18 de abril de 2023
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Planos de transição climática: as empresas não estão se adaptando rápido o suficiente para responder às pressões regulatórias

 

As mudanças climáticas são um dos desafios mais urgentes e complexos que a humanidade enfrenta atualmente. As concentrações de GEE estão em seus níveis mais altos em 2 milhões de anos e as emissões continuam aumentando. Como resultado, a Terra está agora cerca de 1,1 °C mais quente do que no final do século XIX e estamos a caminho de atingir 1,5 °C de aquecimento mais cedo do que o previsto anteriormente, assim como mostra o 6º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Nos cenários estudados pelo IPCC, há mais de 50% de chance de que a meta de 1,5°C seja atingida ou ultrapassada entre 2021 e 2040 (há uma estimativa central para o início de 2030), uma década anterior ao intervalo estimado pelo IPCC no Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 1,5°C (SR15).

Em 2021, o nível de emissão de GEE no Brasil teve a maior alta desde 2003, segundo o relatório do Sistema de Estimativa de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. O crescimento no ano passado atingiu 12,2% e foi puxado por desmatamento, energia e agropecuária. E as mudanças climáticas possuem efeito direto na economia mundial. Em meados do século, o mundo deve perder cerca de 10% do valor econômico total devido às mudanças climáticas. De acordo com uma nova pesquisa do Swiss Re Institute, esse é um cenário real se os aumentos de temperatura permanecerem na trajetória atual e, tanto o Acordo de Paris quanto as metas de emissões líquidas zero para 2050 não forem cumpridas. No estudo, eles analisaram 48 países que juntos representam 90% da economia mundial. No cenário brasileiro, o aquecimento global pode reduzir a economia do país em até 12% se não for potencializada a ação nacional para a redução das emissões.

Movimentação em prol do combate às mudanças climáticas

Com a crescente conscientização sobre os impactos do aquecimento global, governos e empresas de todo o mundo estão adotando metas de descarbonização para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Mais de 70 países, incluindo os maiores poluidores – China, Estados Unidos e União Europeia – estabeleceram uma meta net-zero, cobrindo cerca de 76% das emissões globais. Mais de 3.000 empresas e instituições financeiras estão trabalhando com a Science-Based Targets Initiative para reduzir suas emissões de acordo com a ciência climática e, até janeiro de 2023, quase 9.000 empresas haviam aderido à campanha Race to Zero da UNFCCC, comprometendo-se a tomar medidas rigorosas e imediatas para reduzir pela metade as emissões globais até 2030. O número de governos e empresas que assumiram compromissos de descarbonização cresceu a um ritmo impressionante e deve crescer mais ainda nos próximos anos.

As empresas são responsáveis pela maioria das emissões de GEE e devem assumir seu papel na corrida contra as mudanças climáticas, principalmente companhias de setores altamente emissores, como geração de energia, transporte, siderurgia e agro. Adicionalmente, elas também têm um enorme potencial para desenvolver e acelerar soluções pelo financiamento climático. Ou seja, o setor privado desempenha um papel crítico no processo.

Além de se apresentarem como engajadas com o tema, as empresas devem expor cada vez mais seus planos de transição e informações que potencializem a transparência frente ao mercado e a sociedade. A prestação de contas é uma ajuda essencial no processo de combate às mudanças climáticas porque permite que as empresas sejam responsabilizadas e que o progresso em relação às metas globais seja mensurado. Portanto, a definição de metas é um passo crucial na descarbonização mundial, mas a estratégia utilizada para o alcance das metas deve ser claramente definida, revisada regularmente e suportada por um plano de transição bem estruturado para que haja, de fato, mudança no cenário previsto.

Definir metas não é suficiente para conter o aquecimento global

A definição de metas é um passo crucial na descarbonização mundial, mas não é suficiente para conter o aquecimento global. As metas devem ser alinhadas com o Acordo de Paris e devem ser suportadas por um robusto plano de transição que passe segurança sobre como as metas serão alcançadas.

