O papel do setor privado na retomada econômica verde
O ano de 2015 foi um marco histórico para a agenda internacional no contexto do desenvolvimento sustentável, meio ambiente e mudanças climáticas.
Após anos de discussão, foram adotados, com apenas dias de diferença, a agenda 2030, plano de ação que orientará os trabalhos das Nações Unidas e de 193 países membros rumo ao desenvolvimento sustentável até 2030, e o Acordo de Paris, aprovado pelos 195 países Parte da UNFCCC para o fim de fortalecer resposta global à ameaça da mudança do clima, com o objetivo de reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE), no contexto do desenvolvimento sustentável.
Por sua vez, o ano de 2020 também era aguardado como um momento decisivo no avanço destes compromissos globais, eis que, passados 05 (cinco) anos desde sua assinatura, muito foi analisado, monitorado e revisado, levando-se a conclusão de que haveria necessidade de promover uma intensificação e aceleração dos esforços para alcançar estes objetivos. Para a Agenda 2030, foi lançada a “Década da Ação”, enquanto para o Acordo de Paris, falou-se em “Década da Ambição”.
Ainda, 2020 contava com a realização de eventos importantes sobre o clima, biodiversidade e oceano.
Não há exagero em alegar que o advento da pandemia da Covid-19 interrompeu de forma devastadora estes planos, forçando uma adaptação e reinvenção da agenda internacional. Além do adiamento dos eventos e discussões, a realocação de recursos e do foco dos governos e demais atores da sociedade para controle da disseminação, saúde e fornecimento de renda foi inevitável.
António Guterres, o Secretário-Geral da ONU, apresentou, em março deste ano, um relatório sobre os impactos socioeconômicos da Covid-19 chamado “Responsabilidade Compartilhada, Solidariedade Global”, no qual constatou os efeitos profundos e negativos da pandemia e da recessão econômica global e prolongada na implementação da Agenda 2030 e do Acordo de Paris.
Ao mesmo tempo, relembrou que os investimentos em sustentabilidade tanto permitem que a sociedade se torne mais resiliente para suportar choques, bem como que a resposta à Covid-19 deve levar em consideração as pessoas e o meio ambiente, bem como os ganhos já conquistados.
Neste mesmo sentido, é evidente que os desafios globais combatidos pela Agenda 2030 e o Acordo de Paris – incluindo-se a ameaça das mudanças climáticas, assim como seus comprovados efeitos nocivos para a saúde e economia – permanecem latentes.
Ademais, a pandemia causada por uma zoonose trouxe a tona a discussão da interdependência do bem estar e da qualidade de vida humana com a preservação da natureza, bem como as possíveis consequências econômicas e sociais do mau uso dos recursos naturais.
Desta forma, coloca-se em cheque a capacidade dos governos em equilibrar as necessidades atuais: retomada econômica, justiça social e a preservação ambiental, questionando-se, em relação às mudanças climáticas, como reduzir as emissões de carbono com máximo de justiça social e econômica.
Ora, ainda que a crise econômica causada pela Covid-19 seja apontada como a maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial, é indiscutível que o plano de recuperação econômica que será adotado agora, bem como em que medida este fará observância aos direitos humanos e ao meio ambiente, será determinante para o futuro da humanidade e do planeta.
A questão que se coloca, portanto, é: A que custo vamos retomar nossa economia? É possível que a retomada econômica seja mais sustentável ou continuamos a depender de combustíveis fósseis?
Em que pese tal proposição possa parecer novidade, a discussão sobre a necessidade de tornar a economia mais responsável e consciente, bem como os riscos e os efeitos nefastos da busca incessante pelo lucro, fazem parte da agenda internacional desde a década de 70. As chamadas novas economias estão em pauta há décadas, bem como os governos já aderiram às iniciativas e se comprometeram de diversas formas com o desenvolvimento sustentável.
A União Europeia, já em 2019, sinalizava ações nesse sentido. Com seu tradicional papel de vanguarda nas decisões mundiais não podia deixar o tema de fora, estabelecendo a transição para uma Economia Verde mesmo antes da pandemia. Ainda, visto que o meio ambiente é uma grande pauta para na União Europeia, desde 2015, quando foi costurado o Acordo de Paris, o bloco está se estruturando para executar as medidas propostas.
No final do ano de 2019, foi anunciado o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), o qual propõe 50 ações para serem executadas até o ano de 2050, com o objetivo de alcançar a neutralidade de carbono no continente. Dentro desse projeto, a Economia Verde tem um papel determinante, já que o plano consiste em uma nova estratégia para reduzir emissões e ao mesmo tempo criar empregos.
