31 de agosto de 2022
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Impacto dos Sistemas Agroflorestais no atingimento das metas dos ODS 2 e 15

 

O segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, relativo à erradicação da fome e agricultura sustentável, é um desafio tanto social quanto ambiental. Discutir a sustentabilidade em um contexto de insegurança alimentar é ainda mais complexo. Nos últimos anos, o Brasil voltou para o mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo relatório da ONU divulgado em julho de 2022, mais de 60 milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar.

A produção de alimentos no Brasil é permeada por paradoxos. Ao mesmo tempo em que temos 4,1% da população vivendo em situação de subalimentação, também somos uma das maiores potências agrícolas do mundo. Em 2020, produzimos quase 257 milhões de toneladas de grãos. Estima-se que chegaremos a 272 milhões de toneladas no ciclo 2021/22.

Dos 5 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, 3,8 milhões são caracterizados como agricultura familiar. Embora ocupem apenas 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros, as propriedades familiares são responsáveis pela produção de 48% das culturas permanentes, como café e banana. Quando se trata das culturas temporárias, este número é ainda maior: a agricultura familiar é responsável por 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e 42% da produção do feijão.

Agricultura Familiar

A agricultura familiar é comumente desenvolvida em pequenas propriedades, onde o grupo familiar é dono da terra, dos meios de produção e da força de trabalho. A família estabelece uma relação particular com a terra, que é seu local de morada e trabalho, além de ser a principal fonte de renda da família. A agricultura familiar também tem maior diversidade produtiva, baixa utilização de insumos agrícolas, e baixo uso de tecnologias. Por essas particularidades, a agricultura familiar está mais propensa à produção sustentável.

O modelo de agricultura familiar é essencial para a segurança alimentar, para a sustentabilidade ambiental dos sistemas produtivos, e para a manutenção da estabilidade econômica do pequeno produtor. Sua dinâmica envolve uso reduzido de maquinário e agroquímicos, o que reduz os prejuízos ao solo e o desperdício de recursos naturais. Todavia, demanda intensa força de trabalho, bons conhecimentos técnicos e vasta experiência de campo.

Sistemas Agroflorestais

É neste contexto que os Sistemas Agroflorestais se apresentam como uma excelente forma de utilização da terra, pois viabilizam a produção de alimentos preservando a mata nativa e trazendo retorno financeiro adequado às populações rurais. Os SAFs utilizam práticas de conservação que mantém a biodiversidade dos ecossistemas, ajudam a deter o desmatamento e a regenerar florestas.

Os SAFs são baseados na sucessão natural, processo restaurativo que ocorre espontaneamente na natureza após algum evento perturbador. Diversas espécies pioneiras, bastante resistentes a ambientes hostis e de rápido crescimento, se desenvolvem propiciando sustentação para a comunidade de espécies de transição, que prepara o local para que novas espécies se estabeleçam, até que o ecossistema alcance seu auge de diversidade. Os eventos graduais que ocorrem no processo de sucessão ecológica são o aumento de biomassa, a melhora progressiva da qualidade do solo, da biodiversidade e da complexidade da comunidade do ecossistema.

Assim também nos SAFs, cada espécie ocupa um espaço e função específicos em determinado tempo, ao longo da sucessão. Na fase inicial, culturas de menor porte, como mandioca, abacaxi, feijão e banana, são consorciadas com culturas de médio e grande porte, como o cacau e outras árvores de interesse econômico, de modo a potencializar os sinergismos. O feijão, por exemplo, fixa o nitrogênio no solo, favorecendo o crescimento das outras culturas. A banana, por sua vez, fornece sombreamento para as pequenas mudas de espécies florestais, que, do contrário, teriam seu desenvolvimento prejudicado. Por fim, as árvores de grande porte sombreiam e substituem as culturas de menor porte, restaurando o sistema florestal. 

