22 de agosto de 2016

Legado simbólico da Olimpíada é o Carnaval

Viver o Brasil nunca foi fácil. O cidadão brasileiro enfrenta um cotidiano penoso, no qual a desigualdade predomina sobre a civilidade. Dificilmente ele consegue elaborar um pensamento crítico tanto sobre sua condição como sua “brasilidade”. É o vácuo que os meios de comunicação – em especial a TV Globo – vêm preencher. A mídia assume a presunção de que o espectador a elegeu para tratar de suas urgências de identidade cultural. Ainda está para ser estudado como a televisão brasileira tem construído a narrativa da nacionalidade desde os anos 1960.

Nesse sentido, a cerimônia de encerramento da Olimpíada do Rio, na noite de domingo, 22, reafirma o ideal do país da festa sem distinções sociais ou privilégios. Uma imagem falsa e superficial como qualquer enredo de escola-de-samba.

Não foi por acaso que a carnavalesca Rosa Magalhães assumiu a direção do espetáculo, que resultou em uma colagem de marchinhas e sambas carnavalescos, colorida aqui e ali por vultos mortos da cultura, como Carmen Miranda, Burle Marx e – de novo, sempre –  Tom Jobim – a imagem do “bom gosto” carioca.

Emissoras de rádio e televisão descreveram o evento como um espetáculo em que a fábula da superação assumiu o pódio, com seus heróis pobres e valorosos. Ao se apagar a chama olímpica, sobrou a alegria caótica do carnaval fora de época, acompanhado pela comoção dos apresentadores, que preconizaram a conciliação das classes e o convívio harmonioso das diferenças. A “riqueza do Brasil”, segundo os narradores, reside na diversidade e, por conseguinte, contradiz o lema da nossa Bandeira: ordem e progresso

Mas não se trata de fazer um julgamento estético da cerimônia, e sim de compreender o que ela representa para a construção da imagem cultural do país. Qual o legado cultural da Olimpíada?

A resposta parece ser a seguinte: o legado está nos recortes mal-ajambrados daquilo que imaginamos como representativo no terreno da música e dos folguedos populares. A cultura do Brasil, segundo a narrativa espetacular reinante, não passa de uma bricolagem multicolorida e inconsistente, moldada pelos apresentadores de televisão. Assim, viver o Brasil é um carnaval infinito, em que as muitas Quartas-Feiras de Cinzas estão proibidas de estragar a alegria da população. O espectador foi obrigado a curtir a festa.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luís Antônio Giron

Jornalista e escritor, Doutor em Comunicações e Artes e Mestre em Musicologia pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Trabalhou como editor e repórter especial nas seguintes publicações: Folha de S. Paulo, Veja, O Estado de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Época. Como gerente de Multimídia da Fundação Padre Anchieta, reorganizou o portal cmais. Produziu e redigiu documentários e programas na TV Cultura. Livros publicados: Ensaio de Ponto (romance, Editora 34, 1998), Mário Reis, o fino do samba (biografia, 2001), Até nunca mais por enquanto (contos, Record, 2004), Minoridade crítica: folhetinistas diletantes nos jornais da corte (Edusp/Ediouro, 2004), Teatro de Gonçalves Dias (Martins Fontes, 2005) e Crônicas Reunidas de Gonçalves Dias (Academia Brasileira de Letras, 2013).

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