Ainda, o Plano descreve como tudo isso será realizado. Todos os setores da economia estarão envolvidos com o propósito de: investir em tecnologias não prejudiciais para o ambiente; apoiar a inovação industrial; implantar formas de transporte público e privado mais limpas, mais baratas e mais saudáveis; descarbonizar o setor da energia; assegurar o aumento da eficiência energética dos edifícios e cooperar com parceiros internacionais no sentido de melhorar as normas ambientais globais. A meta é alcançar a neutralidade carbônica, retardando o aquecimento global e atenuando os seus efeitos.
Em recentes manifestações, os líderes do bloco, já considerando o cenário pós-covid, defenderam que possivelmente estas ações deverão ser intensificadas. Será mantido o propósito de adotar uma abordagem mais ecológica, social e digital, visando um futuro mais sustentável.
Ainda, importante ressaltar que, em junho de 2019, o estado de Nova York aprovou um conjunto de metas climáticas ambicioso, incluindo eletricidade sem carbono até 2040 e uma economia com emissões zero até 2050, iniciativa que foi seguida por diversos Estados norte americanos.
O Brasil, infelizmente, não está estrategicamente alinhado com essa política, o que se constata em uma rasa análise da postura governamental frente às questões ambientais nos últimos dois anos. Em que pese tal posicionamento do governo federal, três cidades brasileiras assinaram um compromisso no âmbito do Grupo C40, para uma retomada econômica verde pós-covid, quais sejam Curitiba, Salvador e São Paulo.
Ocorre que o país dependente fortemente de exportações e investimentos estrangeiros, sendo a Europa um dos mercados mais atrativos, eis que os maiores compradores do Brasil estão no continente: Holanda, Alemanha, Espanha e Itália. Com base nisto, independente das políticas governamentais, o próprio mercado está se estruturando para optar por estratégias mais sustentáveis, incluindo de baixo carbono.
Em julho deste ano, 38 CEOS de grandes empresas brasileiras enviaram uma carta ao vice-presidente Mourão cobrando uma postura mais rígida do governo em relação aos altos índices de desmatamento no Brasil. Além disto, tendo em vista as recentes declarações sobre os possíveis efeitos do desmatamento da Amazônia e demais aspectos da pauta ambiental governamental do governo sobre a ratificação do Acordo UE-Mercosul, observa-se maior preocupação e atuação do setor privado em se desvincular das práticas nocivas ao meio-ambiente.
O papel e a responsabilidade do setor privado nesta empreitada, o qual vem sendo observado pela comunidade internacional com atenção, é cada vez mais crescente. A exemplo, em 2000, por iniciativa de Koffi Annan, então secretário-geral das Nações Unidas, foi lançado o Pacto Global, a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, buscando disseminar as boas práticas empresariais. Porém, somente com a grande mudança de paradigma causada pela “Carta aos CEOs” enviada por Larry Fink, CEO da maior gestora de recursos do mundo, é que a sustentabilidade passou ao centro do capitalismo, movimentando as grandes empresas do mundo todo a se adaptar aos índices ESG (com critérios de governança, ambiental e social).
As empresas brasileiras, em que pese a passos mais lentos, estão acompanhando este movimento e adotando uma postura mais ativa, declarando publicamente que a sustentabilidade é prioridade na agenda corporativa.
Todo esse contexto, aponta que as questões ambientais não podem mais ser deixadas de lado na esfera corporativa. Constata-se, efetivamente, a necessidade de uma mudança estrutural neste sentido, colocando-se os entes privados como protagonistas dos compromissos internacionais. Em verdade, será o trabalho em conjunto que fará que com que as metas e os objetivos da Agenda 2030 e do Acordo de Paris sejam atingidos.
[1] Advogada, Mestre em Direito Internacional Público pela Universidade Panthéon-Sorbonne, Especialista em Direito Internacional Público, Secretária-geral da Comissão do Pacto Global da OAB/PR, membro da Comissão da Mulher Advogada e da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero, integrante do grupo de advogados B da Comunidade Paraná, palestrante, pesquisadora e consultora.
[2] Advogada, Mestre em Direito Socioambiental e Sustentabilidade pela PUC/PR, Especialista em Direito Ambiental e Direito Administrativo, Membro da Comissão do Pacto Global e da Comissão de Direito Ambiental da OAB/PR, palestrante e autora do livro “Sustentabilidade Urbana: Estudo de Impacto de Vizinhança”. Consultora em questões relacionadas ao meio ambiente, sustentabilidade, Agenda 2030 e Pacto Global da ONU.
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