19 de maio de 2016

A estrela do Snapchat

Patrícia Lima

O momento histórico em que vivemos é caracterizado pela volatilidade e a fluidez. O tempo é efêmero porque experimentamos constantes e velozes mudanças. É um mundo de incertezas, em transformação. É o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman denomina “modernidade líquida”: nada é feito para durar ou para ser “sólido”. Toda a rigidez e todos os referenciais da época anterior, chamada por Bauman de “modernidade sólida”, sai de cena para dar espaço à lógica do instantâneo, das relações frágeis e do imediato.

Os processos de comunicação também estão em constante renovação. Os efeitos da tecnologia transformadora (disruptiva) se multiplicam e alteram as relações, os fluxos de informação, as plataformas e o papel das empresas. O surgimento do Snapchat, em 2012, representa com precisão o conceito de Bauman: a busca pela última novidade que chega em alta velocidade e se vai mais rápido ainda. Com o aplicativo, o efêmero é cronometrado – e dura somente alguns segundos na tela do smartphone.

A rede social, nova obsessão digital do momento, foi criada por Evan Spiegbel, Bobby Murphy e Reggie Brown, estudantes da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. O aplicativo funciona assim: o usuário pode tirar fotos, gravar vídeos, adicionar textos, desenhos e filtros à imagem e escolher o tempo de duração que essa mídia vai ficar disponível para os contatos. O tempo de cada “snap”, de cada flagrante, pode durar de 1 a 10 segundos. Depois de vistos, a imagem ou vídeo são excluídos do dispositivo e também dos servidores imediatamente após sua visualização, no caso do “chat”, ou em 24 horas, no caso do “minha história”. O usuário ainda pode escolher se quer mandar a imagem para um ou mais amigos ou torná-la pública, onde todos os contatos poderão visualizá-la. Como os posts desaparecem para sempre, os usuários podem ser espontâneos, sem medo de deixar um rastro digital. Além disso, como há poucos filtros, os snaps tendem a ser inerentemente mais autênticos.

O CEO do aplicativo, Evan Spiegbel, de 25 anos, gravou um vídeo explicando sua criação. Para ele, o Snapchat representa como o nosso modo de fotografar se transformou. “A fotografia foi sempre usada para salvar momentos realmente importantes da nossa memória, mas, hoje em dia, com câmeras instaladas em nossos celulares, as fotos são usadas para conversar e é por isso que as pessoas têm tirado ‘zilhões’ de fotos diariamente”, afirma. De acordo com Spiegbel, o celular ampliou a ideia de expressão momentânea. “Essa expressão revela nossa identidade, quem somos nós neste exato momento, ela diz que somos o resultado de tudo o que fazemos, mas não necessariamente o acúmulo de todas essas coisas”, afirma.

O aplicativo, que não por acaso é representado por um fantasminha, já ultrapassou os 200 milhões de usuários. Como o conteúdo se autodestrói em pouco tempo, não há preocupação com a qualidade ou a quantidade de imagens publicadas. Por isso, o Snapchat já tem mais fotos compartilhadas que outras redes como o Facebook, o Instagram e o WhatsApp – segundo a pesquisa do site americano Photo World, feita em junho deste ano, a cada segundo, 8.796 fotos são compartilhadas no aplicativo. Isso significa que levaríamos cerca de oito anos para ver todas essas fotos em uma única hora. Somando fotos e vídeos, são 400 milhões de snaps por dia.

A maioria dos usuários tem entre 13 e 25 anos – fatia da geração Y conhecida como “millennials” (milênios) –, e 70% são do sexo feminino. Este perfil demográfico é um dos grandes motivos por trás de seu enorme valor de mercado, avaliado hoje em 15 bilhões de dólares. Apesar de ter apenas 200 milhões de usuários, comparado com 1,4 bilhão do Facebook, é a rede social que mais cresce. Marcas e empresas de mídia costumam querer se conectar com os consumidores de amanhã, e o Snapchat oferece exatamente isso. Uma pesquisa realizada em abril deste ano pelo instituto Pew mostrou que os usuários do Snapchat também tendem a vir de famílias de alta renda.

A popularização do aplicativo já é certa também no Brasil. No ano passado, em entrevista à revista Veja, Spiegbel afirmou que 10% dos smartphones no país já eram assombrados pelo fantasminha.

 

Papo com os “millennials

Com o crescimento exponencial do aplicativo, as corporações começaram a voltar sua atenção para o Snapchat, enxergando nele uma ferramenta poderosa de aproximação com os consumidores jovens. A Taco Bell, rede americana de fast-food, foi uma das primeiras a utilizar o aplicativo. Em maio de 2014, apresentou um novo produto, o Beefy Crunch Burrito, com exclusividade para usuários que seguiam a marca.

Outra empresa pioneira em ações de marketing no aplicativo foi a iogurteria 16 Handles, de Nova York. A marca propôs que, se o cliente enviasse um “snap” provando um de seus iogurtes, eles enviariam em contrapartida um cupom de 16% a 100% de desconto para a próxima compra. Assim, o cliente só poderia abrir a mensagem e descobrir o valor do desconto quando estivesse na frente do caixa. Outras marcas como McDonald’s, HBO, Michael Kors e General Eletric também já se arriscaram por lá.

 

Nos bastidores

 O efêmero sempre fez parte da moda – das coleções que se renovam a cada dois ou três meses às tendências constantemente recicladas e reinventadas. Talvez esse seja o motivo de tantas marcas do ramo já estarem presentes no Snapchat. A catarinense de roupas e acessórios La Bella Mafia, por exemplo, inspirou-se em marcas internacionais que utilizam o aplicativo e adotou a plataforma para aproximar o público dos bastidores de sua máfia.

