02 de setembro de 2021

Por que investir em diversidade?

Publicado originalmente no Valor Investe em 24 de agosto de 2021

Quem viveu atentamente o infelizmente inesquecível ano de 2020, onde fomos assolados por uma pandemia que parecia possível apenas em filmes de ficção, sabe: os assuntos relacionados a diversidade ganharam corpo, voz e ruas. As discussões sobre inclusão de grupos minorizados (segmentos sociais que, independentemente da quantidade, têm pouca representação social, econômica e/ou política) já vinham acontecendo, mas a emergência social, as pressões por posicionamento e a dura realidade trouxeram essa agenda para a linha de frente das organizações.

O ano de 2020 foi marcado por muitos compromissos públicos. Já 2021 está cobrando ação. O estudo “12 Tendências para 2021”, da Exame Academy, por exemplo, indica de forma inequívoca essa direção: “Diferenças na mesa: a pauta da diversidade seguirá na mesa das empresas, que serão cada vez mais cobradas pela sociedade”.

A rigor, penso que não precisaríamos elencar as vantagens econômicas de se investir em diversidade. O principal motivo, entendo, é o seguinte: “É a coisa certa a se fazer”. Mas, vamos lá, números sempre ajudam a avançar. Em ótimo artigo de Carolina Cavenaghi, da também ótima organização Fin4She, há alguns fortes argumentos:

  • 93% é a probabilidade de empresas com diversidade de gênero superarem a performance financeira de suas concorrentes. (Fonte: Mckinsey, 2020)
  • 24 meses após a contratação, mulheres CFO (diretoras financeiras) geram aumento de 6% no lucro e 8% no preço das ações. (Fonte: S&P Global Market Intelligence, 2019)
  • 83% dos millennials são mais engajados quando acreditam que a empresa em que trabalham têm cultura inclusiva. (Fonte: Delloite, 2015).
  • 19% a mais de receita é gerada por equipes de gestão diversificadas devido à capacidade de inovação. (Fonte: BCG, 2018)

 

Se a previsão é de ação para 2021, alguns fatos não têm nos decepcionado. Em decisão histórica, emblemática e exemplar, o regulador do mercado de capitais americano, a SEC – Securities and Exchange Comission, aprovou em agosto uma proposta de diversidade em Conselhos de Administração que a Nasdaq (segunda maior bolsa de valores dos Estados Unidos e do mundo) apresentou em dezembro de 2020.

O pleito é para que as empresas listadas nesta bolsa tenham ao menos dois “membros diversos” nos seus Conselhos, sendo uma mulher e outro pertencente a um grupo sub-representado, como negros ou LGBTQIA+. Quem não conseguir atender, deve explicar o motivo. Para as estrangeiras listadas lá, como as brasileiras, as regras são um pouco mais flexíveis, podendo preencher as duas vagas com mulheres. As companhias terão de dois a cinco anos para cumprir as medidas, dependendo do segmento de listagem e do tamanho do colegiado.

O investidor também vem pressionando por avanços. Em sua famosa carta anual, Larry Fink, presidente mundial da BlackRock (maior gestora de recursos do mundo, com US$ 9 trilhões sob gestão), disse aos CEOs das empresas em que investe que espera que atuem em “Diversidade, com foco em raça e etnia”. A mensagem foi: “Embora temas como raça e etnia variem enormemente ao redor do mundo, esperamos que as empresas em todos os países tenham uma estratégia de talentos que permita aproveitar o conjunto mais completo possível.

Conforme emitirem seus relatórios de sustentabilidade, pedimos que as suas notas sobre a estratégia de talentos reflitam, de forma integral, seus planos de longo prazo para melhorar a diversidade, equidade e inclusão, conforme o caso de cada região. Nós nos comprometemos com esses mesmos padrões”. Gostei muito do “conforme o caso de cada região”. Porque uma empresa brasileira é diferente de uma americana, asiática ou europeia. Temos que considerar as variáveis locais para fazer planos factíveis de serem implementados.

