Um livro, um autor e o tempo da comunicação empresarial
Estrategicamente é preciso marcar que o livro “JORNALISMO EMPRESARIAL: Teoria e Prática” é uma espécie de JANO – aquele deus romano que, a partir de seu presente testemunha sobre o passado e promove um olhar sobre o futuro, entendido do ponto de vista da Comunicação Empresarial brasileira. Como o senhor das passagens romano, a obra do professor e jornalista Gaudêncio Torquato registra o nascimento das publicações empresariais no âmbito da Revolução Industrial e no Brasil nos anos 1930, dando a elas o status jornalístico – a partir dos conceitos do alemão Otto Groth – ou seja, aquilo que tem como características a atualidade, a periodicidade, a universalidade e a difusão. Características explicadas também pelas visões de Luiz Beltrão, para quem “o jornalismo faz a história do presente, do fundamental e perene”, e do professor Marques de Melo em seu destaque para o “jornalismo como instrumento público, ao alcance de todos”. Cabe aqui destacar que o livro “JORNALISMO EMPRESARIAL: Teoria e Prática” é um dos frutos saborosos da árvore Ecana, que se tornou frondosa pelo trabalho do professor e pesquisador Marques de Melo. Ecana porque é na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em 1972, que Torquato produz a sua Tese de Doutoramento sobre o tema da Comunicação e Jornalismo Empresarial. Onde segundo as suas palavras, procurou “sistematizar o campo, esboçando uma teoria jornalística aplicada às empresas e um modelo de trabalho para o planejamento e a execução de projetos jornalísticos institucionais”. Gaudêncio ainda destaca que “ a esse agregado conceitual, juntamos observações de caráter eminentemente prático, extraídas de cursos intensivos e de assessoria empresarial “ de sua lavra, durante um período de 15 anos. É neste período, que atravessa todo os anos 1970, que Gaudêncio Torquato atua no mundo empresarial como profissional, professor e consultor e também como membro da atual (ABERJE) Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, na época, denominada Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresa, onde foi Diretor Cultural (1971-1972), Presidente do Conselho de Ética de Jornalismo Empresarial (1973-1974), 1º Vice-Presidente (1975-1976), Assessor da Diretoria (1981-1983) e membro do Conselho Superior de Comunicação Social (1997).É onde Gaudêncio convive com o movimento de humanização e profissionalização da Comunicação Empresarial brasileira liderado pelo jornalista Nilo Luchetti, que a frente de um grupo de aproximadamente 60 empresas funda a ABERJE em 08 de outubro de 1967. São essas empresas as maiores multinacionais e empresas estatais atuando na época no Brasil. O movimento fundador da ABERJE tem entre os seus protagonistas também os dirigentes da ECA-USP, na época denominada Escola de Comunicações Culturais, de grandes jornais paulistanos e de instituições empresariais.Entre as crenças dessa primeira geração de aberjeanos destaco aquela que diz textualmente acreditar que as publicações empresariais – as revistas, os jornais e os boletins empresariais – eram as principais ferramentas de humanização do operário – visto por Frederick W. Taylor como homem boi, extensão das máquinas. A mudança do olhar administrativo sobre a comunicação empresarial, principalmente com os trabalhadores tem como marco a Escola de Relações Humanas, iniciada com as pesquisas do sociólogo Elton Mayo, no final dos anos 1920, que influencia uma comunicação empresarial que tem nas suas publicações a oportunidade de promover o feed-back no ambiente dos diálogos das fábricas e dos escritórios. A ABERJE, no Brasil, capitaneia este processo qualitativo de mudança da Comunicação Empresarial. O seu símbolo é o operário leitor. O seu logotipo associativa é o homem vitruviano do conhecido círculo de Leonardo Da Vinci substituído pelo operário leitor. A primeira utopia da ABERJE foi promover a transformação do mundo por meio de uma nova narrativa dentro das fábricas. Os comunicadores, como Sherazades, deveriam melhorar as suas mil e uma histórias contadas nos milhares de duras horas e dias empresariais. Gaudêncio Torquato, juntamente com outros acadêmicos conviveram com esse ambiente, repleto de contradições advindas da luta de classes, mas, no mínimo interessante, entre eles, destaco Manoel Chaparro, Waldemar Kunsch, Wilson Bueno,entre outros professores, como registram os documentos do Centro de Memória e Referência (CMR-ABERJE), espaço do conhecimento em Comunicação Empresarial que contempla os campos acadêmicos e profissional em seu rico e diversificado acervo, único na América Latina. Para destacar a riqueza do ambiente de discussões sobre a comunicação promovida pela Aberje, lembro que ali foi produzida a primeira pesquisa científica da comunicação organizacional