08 de agosto de 2017

O Google não perdoou seu funcionário machista. E nem deveria

Quem acha que falar sobre diversidade é modismo ou “mimimi” sofreu um revés esta semana com a decisão do Google de demitir um engenheiro que atribuiu a diferenças biológicas as desigualdades de gênero encontradas na indústria de tecnologia nos EUA.

James Damore escreveu um memorando justificando por que há menos mulheres no Vale do Silício. Segundo o engenheiro, “a distribuição de preferências e habilidades entre homens e mulheres difere, em parte, por causas biológicas e essas diferenças podem explicar por que não há uma representação igualitária de mulheres em cargos técnicos e de lideranças”.

O (agora ex) funcionário do Google ainda reforçou uma série de estereótipos de gênero, como os que associam os homens ao raciocínio lógico e sistemático e as mulheres, ao trabalho social e artístico.

É a velha técnica de se valer de malabarismos biológicos para evitar a discussão que realmente importa: as diferenças são socialmente construídas. Homens e mulheres não são aptos ou inaptos a determinadas atividades “por natureza”. A formação de nossas habilidades e talentos está relacionada à motivação, aos estímulos que recebemos, ao fato de termos exemplos para nos incentivar, entre outros fatores.

Há muito pouco de “natural” entre seres humanos. O que as pesquisas mostram, isso sim, é que já na formação os estereótipos de gênero prejudicam as mulheres. Professores de Matemática, por exemplo, tendem a dar menos atenção às meninas e dão notas melhores a elas quando não sabem que são garotas.

Isso continua na faculdade, onde algumas mulheres ouvem frases como “agora vamos explicar porque tem muita menina na sala”. Existe um sistema perverso que desencoraja as mulheres a seguirem determinadas carreiras. Aquelas que vencem as primeiras dificuldades e se formam nas áreas de exatas, por exemplo, chegam ao mercado e encontram profissionais como o engenheiro do Google.

A demissão de James Damore não é uma “vitória do politicamente correto”, como ouvi esta semana. É apenas o que se espera de uma empresa comprometida com a inclusão e disposta a tornar sua força de trabalho mais diversa – por razões culturais, sociais e também econômicas.

Imagine o estrago que alguém com a mentalidade do funcionário demitido pode causar na carreira de outras profissionais? Vale para as questões de gênero, mas também para as de raça, de LGBT ou das pessoas com deficiências.

Falar sobre diversidade não é modismo. A discussão veio pra ficar. E quem não se atualizar ou insistir na reprodução de preconceitos tende a ficar para trás – exatamente como o engenheiro do Google.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Ricardo Sales

Ricardo Sales é consultor de diversidade, pesquisador e conselheiro consultivo. É formado pela USP, onde também realizou mestrado sobre diversidade mas organizações. Atua para algumas das maiores empresas do país. É conselheiro do Comitê de Diversidade do Itaú. Foi eleito pela Out&Equal um dos brasileiros mais influentes no assunto diversidade nas organizações e ganhou o Prêmio Aberje de Comunicação, em 2019. Foi bolsista do Departamento de Estado do Governo dos EUA e da Human Rights Campaign, sendo reconhecido como uma liderança mundial no tema diversidade. É também palestrante, professor da Fundação Dom Cabral e da Escola Aberje de Comunicação, colunista da revista Você SA e do Estadão, além de membro-fundador do grupo de estudos em diversidade e interculturalidade da ECA/USP.

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