A diversidade chegou também às salas dos Conselhos. No seu estudo “Seis prioridades para Conselhos em 2021”, o EY Center for Board Matters explicitou esse importante papel do mais alto órgão da Governança Corporativa: “Liderar em diversidade, equidade e inclusão: fazer progressos reais em DEI será uma das marcas de 2021”. Aproveito esse momento para estimular a adoção da sigla completa (usada internacionalmente): DEI – DIVERSIDADE, EQUIDADE E INCLUSÃO, e não “apenas” diversidade. São coisas diferentes. E absolutamente relevantes e complementares.

Agora vamos à pergunta que vale US$ 1 milhão (uma delas…). Como o Conselho de Administração pode exercer esse papel? Pesquisa recém-lançada pela State Street Global Advisors, Ford Foundation e Russell Reynolds Associates, “The Board’s Oversight of Racial and Ethnic Diversity, Equity and Inclusion – A Supervisão do Conselho para diversidade, equidade e inclusão racial e étnica” traz interessantes insights.

Os autores consultaram acadêmicos e especialistas em políticas e conduziram entrevistas com 27 diretores experientes de empresas dos índices S&P 500 e FTSE 100 para identificar os principais riscos e oportunidades relacionados ao tema. Como conclusão, o documento elenca as “10 Responsabilidades dos Conselhos na Supervisão Efetiva da Diversidade Racial e Étnica”, um guia para que os Conselhos de Administração aumentem seu foco e se instrumentalizem a respeito. São elas:

  1. Certifique-se de que o CEO e o presidente do Conselho tenham a capacidade e o compromisso para conduzir os esforços de igualdade racial da organização a longo prazo.
  2. Construa um Conselho cujos membros sejam racial e etnicamente diversos e tenham experiência com supervisão de DEI.
  3. Faça da igualdade racial uma parte ativa da estratégia de negócios e trabalhe para ter indicadores quantitativos de desempenho.
  4. Faça com que a diversidade racial e étnica, igualdade e inclusão seja de responsabilidade de todo o Conselho.
  5. Avalie regularmente os potenciais impactos das operações da empresa nas comunidades negras, incorporando oportunidades e mitigando riscos relevantes.
  6. Facilite discussões no Conselho que sejam reflexivas, equilibradas e propositivas e construa uma cultura onde haja espaço para que os conselheiros tragam novas e desafiadoras ideias.
  7. Traga as perspectivas dos stakeholders (partes interessadas), incluindo funcionários, para as discussões do Conselho.
  8. Crie uma estrutura de “onboarding” e treinamento contínuo que prepare os conselheiros para uma supervisão efetiva de DEI.
  9. Construa alianças, compartilhe as melhores práticas e aprenda com pares e especialistas.                                                                                                                          10. Entenda que esta é uma longa jornada – seja paciente e não desista.

Na seara da diversidade há muitos embates, debates, pontos de vista, dilemas, radicalismos. Faz parte. Estamos falando, antes de mais nada, de PESSOAS. Com suas dores, amores, desejos e sonhos. Faço parte de uma minoria, a de gênero. Já tive momentos em que encarei de forma nua e crua vieses inconscientes (ou conscientes?) que colocaram homens à minha frente na corrida corporativa, sendo que tínhamos exatamente os mesmos recursos e competências. Trabalho para que as jovens e as meninas precisem cada vez menos passar por isso. Mas não advogo por direitos iguais para homens e mulheres. Advogo por direitos iguais para todos os seres humanos, independentemente de qualquer condição, situação ou escolha. Por isso, encerro com uma frase inspiradora da ONU:

“Igualdade de gênero não significa que mulheres e homens se tornarão iguais, mas que os direitos, responsabilidades e oportunidades de mulheres e homens não dependerão de nascerem homens ou mulheres.”

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Sonia Consiglio

SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade

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