Uso Sustentável dos Ecossistemas Terrestres

A relação entre os Objetivos 2 e 15 de Desenvolvimento Sustentável se dá ao conciliar o uso racional dos recursos naturais à produção de alimentos. Os Sistemas Agroflorestais estão muito alinhados à proposta do décimo quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. A essência dos Sistemas Agroflorestais é justamente construir um sistema em que as interações ecológicas e sinergismos produzam, por si só, a fertilidade do solo, a produtividade e a proteção das culturas.

As práticas de conservação agroecológicas são fundamentais para promover esta dinâmica de autorregulação, ciclos contínuos de crescimento e renovação dos Sistemas Agroflorestais. A atividade de cada geração de plantas e microrganismos do SAF constrói um ambiente mais rico para a geração seguinte e enseja um constante aumento de recursos para o ecossistema.

Algumas dessas práticas, que também contribuem para a proteção e enriquecimento do solo, são a cobertura do solo, a adubação verde e o bom manejo. O solo coberto com matéria orgânica retém a umidade, reduzindo a necessidade de irrigação; regula a temperatura, que se mantém ideal para os microrganismos que favorecem o desenvolvimento da planta; e ainda reduz o impacto das gotas de chuva que poderiam causar erosão.

A adubação verde consiste no plantio de espécies com sistema radicular forte, que reciclam nutrientes disponíveis na atmosfera ou em camadas profundas do solo, tornando-o mais fértil e produtivo. O material orgânico não decomposto oriundo do corte destas plantas cria uma camada de cobertura, cujos nutrientes servirão ao desenvolvimento de microrganismos e consequente melhora da saúde do solo. As leguminosas – largamente empregadas em nossa alimentação, são muito utilizadas na adubação verde especialmente por sua capacidade de retirar nitrogênio da atmosfera, e fixá-lo nas plantas e no solo, disponibilizando-o para as próximas culturas.

O bom manejo do solo também é fundamental para o desenvolvimento dos Sistemas Agroflorestais. Esta prática favorece a ciclagem de nutrientes, melhora as condições físicas, químicas, biológicas e a capacidade produtiva dos solos. Tudo isso proporciona maior resistência às plantas, maior valor biológico e potencial nutritivo dos alimentos produzidos, o que está diretamente ligado à meta de dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos, além de garantir o acesso a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.

Soluções Sustentáveis

Consideramos sustentáveis soluções relacionadas ao uso da terra que focam em reduzir a pobreza pelo crescimento econômico dos produtores e previnem a degradação ambiental usando os recursos de forma sustentável. A sustentabilidade se estabelece em um sistema harmônico e equilibrado. Práticas como a agroecologia são fundamentais para o crescimento brasileiro, pois somente assim é possível compatibilizar a preservação ambiental, a produção alimentar, o bem-estar social e o crescimento econômico. Mesmo assim, as práticas sustentáveis são apenas parte de um conjunto de fatores políticos e normativos que definem a sustentabilidade do setor agrícola e familiar.

De forma genérica, a sustentabilidade significa que a atividade econômica deve suprir as necessidades presentes, sem restringir as opções futuras. As práticas ecologicamente seguras visam assegurar a produtividade do sistema a longo prazo, afinal, ser sustentável envolve também ser capaz de garantir às próximas gerações o acesso a recursos naturais abundantes e solos férteis, aptos a prover a alimentação da população e preservar a biodiversidade do patrimônio natural.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Fabiane Steffen Mottin

Formada em Publicidade e Propaganda pela PUCPR e Naturologia pelas Faculdades Integradas Espírita; pós-graduada em Comunicação e Semiótica, pela PUCPR e Inteligência de Negócios, pela UFPR. Atua como comunicadora do Instituto Belterra de Inovação e Sustentabilidade, órgão responsável pela pesquisa e desenvolvimento da startup Belterra Agroflorestas, que utiliza a agricultura regenerativa para recuperação de florestas.

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