Bolhas, desinformação e públicos exaustos: alguns desafios de participação digital democrática em RIG
Em 2007 Said Farhat classificava, no livro “Lobby: O que é, como se faz”, como “ruidosos” os grupos de pressão que buscavam chamar a atenção da opinião pública por meio de manifestações que envolviam bloqueios, paralisações, ocupações, entre outros. Em 2021, o contexto do Lobby Digital, caracterizado pela instantaneidade do ativismo, intensifica as discussões sobre como promover participação e deliberação no ambiente digital.
As organizações se veem diante de desafios para a promoção de conversas em um cenário marcado por polarização, por bolhas de conversação nas plataformas digitais – como disse Eli Pariser em seus estudos recentes. Elas restringem não apenas a circulação de informações, mas os padrões de pré-julgamento, reforçados por construções narrativas de atores que muitas vezes intencionam a desinformação para o engajamento de públicos.
Há expectativa e pressão por mais participação. A legitimidade da deliberação está cada vez mais relacionada à qualidade do processo de debate, que envolve poder público, organizações e a sociedade civil. Contudo, o estudo dos efeitos das bolhas sociais e digitais, somado ao perfil de consumo de notícias da população brasileira e ao fenômeno de comportamento de grupos “exaustos” no contexto digital, evidenciam o desafio concreto que é a promoção do debate qualificado na esfera pública.
Estudo do Reuters Digital que observa o consumo de mídia em 38 países, incluindo o Brasil, mostra dados alarmantes sobre a queda no consumo de notícias em veículos oficiais e a preferência por informar-se por notícias compartilhadas em redes sociais. Em 2019, 22% das pessoas pagavam por notícias online em veículos oficiais no Brasil e o número caiu para 17% em 2021. O consumo de notícias em redes sociais é desproporcional à média mundial, mesmo com queda observada entre 2019 e 2021, em função da percepção de desinformação durante a pandemia. O WhatsApp ainda é utilizado para consumo de notícias por 43% das pessoas em 2021 (em 2019 era 53%), contra a média mundial de 17%. O Facebook é utilizado por 47% em 2021 (em 2019 era 54%), contra a média mundial de 32%.
Como promover informação, discussão de assuntos de interesse público e deliberação democrática com alguns grupos do mapa de stakeholders com baixo interesse em construir com o diferente? Como ultrapassar as mecânicas dos algoritmos que muitas vezes mantêm e reforçam os agrupamentos dos que pensam de modo semelhante? Frente a este cenário, diferentes atores, de diversos grupos de interesse, oportunizam o baixo consumo de informações qualificadas para promoção de estratégias narrativas de curto prazo, com forte carga simbólica de pré-julgamentos que reforçam o aprisionamento em bolhas, em processos de comunicação pouco contributivos à tomada de decisão consciente de um cidadão.
Adicionalmente, a problemática também está relacionada a quem monitoramos nas redes e como interpretamos os dados. Alexis Wichowski, pesquisadora norte-americana sobre opinião pública no ambiente digital, descreveu no artigo “What unites us”: how the angry few hijack public opinion and why institutions must intervene to save democracy”, o gap da participação e do monitoramento em redes sociais. A polarização das discussões em bolhas tem gerado o fenômeno que ela descreve como as “minorias agressivas” e as “maiorias exaustas”. Wichowski destaca, no contexto norte-americano, que a maior parte dos conteúdos em mídias (cerca de 90%) é produzido por apenas 10% dos usuários. Dentro desta pequena parcela estão as “minorias raivosas”, grupos que influenciam a pauta do debate público online. Essa concentração não é um problema, pois é convergente com o processo já conhecido de influência dos líderes de opinião na esfera pública, mesmo que estejamos caminhando para uma ampliação dessas vozes. O desafio reside justamente na interpretação de que o monitoramento do debate online representa a opinião da sociedade, ou seja, pré-julgar conhecimento sobre percepções de fato plurais a partir de um social listening, se ele for feito de modo superficial. As “maiorias exaustas” do debate polarizado podem não ser consideradas nos monitoramentos justamente porque eles podem não estar se manifestando nas redes. E aí emerge o desafio de criação de ambientes de participação e discussão democrática dos grupos interessados em cada uma das temáticas.
Neste cenário, a escuta e a participação plural são determinantes para influência de políticas que de fato traduzam agendas positivas de interesse público. O engajamento efetivo das partes interessadas, incluindo “minorias raivosas” e as “maiorias exaustas” permite a entrega do valor coletivo, a sustentação da deliberação no longo prazo e a preservação da legitimidade das organizações.
O filósofo político e senador italiano Norberto Bobbio explica, sobretudo em sua obra “O futuro da democracia”, que por regime democrático “entende-se primariamente um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Essa concepção de democracia, classificada como uma “definição mínima”, envolve três aspectos, sendo o primeiro o elevado número de cidadãos participantes da tomada de decisões coletivas; o segundo, a existência de regras de procedimento para essa decisão, e uma terceira condição: “é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra”.
Assim, é preciso refletir criticamente se as discussões públicas estão promovendo o debate democrático. Ou se estão criando “alternativas de resposta de curto prazo” em um contexto de desinformação, por meio da participação de poucos públicos, em construções narrativas simbólicas simplificadas que a opinião pública tem a capacidade de consumir e responder em suas bolhas. No famoso livro “Public Opinion”, o norte-americano Walter Lippmann já nos convidava a refletir sobre os riscos do recrutamento de interesses coletivos a partir de símbolos superficiais que traduzissem a expectativa mais homogênea dos interesses dos públicos heterogêneos, em detrimento da informação qualificada. E ele mesmo já ponderava, de modo quase simplista, que a complexidade de fugir a esse desafio estava justamente na “falta de apetite informacional” dos cidadãos. Em 2021, estamos lidando com relações complexas, envolvendo públicos complexos, cujo caminho está por enquanto longe de ser simples, ou disciplinar.
Lidar com essas questões é um desafio de todos nós, profissionais de comunicação. O espaço de expressão e colaboração plural, que consiga acessar as “bolhas”, é um bem democrático por meio do qual permite-se conhecer as diferenças de percepções, de interesses, de riscos e de danos capazes de levar a decisões de agendas positivas legitimamente democráticas.
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