Um relatório recente divulgado pela Moody’s avaliou 4.400 grandes empresas de capital aberto (que representam cerca de 67% da capitalização do mercado global) e constatou que, apesar de 42% das empresas terem alguma meta de descarbonização, apenas 3% estabeleceram metas que se alinham com um limite de aquecimento global de 1,5°C. No geral, a maior parte das empresas que têm metas está alinhada com um cenário de aquecimento de 2,1°C.

Outro relatório divulgado em fevereiro de 2023 pelo CDP demonstra que mais de 4.000 empresas (de 18.600 que divulgam por meio da plataforma) afirmaram ter um plano de transição climática, mas apenas 81 (0,4%) demonstraram as melhores práticas que denotam um plano de transição climática como confiável.

Ainda de acordo com a pesquisa, mesmo os setores com maior presença de um plano confiável ainda têm um longo caminho a percorrer. As empresas nos setores de geração de energia (2,2%) e infraestrutura (1,7%) têm maior probabilidade de divulgar todos os indicadores-chave, enquanto os setores de vestuário, combustíveis fósseis e hotelaria tiveram apenas uma empresa em cada setor divulgando todos os indicadores-chave.

As análises ecoam as conclusões de outro relatório também publicado em fevereiro passada pelo Corporate Climate Responsability Monitor 2023, que apresenta a análise de 24 empresas líderes globais quanto a integridade dos compromissos climáticos e a aderência às boas práticas de descarbonização internacional.

Constatou-se que as estratégias climáticas da maioria das empresas analisadas são de baixa ou muito baixa integridade e seus compromissos combinados de redução de emissões são totalmente insuficientes para alinharem-se às trajetórias da manutenção do aumento de temperatura a 1,5°C.

Os resultados são profundamente preocupantes – indicam que mesmo as empresas mais engajadas nas pautas ESG ainda não estão lutando de forma eficaz e eficiente contra o aquecimento global.

As exigências regulatórias estão apertando rapidamente

O cenário atual mostra que os órgãos regulatórios devem passar a exigir ações que vão além dos relatórios de divulgação de riscos climáticos e tudo indica que o próximo passo será a cobrança de planos estruturados de transição de zero carbono líquido (net zero).

Nos últimos três meses de 2021, observou-se indícios dessa tendência nos seguintes discursos:

  • Declaração do vice-presidente do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE) e presidente da Network for Greening the Financial System (NGFS), Frank Elderson, apoiando “uma obrigação legal para que os bancos tenham em vigor um plano de transição claro, detalhado e prudente, o que aumentaria a consistência da estrutura regulatória e de supervisão e contribuiria para manter condições equitativas de concorrência”.
  • Declaração do ministro das Finanças do Reino Unido, Rishi Sunak, anunciando que o país “tornará obrigatório que as empresas publiquem um plano claro e viável definindo como elas irão descarbonizar e fazer a transição para o net zero”.
  • Discurso do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, apontando que seu governo exigirá divulgações de risco climático e planos de transição para net zero de instituições financeiras, fundos de pensão e agências governamentais. Trudeau, no entanto, não forneceu mais detalhes sobre a metodologia.

Até o momento, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil ainda não tem uma regulamentação específica sobre a elaboração de planos de transição climática pelas empresas de capital aberto. No entanto, a CVM tem participado de discussões internacionais sobre o papel das instituições reguladoras no fomento à adoção de práticas de sustentabilidade, o que deve levar à elaboração de regulamentações específicas de plano de transição climática em um futuro próximo.

