Encontro promovido pela Aberje e Fundação FHC discute teorias de Adam Smith na contemporaneidade
“Pense por si mesmo, não se apoie em autoridades para entender a realidade, é preciso descobrir as coisas por si mesmo”. A frase dita no século XVIII pelo filósofo escocês Adam Smith, um dos pensadores e economistas mais importantes da história, continua atual. A fim de participar das comemorações dos 300 anos de seu nascimento (1723-1790), a Aberje, em parceria com a Fundação FHC, promoveu mais uma edição do Na Ordem do Dia, com o tema “Por que Adam Smith continua a ser um pensador fundamental para responder a questões do mundo contemporâneo?”. O evento foi realizado no dia 15 de agosto, na sede da fundação, e transmitido via Youtube.
Convidada para falar sobre o assunto, a professora de Economia da Universidade de Trinity (Irlanda) Maria Pia Paganelli, também presidente da International Adam Smith Society, inicia comentando que Smith não é uma figura simbólica daquela época, mas um dos muitos intelectuais do iluminismo escocês. “O círculo de amigos de Smith contava com verdadeiras ‘torres’ intelectuais, os melhores botânicos, astrônomos, matemáticos, teólogos, cirurgiões, um pouco de todas as pessoas do melhor nível eram seus amigos”, conta.
Ordem sobre o caos
Em sua apresentação, ela ressalta que Adam Smith argumentava que o ser humano é uma criatura que ama a ordem e fica desconfortável com a desordem. “Naturalmente, a gente tenta conectar as coisas, de tal maneira que forme algo razoável, ou seja, criamos uma história a partir de eventos desconexos e ficamos felizes com isso”, salienta Maria Pia. “Mas depois observamos que há pontos ‘fora da curva’ então ‘esticamos’ a história para incluirmos esses pontos, até que tudo acaba se quebrando, o que nos força a pensar em uma nova teoria”, completa.
Por meio do método experimental, o cientista explicava a história da astronomia; para a especialista, isso é uma indicação de como o ser humano pensa e desenvolve teorias para tentar explicar a realidade, pois, seguindo o raciocínio de Smith, são as pessoas quem fazem as histórias pois criam cadeias invisíveis formando eventos: “não se deve ser dependente ou confiar em autoridades que lhe digam o que é alguma coisa; é preciso sentir e descobrir por conta própria através da Ciência”.
No século XVIII, figuras intelectuais como Adam Smith, promoviam encontros em clubes para discutir tópicos de áreas diversas como filosofia moral, economia, comércio, exército, retórica, teologia, financeiro, finanças, matemática, astronomia, química, botânica, geologia, física, medicina, arquitetura, mecânica, lógica… “A habilidade de conversar a respeito de diferentes disciplinas está ligado ao método comum de busca de pesquisa que é método científico. O iluminismo escocês e seus pensadores acreditavam que a natureza humana também podia ser descoberta por observação”, ressalta.
Todos são iguais
Ao afirmar que todos são iguais, independente de gênero, lugar de nascimento, cor de pele, território etc., o filósofo argumentava que o que muda é o caráter de cada ser humano; caráter esse formado pela sociedade e ambiente em que vive. “Smith tinha um senso muito forte de homogeneidade humana; para ele todos os indivíduos em todas as culturas têm a mesma natureza e as mudanças de comportamento se dão a partir de variáveis”, acentua a especialista.
Maria Pia finaliza sua fala, ressaltando que o iluminismo escocês, em especial Adam Smith, pode ser visto a partir da ideia do ‘pense por si mesmo, mas não sozinho’. “É o mesmo tipo de raciocínio que a gente pode compartilhar com Smith, porque a gente pensa por conta própria”.
Pensar como Adam Smith
Para comentar alguns pontos da apresentação de Maria Pia Paganelli sobre o contexto intelectual da obra de Adam Smith no iluminismo escocês, a Aberje e a Fundação FHC convidaram o professor Eduardo Giannetti, economista, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de livros importantes sobre o pensamento econômico, entre eles “O Mercado das Crenças” (Companhia das Letras, 2003). A mediação ficou por conta de Leonardo Paes Müller, professor da UFABC e autor de “Imaginação e Moral em Adam Smith” (Alameda Editorial, 2022).