“Começamos a usar o Snapchat em março deste ano, com a estratégia de aproximar as pessoas do nosso dia a dia”, diz Camila Cover, gerente de marketing. A empresa também utiliza o fantasminha para enviar códigos promocionais para seus seguidores. “Mostramos detalhes do que a gente faz, das editorias de foto, dos eventos, das viagens da equipe e como tudo isso influencia a personalidade da nossa marca, das nossas coleções.” O retorno tem sido positivo, afirma Camila. “Nós temos uma média de 80 mil visualizações por snap. Muitos dos nossos seguidores do Instagram e do Facebook chegam até nós pelo Snapchat.”

Para Camila, fazer ou não um Snapchat corporativo depende do perfil do público. “Nós nos encaixamos porque o público da La Bella Mafia é jovem, conectado e faz compras pelo celular.” É importante ver se sua estratégia se encaixa nesse tipo de comunicação.

 

Marca precisa de perfil?

A primeira semana da novela das sete Totalmente demais, da TV Globo, teve como cenário a Austrália. A escolha do local se deu por conta de uma parceria entre a Rede Globo e a Tourism Australia, órgão responsável por promover a Austrália como destino turístico no Brasil e em outros países. A agência de comunicação Edelman Significa foi escolhida para aumentar a presença digital desta ação.

“Nosso desafio foi ampliar no ambiente digital o interesse dos brasileiros pela Austrália, mesmo depois da primeira semana da novela”, diz Camila Anauate, responsável pelas contas de turismo na Edelman Significa. Durante o planejamento, os especialistas da agência decidiram incluir o Snapchat na estratégia de comunicação, mesmo sem criar um perfil para a marca. “Fizemos parcerias com influenciadores que já comentavam novelas nas redes sociais e que pudessem nos ajudar comentando com seus seguidores sobre as paisagens. Escolhemos os blogueiros Camila Coutinho, Federico Devito e Bianca Muller”, afirma Camila.

Camila Anauate, da Edelman Significa
Camila Anauate, da Edelman Significa

Levando em conta o fato de que os brasileiros têm o costume de manter uma segunda tela, ou seja, assistem à TV conectados às redes sociais, a agência preparou posts no Twitter e Facebook da Tourism Australia relacionados ao cenário de cada cena em tempo real. Mas a parceria com os influenciadores foi uma das estratégias que trouxe melhores resultados. A divulgação por meio desses influenciadores foi feita pelo Twitter, Instagram e Snapchat.

“No Snapchat, foram publicados 3 vídeos durante a exibição da novela, e cada um teve uma média de 45 mil visualizações”, afirma Joel Antunes Silva, estrategista digital da Eldeman. “O resultado foi muito bom para o nosso cliente e superou o impacto do Twitter, que teve um alcance menor.”

Joel Antunes Silva, da Edelman Significa
Joel Antunes Silva, da Edelman Significa

Os influenciadores gravaram cenas da novela e fizeram comentários descontraídos sobre como gostariam de conhecer aqueles cenários. “A abordagem foi feita de uma maneira leve e nos trouxe um novo público. O número de brasileiros cresceu muito nos canais da Tourism Autralia”, diz Joel. Segundo ele, nessas ações é importante tomar cuidado para não deixar o seguidor se sentir incomodado. Por este motivo, a decisão foi de publicar poucos snaps.

Nesta estratégia, Instagram e Facebook serviram para a promover conteúdos mais “estáticos” e aspiracionais, e Snapchat e Twitter funcionaram para comentar o conteúdo em tempo real. “Como optamos por utilizar o Snapchat como segunda tela, nossa ação neste aplicativo foi pontual, apenas na primeira semana da novela.”

“A gente vê um grande potencial nessa nova plataforma, que é jovem e inovadora e tem um tom mais espontâneo. Usar o Snapchat ajuda na humanização das marcas, com perfis mais antenados, mais conectados”, diz Camila. “É importante que as estratégias sejam integradas; um crossover entre as plataformas disponíveis traz resultados melhores.”

 

Lançamentos

A montadora de automóveis Volkswagen também adotou o Snapchat no Brasil e, em julho deste ano, promoveu o lançamento do carro Up! TSI pelo aplicativo. No dia do lançamento, a marca postou cerca de 20 fotos e vídeos em seu perfil. Em entrevista para a edição de número 95 da revista Comunicação Empresarial (CE), que circulou em outubro, Fabio Rabelo, gerente de marketing digital e CRM da companhia declarou que no lançamento foram tirados mais de 2 mil screens das fotos e vídeos do Up! TSI.

A equipe de comunicação percebeu que ainda não havia nenhuma montadora no Brasil usando o Snapchat. “Como vimos o aumento da popularidade entre os jovens, decidimos arriscar para atingir essa audiência”, disse Fabio à CE. Segundo o executivo, como o lançamento de um carro é um evento datado e todas as novidades são divulgadas num único dia, o evento se encaixou perfeitamente com as características do Snapchat.

Para Rabelo, é papel do setor de comunicação antecipar mudanças tecnológicas, como o sucesso de uma nova rede social entre um determinado público. “É preciso estar atento às novidades e a como os clientes estão reagindo a elas”, afirmou. “No caso das redes sociais, é preciso descobrir quais delas são as preferidas dos clientes que a marca quer atingir.” Um erro comum, segundo ele, é criar uma conta numa rede social sem elaborar estratégias.

 

Disrupção que agrega

O Snapchat, enfim, não representa a subversão da comunicação estruturada e planejada do mundo corporativo. Apesar de efêmero e fugaz, ele oferece oportunidades infinitas para ser usado e domado com eficiência pelas empresas. Estas podem melhorar a comunicação e se aproximar dos seus jovens e, possivelmente, de seus futuros consumidores.

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