Boas práticas para a elaboração de um plano de transição climática

Fazer um plano de transição climática que responda às pressões dos investidores e órgãos regulatórios pode ser um processo complexo e desafiador. No entanto, existem algumas diretrizes gerais que podem ajudar as empresas a elaborar um plano efetivo, como:

  • O TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures) enfatiza a divulgação de informações financeiras consistentes, relevantes e úteis sobre o clima
  • O CDP (Carbon Disclosure Project) fornece um modelo mais voltado para a medição e transparência de emissões de carbono e gestão de riscos climáticos
  • A GFANZ (Glasgow Financial Alliance for Net Zero) foi desenvolvida para fornecer orientação e incentivos para que as instituições financeiras apoiem a transição para uma economia de baixo carbono

As diretrizes possuem algumas diferenças em relação ao seu escopo e abordagem, mas têm em comum o objetivo de divulgar um plano robusto que passa segurança ao mercado de que as metas serão alcançadas.

Para assegurar que o plano passa segurança ao mercado e que as metas efetivamente serão alcançadas, as melhores práticas da A&M para elaboração de plano de transição climática são:

  • Identificação das principais fontes de emissões de GEE e priorização para abordagem
  • Metas ambiciosas e alinhadas com a ciência para limitar o aumento da temperatura global em até 1,5°C.
  • Avaliação completa dos riscos e oportunidades que a empresa enfrenta em relação às mudanças climáticas, e como isso pode afetar seus negócios e operações.
  • Descrição da governança da empresa em relação às mudanças climáticas, incluindo a forma como a empresa continuamente identifica, avalia e mitiga os riscos climáticos
  • Estratégias claras e concretas para reduzir as emissões de GEE, atingir as metas estabelecidas e adaptar-se aos impactos das mudanças climáticas
  • Definir metas intermediárias mensuráveis e verificáveis para garantir o progresso contínuo em direção à meta de emissões líquidas zero
  • Ações concretas que a empresa irá realizar e os prazos em que essas ações serão concluídas, para que sejam monitoradas e avaliadas regularmente
  • Engajamento dos stakeholders, incluindo funcionários, clientes, fornecedores, investidores e comunidades locais, para garantir que as ações da empresa estejam alinhadas com as expectativas e necessidades desses grupos
  • Transparência e prestação de contas clara e regular sobre o progresso da empresa em relação às suas metas e ações de mitigação e adaptação climática

Estruturas organizacionais que incentivem a colaboração, a inovação e a liderança em relação à transição para uma economia de zero emissões líquidas

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

André Robic

Formado em Administração pela FEA-USP, é especialista da Alvarez & Marsal em finanças e estratégias para o desenvolvimento sustentável. Tem experiência em projetos ESG como matriz de materialidade, desenho de estratégia, diligência, relato integrado, inventário e geração de créditos de carbono, SPO para a emissão de dívidas verdes e cadeias de suprimentos sustentáveis. Além disso, possui experiência prévia no mercado financeiro e em consultoria de gestão; com ampla atuação em fusões e aquisições, planejamento estratégico e melhoria de performance financeira e operacional. Já atuou em algumas das maiores empresas brasileiras, em multinacionais e em renomados fundos de Private Equity nos setores de agro, saúde, biotecnologia, alimentos, bancos e fintechs entre outros.

Gustavo Santos

Gustavo Santos é Diretor Sênior da A&M e líder da prática ESG Services no Brasil. Possui experiência em Consultoria de Gestão e Transformação, atuando em diversos segmentos como farmacêutico, bens de consumo, óleo e gás, industrial, entre outros. +12 anos de experiência em melhoria de performance, Gustavo atuou em projetos de transformação corporativa e estratégia de ESG para os principais Fundos e corporações nas Américas. Adicionalmente, Gustavo é Professor de Sustentabilidade e ESG na Link School of Business. Gustavo é graduado em Engenharia Metalúrgica pela UFMG, possui MBA pela Columbia University e MBE pela Link School Of Business.

Kássia Tiba

Kássia Tiba atuou em projetos de melhoria de gestão, consultoria empresarial e ESG. +2 anos de experiência em projetos de planeamento estratégico, mapeamento e melhoria de processos, e redesenho de estruturas organizacionais em segmentos da indústria Silvicultura, Química e Alimentícia. Atuou em projetos ESG de construção de relato integrado e gestão de projetos em parceria com a prefeitura de São Paulo

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