Certificadas, mas cheias de contradições
Publicado originalmente no O Globo, em 06 de julho de 2023
Em fevereiro deste ano o Brasil ficou estarrecido ante denúncias do uso de “trabalho análogo à escravidão” em algumas das mais tradicionais vinícolas do país. Como numa piada de mau gosto, uma delas ostentava o selo GPTW, sigla que em tradução livre significa “ótimo lugar para trabalhar”, e outra era assinante do Pacto Global da ONU, acordo que exige de seus signatários compromisso com a “eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório”. A contradição aqui é flagrante. Dificilmente a ideia de um “ótimo lugar para trabalhar” combina com relatos de ameaças, surras e privação de liberdade.
Tamanho absurdo nos dá notícia da urgência de reflexão acerca de papel, mecanismos e limites das certificações. Ao conferirem seu reconhecimento a uma empresa, entidades como GPTW terminam por emprestar-lhe sua reputação e confiabilidade. Certificações são, por isso, parte importante do “capital de imagem” de uma empresa, valorizando-a no mercado, determinando seu renome e sua reputação perante a opinião pública. Em teoria, as entidades certificadoras deveriam contribuir para o desenvolvimento de uma cultura empresarial saudável, incentivando boas práticas e fornecendo parâmetros salutares.
Lamentavelmente, a ânsia pela visibilidade positiva produziu um mercado próprio e tem gerado desvios. Combinado à comunicação por redes sociais, esse nicho se tornou um ambiente opaco, onde falta clareza sobre os critérios e processos para concessão dos selos de qualidade.
Em prol da transparência, os mecanismos de avaliação deveriam ser ritualizados e continuamente observados em sua execução por profissionais de notório saber e trajetórias respeitadas. Ademais, tais processos deveriam ser realizados em tempos e espaços singulares. Mais importante ainda, tudo isso deveria ser validado por instituições, e não por empresas que têm nas companhias por elas certificadas seus clientes em potencial. É problemático que organizações certificadoras sejam, ao fim e ao cabo, empresas, muitas delas interessadas em manter boas relações com segmentos econômicos muito além dos certificados.
Medidas como as que sugerimos podem soar draconianas, mas sua implementação é indispensável para salvaguardar o que os emissores de certificados têm de mais caro: sua credibilidade, qualidade sem a qual a própria existência deles deixa de fazer sentido. Afinal, um selo ou certificado é um signo, uma marca que simboliza excelência e compromisso de uma empresa com parâmetros civilizatórios. Seu próprio valor depende, portanto, inteiramente da reputação daquele que o outorga e dos ritos por meio dos quais ele é concedido e revalidado. É deplorável, mas esses aspectos simbólicos e rituais das certificações mais notórias não têm sido resguardados com o devido zelo.
As más notícias que põem em questão as certificações são indícios inquietantes de que estamos diante de um conflito de interesses com consequências graves. Além de minarem a confiança de consumidores e de possíveis investidores, elas minam aspectos importantes para a efetividade da comunicação de empresas e de instituições, depauperando a imagem e a reputação dessas organizações e de seus representantes. Comunicadores e empresas precisam entender que as certificações deveriam ser mais que imagens produzidas para a instantaneidade da espetacularização (principalmente digital). Deveriam ser uma representação que nos faz acreditar que estamos nos relacionando com seres organizacionais honestos movidos pelo melhor do humano.
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