Os interesses públicos como meio de expressão dos interesses privados
Um repórter da Bloomberg, maior serviço de informação em tempo real do mundo, comentou certa vez que o que lhe interessa são informações que mexam com o mercado. O subtexto do jornalista foi: “Continue a me subsidiar com conteúdos que influenciem os agentes econômicos”. O mesmo princípio se aplica a assuntos que sejam de relevo público capazes de interferir até em decisões políticas e judiciais. Não por acaso, em dias de Lava Jato e de bilionários embates tributários, grandes bancas de advogados tornaram-se formidáveis fontes dos órgãos de imprensa.
Como comunicadores, cabe-nos dar suporte às redações desde que possamos também promover os pontos de vista das organizações às quais, de fato, devemos prestar contas. Manuel Carlos Chaparro, doutor na Ciência da Comunicação, foi franco ao afirmar que os discursos e as ações de interesses particulares foram compreendidos pela imprensa como parte da cadeia do interesse público. O jornalismo se faz disso. Mas não se pode perder de vista que é preciso balancear a narrativa que leve, sim, uma mensagem corporativa, ao mesmo tempo em que não contenha qualquer traço publicitário – como recomendou Ivy Lee, pioneiro nas relações públicas da era moderna.
Esse equilíbrio é uma frágil linha imaginária. Para torná-la legível, é recomendável que as histórias contenham um conjunto de princípios que harmonizados apresentam resultados milagrosos: veracidade, transparência, novidade, contexto e implicações. De cada uma dessas características saem inúmeras outras ramificações que certificam a importância do assunto, tais como a magnitude, a originalidade, a atratividade e a exclusividade. Sem esses ingredientes, a sugestão de pauta não passa de um agrupamento de palavras de veia narcisista.
Cada uma dessas propriedades enriquece o angu comunicacional. A primeira matéria-prima é a veracidade. Se quisermos construir pontes e não paredes, as informações recolhidas têm que ser reais e verificáveis. O contrário disso é descrédito e ostracismo para o comunicador e para a fonte.
Transparência é outro componente estrutural da sugestão de pauta. É fazer com que os processos de elaboração da mensagem estejam claros para o jornalista que está na redação, pressionado pela chefia para encontrar boas histórias. Resíduos de ambiguidades, simulacros e dissimulações desandam a receita.
A natureza transitória da notícia em tempos de internet sobrevalorizou o atributo do ineditismo. O novo e o atual, embora nem sempre caminhando juntos, são pré-condições para iniciar a conversa nas redações.
Contextualizar, por sua vez, dá sentido e compreensão à história. Apresentar os dados e encadear os fatos em sua completude, sem deixar nada de fora, evitando introduzir elementos estranhos à narrativa, contribui para convencer e tranquilizar o jornalista de que diante dele tem um material com potencial para virar notícia.
Há mais um importante elemento – muito utilizado nos textos das assessorias, mas que não recebe o devido reconhecimento durante a criação do discurso -, que é o poder implicativo do conteúdo para o mercado e para a sociedade. O uso desse recurso deve ser intencional. A história que encerre uma moral, um ensinamento ou seja profética serve como farol para os públicos de interesse. Outra de suas funções é tirar o ranço opinativo que pode ter se imiscuído na mensagem.
Na cozinha do comunicador, esses itens são quase que impositivos. Mas lhes faltam a força da atração. É momento de dar o acabamento, acentuando sabor e cor às histórias. A substância só valerá, por exemplo, se a magnitude da notícia afetar um grupo de pessoas, respeitável pela importância, pelo número ou por ambos. A originalidade é outro ímã, porque dela supõe-se inovação e criatividade. Disponibilizar dados interessantes ou curiosos potencializa o fascínio. Se puder, dê um tratamento especial de cada vez a um jornalista apenas.
A exclusividade é um bem cada vez mais valioso na era digital. Num mundo interconectado em que os conteúdos saturam a audiência, ser único é como proporcionar o raro caviar albino perseguido pelos profissionais da imprensa. Mesmo dentro do mesmo veículo, sabe-se de práticas de canibalismo. Como me sugeriu um então repórter da revista “Época”: “Hoje você me privilegia, depois você dá preferência a outro colega até fechar o círculo. É assim que funciona”. É igualmente o jeito equilibrado de subsidiar os jornalistas com quem rotineiramente estamos em contato sem provocar ciúmes, mágoas ou desavença.
Mas a cereja do bolo da iguaria é seu caráter social, político ou econômico. Como mediadores das interações entre as fontes e a imprensa, os comunicadores têm a obrigação de fazer a curadoria dos discursos de maneira a encontrar o interesse público nos conteúdos propostos às redações. Somos corresponsáveis pela qualidade do noticiário. Essa cooperação, mesmo que estimulada pelo individualismo e corporativismo, cumpre sua função ao manter lubrificadas as engrenagens da mídia, condição imprescindível para conferir credibilidade às narrativas organizacionais veiculadas na imprensa. Tomo emprestada a regra de ouro da teoria do gene egoísta desenvolvida pelo biólogo evolucionista Richard Dawkins, para quem, a fim de que os interesses particulares sejam atendidos, o indivíduo precisa ser altruísta e colaborativo, mesmo que os motivos sejam mesquinhos.
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