brasileira, em 1968, depois reproduzida em artigo pela revista RAE – revista de administração de empresas da FGV, vol. 8, n. 29, out-dez 1968, e citada em artigo do professor Dimitri Weis, da Universidade Sorbonne, em 1971. Torquato como integrante da segunda geração de aberjeanosteve ali uma de suas fontes inspiradoras.Gaudêncio, quando a ABERJE completou 30 anos disse: “Caminhamos juntos: A ABERJE completou 30 anos e meu ingresso na área de comunicação empresarial ocorreu em 1968, um ano após a fundação da entidade”. Se aceitarmos que o sujeito e o seu trabalho são também, em alguma medida frutos de seu tempo, Gaudêncio e sua obra “JORNALISMO EMPRESARIAL: Teoria e Prática” são boas expressões da Escola de Comunicações e Artes e da ABERJE. Especificamente no contexto dos anos 1960, 1970, 1980, a obra de Gaudêncio Torquato faz parte do processo de profissionalização da Comunicação Empresarial em nosso país. É um processo que se manifesta isoladamente nos anos 1920 e 1930, e que pode ser exemplificado nas ações de relações públicas de empresas como a Light nos anos 1910, General Motors nos anos 1930 e que se torna um processo orgânico a partir dos anos 1950 e 1960 dentro do fluxo da industrialização brasileira e da fundação da ABERJE, em 1967.Mas,Gaudêncio Torquato, vai além das influências de seu tempo e constrói uma ponte sólida entre a universidade e as empresas, organizando um acervo de conhecimento comunicacional destinado ao fazer da comunicação empresarial, que acontecia dentro das fábricas, carente de teoria, técnicas e profissionais que o legalizasse e o legitimasse. Com o objetivo de acordo com Gaudêncio Torquato de sanar a falta de uma sistematização conceitual que impedia o campo profissional de alcançar por meio de uma maior sistematização conceitual uma maior aperfeiçoamento e profissionalização. Para isso, no livro Jornalismo Empresarial: Teoria e Prática, Gaudêncio reúne o conhecimento de autores brasileiros e estrangeiros, a partir de suas referências de seu trabalho de Doutorado e faz também uma taxonomia dos conceitos do jornalismo visando a sua aplicação nodia a dia da comunicação empresarial. Neste sentido, a obra de Gaudêncio Torquato não é só instrumento técnico. É também instrumento ético e estético. Gaudêncio leva para o mundo profissional um olhar epistemológico. E leva para a Universidade um olhar sobre o que acontece no campo profissional. Ele promove e fortalece a boa mestiçagem, entre mundos que não deveriam estar separados. É instrumento também de advocacy e lobby de uma profissão que se estrutura, que emprega comunicadores e que ganha importância econômica e política. Gaudêncio pensa o seu livro como uma “espécie de Manual”. Longe do momento de seu lançamento, podemos destacá-lo como um Manifesto, onde se procura afirmar a dignidade e a importância da Comunicação Empresarial pelo denominado Jornalismo empresarial.
O jornalismo empresarial, como o principal protagonista da comunicação empresarial,passa a perder força e sua utopia nos anos 1990. Se nos anos 1960 e 1970 teve um bom jornalismo em empresas representado na revista Notícias Pirelli, editada por Nilo Luchetti, nos anos 1980, pela Revista da Goodyear; nos anos 1970 pela revista Sua Boa Estrela, da Mercedes Benz, editada por Waldemar Kunsch. Na atualidade, é uma atividade, quando se tenta exercê-la, claramente no âmbito das políticas de uma relações públicas, condicionada a amenizar conflitos, como destacou pioneiramente, em 1981,CíciliaPeruzzo, em seu livro “Relações públicas no modo de produção capitalista”. E Maurício Tragtenberg, em seu livro Administração, poder e ideologia, de 1980, que vê as publicações empresariais, em especial o jornal destinado ao trabalhador, como suportes para conteúdos voltados à psicomanipulação, à “formação profissional permanente”, que não é gerida pelos produtores, enfim, publicações voltadas apenas aos objetivos da racionalidade econômica, ao contexto das narrativas que desencantam o mundo.De tal forma que atualmente as suas mídias tradicionais – o boletim, o jornal e a revista – são elementos quase exóticos – entre os muitos e diferentes veículos de comunicação utilizados pelas empresas para informar, engajar e criar vínculos com os seus públicos e redes de relacionamento. Tudo hoje tende para as relações públicas, que trabalham o marcuseano homem unidimensional. A releitura de “JORNALISMO EMPRESARIAL: Teoria e Prática” mostra-nos a necessidade da comunicação empresarial procurar novas taxonomias e retomar a utopia dos primeiros aberjeanos ligada principalmente a ideia da possibilidade de se fazer jornalismo em contextos difíceis como o do trabalho cada dia mais desumanizado, produção comoditizada de informações e mega déficit de atenção das audiências.
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