Ao iniciar, Giannetti destaca o contraste entre as Ciências Naturais/Exatas e Ciências Humanas/Filosofia. “Nenhum cientista que se preze vai aprender a sua disciplina estudando os clássicos da física. Dificilmente um físico terá lido Newton, Kepler e Galileu. Ele aprende física e ele faz física lendo papers e estudando o estado da arte na fronteira do conhecimento. No outro extremo, temos a filosofia. Nenhum filósofo que se preze aprende o seu ofício sem passar pelos grandes clássicos da história da filosofia”, lança. “Se a ciência destrói o seu passado, a filosofia vive do seu passado”, completa.
O economista também exalta a qualidade do texto e da pesquisa histórica e institucional presente na obra do pensador. “Além do caráter reflexivo da relação que se estabelece entre leitor e autor, ele nos convida a pensar com ele, a questionar pressupostos, a pensar em implicações, a não afirmar dogmaticamente, mas ponderar prós e contras de diferentes caminhos e todo um exercício que os economistas perderam muito de aproximação entre ética e economia, entre o lado normativo do que deve ser e a observação fria e científica da realidade como ela é”.
Surpresas na obra de Smith
Na ocasião, Gianetti revela uma das ‘surpresas’ encontradas na obra de Smith, o que em sua opinião, é um dos aspectos que o torna um pensador apaixonante. “Ao lermos os capítulos iniciais de “As Riquezas das Nações”, podemos pensar que ele exalta a divisão do trabalho como a melhor conquista feita pelo ser humano na vida prática, pois aumenta a produtividade, cria interdependência e leva a riqueza das nações. Tudo isso é verdade. Só que o autor que persistir e chegar até o livro cinco do livro, vai encontrar o seguinte: o homem cuja vida se consome na execução de poucas operações simples, cujos efeitos também são talvez quase sempre os mesmos, não tem a chance de exercer o seu intelecto ou exercitar sua inventividade na descoberta de expedientes para remover dificuldades que nunca ocorrem. Ele naturalmente perde, portanto, o hábito de tal exercício e em geral se torna tão obtuso e ignorante quanto uma criatura humana pode se tornar. O torpor de sua mente o faz incapaz não só de apreciar conversas racionais e nelas tomar parte mas também de conceder sentimentos generosos, nobres ou ternos e de formar juízos justos com relação até mesmo há muitos deveres comuns na vida privada”.
“Quem esperaria encontrar uma denúncia ou uma crítica dessa ordem depois de toda aquela celebração de ‘A Riqueza das Nações’? Isso aqui ocorre no contexto em que ele acaba defendendo a educação pública, fornecida pelo estado para mitigar os efeitos danosos da divisão do trabalho na formação humana”, destaca Gianetti, depois de ler o trecho da obra de Adam Smith.
Por fim, o economista comenta a principal contribuição científica do pensador escocês: a descoberta da lógica de funcionamento da economia de mercado. “Smith mostra como a economia de mercado é um sistema homeostático regido por feedback negativo. Se alguém merece ser chamado de ‘Newton da teoria econômica’ é Adam Smith. Essa é uma descoberta monumental: toda vez que o preço de mercado se desvia do preço natural, entram em ação espontaneamente forças que reentram no sistema com sinal trocado visando a anular a divergência entre preço de mercado e preço natural. O preço natural funciona como um centro de gravidade ao redor do qual o preço do mercado está sempre orbitando. Muito da teoria econômica desde então foi o refinamento dessa monumental descoberta, de realmente marcar época e constituir um divisor de águas, no entendimento que o ser humano tem desta gramática da convivência na vida prática que não é invenção de um filósofo, mas é resultado da ação humana com uma linguagem natural, que é a economia de mercado. É por isso que a economia rende a Adam Smith o tributo de atribuir a ele a paternidade da Moderna Teoria Econômica”, exalta Gianetti.
Assista à live na íntegra:
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