A comunicação de uma empresa não é mais “apenas” a mensagem que circula em um espaço público, e sim a própria empresa na perspectiva dos usuários das redes
Nas últimas semanas, foi a vez do mercado financeiro. Em janeiro, uma ação coordenada a partir de um fórum na internet provocou uma intensa valorização da empresa GameStop na Bolsa de Nova York no início do ano. No início de fevereiro, fenômeno parecido ocorreu no Brasil com ações do IRB, que se valorizaram na B3 a partir de um movimento articulado pelo Telegram. Matéria recente no jornal Valor Econômico tratou do tema, abordando os “novos riscos” que a internet e as redes sociais podem representar para as empresas.
A discussão não é exatamente nova, mas vem se tornando mais visível (e incontornável) em cada um dos campos impactados pelas transformações do digital nos últimos anos – ou seja, praticamente todos os espaços de atividade humana e interação social. De tempos em tempos, ainda surpresos, presenciamos os efeitos disruptivos que a internet e as redes sociais provocam na representação política, nas práticas de consumo, na produção cultural e na economia, agora chegando com mais força e barulho no mercado de ações.
A conclusão imediata é que as “redes sociais” – na verdade todo o ambiente digital por onde circulam informações – afetam o mercado, num movimento irreversível e que só tende a se intensificar. Menos falado, embora não menos verdadeiro, é o fato de que isso implica também a necessidade de o mercado (e as empresas) se comunicarem de maneira mais eficiente com as “redes sociais”, atualizando seu repertório de ação e posicionamento público, mas também sua capacidade de compreensão dos fenômenos da sociedade da informação.
Estudo recente publicado pela FGV DAPP mostrou como a circulação de narrativas falsas em redes sociais sobre fraude nas urnas tem minado a confiança no sistema eleitoral brasileiro – um risco à própria democracia. Nos últimos anos, em diversos momentos ficou evidente também o alto nível de polarização política e social, intensificada pela lógica de formação de bolhas de informação. E mais recentemente tem-se jogado luz sobre dinâmicas de discurso de ódio e incitação à violência nos espaços digitais que representam ameaças a grupos marginalizados, quando não expressão crua de racismo, homofobia e misoginia.
Mas é importante não resumir o debate sobre a internet e as redes sociais aos “riscos” que trazem à sociedade, ao mercado e à democracia. Para além das fake news, da desinformação, dos bots e discursos de ódio, ambiente digital é um espaço de amplas possibilidades para o exercício da cidadania, a atividade política, a mobilização social, novas demandas e, pelo lado das empresas, possibilidades de um posicionamento público mais atento a pautas hoje caras aos brasileiros. É nesse sentido que temos incentivado a necessidade de um debate sobre a “democracia digital” e suas possibilidades, abarcando toda a complexidade de fenômenos do digital e suas interfaces com a democracia, a cidadania e os direitos humanos.
As estratégias de comunicação nos espaços digitais são, nesse sentido, mais do que o posicionamento público de instituições, organizações, empresas e indivíduos, tendo se tornado cada vez mais as estratégias de atuação em suas respectivas áreas de atividade. Em outras palavras, a comunicação de uma empresa não é mais “apenas” a mensagem que circula em um espaço público, e sim a própria empresa (na perspectiva dos cidadãos e consumidores em suas atividades digitais). Essa realidade impõe, é claro, a necessidade de uma readequação do lugar da comunicação nas sociedades da informação, tendo “invadido” espaços considerados antes em departamentos de RH, relações institucionais e a própria direção das empresas.
São muitos os exemplos recentes de “crises” gestadas no ambiente digital e que logo se traduzem crises de imagem, reputação e logo de receita, mercado e valor, indicando uma defasagem que começa na própria compreensão do fenômeno do digital, passando por estratégias mal desenhadas e chegando até a respostas francamente erradas. O ambiente digital traz, sim, diversos riscos, mas também um enorme potencial de diálogo com os valores que mobilizam os cidadãos em suas atividades nesse espaço, podendo assim contribuir para a consolidação de uma democracia digital que estamos apenas começando a construir.
*As manifestações expressas por integrantes dos quadros da Fundação Getulio Vargas, nas quais constem a sua identificação como tais, em artigos e entrevistas publicados nos meios de comunicação em geral, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da FGV.
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