além disso, é necessário especificar a cobertura de emissões de GEE, abrangendo os escopos 1, 2 e 3. Outro ponto importante é estabelecer o nível de influência do ICP nas decisões da companhia. Por fim, é necessário definir elementos da precificação, como o nível de preço, considerando opções como preço único vs. distinto e estático vs. dinâmico
  3. Execução de piloto e planejamento de roll-out: Uma abordagem recomendada é testar o ICP por meio de projetos piloto na organização. Isso permite identificar ajustes necessários e avaliar a eficácia do ICP em cenários controlados. Com base nos resultados do piloto, pode-se planejar o roll-out em toda a organização, garantindo que a liderança esteja engajada e fornecendo treinamento e suporte adequados para os funcionários envolvidos.
  4. Monitoramento e gestão de desempenho: Uma vez implementado, é essencial monitorar a implementação do ICP e avaliar seu desempenho. Isso pode ser feito por meio de indicadores-chave de desempenho (KPIs), como o percentual de redução de emissões, o nível de preços atingido, a quantidade de decisões influenciadas pelo ICP e as alterações na receita e/ou nos custos de projetos. O monitoramento contínuo permite avaliar o progresso em relação aos objetivos definidos na etapa 1 e tomar medidas corretivas, se necessário. Por fim, é importante validar se a execução do ICP foi eficiente em atingir os objetivos estratégicos definidos na etapa 1

Ao longo deste artigo, exploramos a importância da precificação interna de carbono (ICP) como uma ferramenta estratégica para a gestão das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e a realização de uma transição climática bem-sucedida. Recapitulando os principais pontos discutidos, destacamos o desafio das mudanças climáticas e a necessidade de redução de GEEs, juntamente com a relevância da ICP como uma abordagem eficaz para enfrentar esse desafio. Discutimos como o engajamento da liderança, a definição de objetivos claros, a abordagem de precificação, a execução de pilotos, o monitoramento do desempenho e a avaliação dos resultados são elementos-chave na implementação bem-sucedida da ICP. Além disso, ressaltamos os benefícios da ICP para as empresas, incluindo a redução de custos, a gestão de riscos, a melhoria da reputação e a promoção da inovação.

Em suma, o ICP desempenha um papel fundamental na gestão sustentável das emissões de carbono, impulsionando as empresas a adotar práticas mais responsáveis e contribuindo para a construção de um futuro de baixo carbono e resiliente às mudanças climáticas. É essencial que as empresas reconheçam a importância estratégica da ICP e a incorporem em suas operações para alcançar uma economia mais sustentável e um planeta mais saudável para as futuras gerações.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Fernando Fabbris

Fernando Fabbris é sócio associado e lidera a prática de Adaptação Climática e Sustentabilidade na consultoria de alta gestão Mirow & Co. Possui mais de 10 anos de experiência profissional em diferentes setores e temas organizacionais. Além disso, possui atuação prévia nas multinacionais de Bens de Consumo Unilever (Brasil) e P&G (Panamá) e é formado em Administração pela USP.

Karen Vecchiatti

Karin Vecchiatti coordena o Comitê de Inovação e Sustentabilidade da Câmara de Comércio Sueco-Brasileira (Swedcham). Pesquisadora e gestora em temas de sustentabilidade, conduziu a redação do Manual de Práticas ESG para médias e pequenas empresas, lançado em 2022 pela Swedcham. É doutora em Comunicação e Semiotica (PUC-SP) e mestre em Ciência Ambiental (USP).

  • COMPARTILHAR:

COMENTÁRIOS:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *