07 de maio de 2024

Abertura do seminário “Diálogos que conectam: A Comunicação na construção do futuro”

Fala realizada no evento de lançamento do Mestrado Profissionalizante em Comunicação Digital e Cultura de Dados, elaborado em parceria entre FGV ECMI, Fundação Itaú e Aberje
Sao paulo - 07.05.2024 - instituto cultural itau - mestrado profissional comunicação digital e cultura de dados Marco Ruediger, Eduardo Saron e Paulo Nassar - fotos Francio de Holanda

Em um hipotético desafio de procurarmos uma metáfora para representarmos com acurácia a sociedade contemporânea, uma montanha de dados desorganizada talvez seja uma boa representação. A percepção dessa desorganização em escala nunca vista passa pelo nosso cotidiano familiar, comunitário, educacional e trabalho, entre outras extensões do social, com afetos profundos em nossa saúde, em nossas relações afetivas, políticas, profissionais e com a natureza. O algoritmo se desvinculou de suas raízes matemáticas e se transformou em uma maneira controversa de olhar o mundo. A expressão algoritmo, o seu processamento e os seus resultados são atualmente decisivas em nossas decisões pessoais, grupais e de consumo. Decisões algorítmicas relacionadas ao amor, à amizade, à nossa mobilidade, à nossa alimentação, à nossa opinião e ao nosso engajamento político, à educação e ao entretenimento. Quem, durante esta manhã, não se utilizou de alguma plataforma de dados, que uniu uma oferta e algum desejo, que passou pelos nossos sentidos: o olfato, a visão, o tato, o paladar e a audição? No final de 2023, segundo o Global Digital Reports, 5,16 bilhões de humanos, com idades entre 16 e 64 anos, dos quais 61,6% são mulheres, usavam globalmente a Internet, por meio de websites e aplicativos, em uma média de 6h37 diárias.

Algorítmicos e Maslow

A amplitude desses números mostram que a nossa decisão cotidiana, da mais simples a mais complexa – aquelas que percorrem toda a conhecida Pirâmide de Abraham Maslow, ou seja as necessidades fisiológicas, as necessidades de segurança, as necessidades sociais, as necessidades de estima e as necessidades autorealização – passam, se expressam ou são dependentes de plataformas, de aplicativos, que tiveram o seu nascedouro no aprazível Vale de Santa Clara, na Califórnia, berço da contracultura norte-americana. Quem durante este final de semana, não postou uma foto sua sorrindo, comemorando alguma coisa, esperando um click de estima vindo de alguém? Do Vale de Santa Clara, ainda nos anos 1940, começou a nascer a tecnologia digital a partir de ajuntamento de gente alternativa, militares e acadêmicos, de universidades ainda inexpressivas como a universidade de Stanford. Uma cooperação interessante, reforçada nos anos 1970, de gente originária do que hoje chamamos de indústria criativa, da indústria de defesa e da indústria de dados. Quase 6 décadas depois, a “sociedade em rede”, denominação de Manoel Castells, se transformou em uma montanha desorganizada de dados, com potencial de desorganizar a nossa subjetividade, a vida familiar, a vida comunitária, as sociedades, pelos seus danos nos diálogos, que são as narrativas baseadas na razão. Diante dessa ameaça civilizacional, o que podemos fazer?

As máquinas de lingeries de Ned Ludd e outros demônios

Cada época tem os seus demônios. Em 1779, Ned Ludd destruiu duas máquinas de costurar lingeries que ameaçavam empregos em tecelagens da Inglaterra; Por volta de 1870, quando a máquina de escrever foi inventada e massificada, manifestos foram escritos contabilizando o número de escribas que ficariam desempregados por cada máquina instalada nos escritórios e cartórios. W.H. Auden, em um de seus mais conhecidos poemas, amaldiçoou os motores. Auden bradou: “Terrível aquele dia quando Diesel/Concebeu a engenhoca cruel que/ Te engendrou, torpe invenção, mais perversa, mais criminosa/ que a própria câmera/Monstruosidade metálica/ Fardo e ruína de nossa cultura/Sofrimento capital de nossa comunidade”. Este é um poema que poderia abrir manifestos a favor da causa da transição energética. Contemporaneamente, estamos procurando nas nuvens digitais, nos data centers, os robôs que de forma potencial estão ameaçando destruir os nossos empregos e as formas de convivência, de comensalidade, de comunicar, de se relacionar, de habitar, de gozar, de desfrutar; No campo da comunicação, os robôs, diante da montanha de informações, “algoritmizam” e decidem por nós, hierarquizando, interpretando e opinando sobre os fatos do mundo. Robôs podem substituir a comunicação humana?

Fiz esta pergunta ao ChatGPT, às 15h15, em 06 de maio de 2024, vejam o que “ele” respondeu-me:

“Robôs têm o potencial de desempenhar um papel significativo na comunicação humana, especialmente em certos contextos e tarefas específicas. No entanto, substituir completamente a comunicação humana é uma perspectiva complexa e multifacetada.

Por um lado, os avanços na inteligência artificial e na tecnologia de processamento de linguagem natural permitiram o desenvolvimento de chatbots e assistentes virtuais que podem interagir de forma bastante sofisticada com os humanos. Esses sistemas são capazes de compreender perguntas, fornecer informações, realizar transações e até mesmo simular conversas naturais em certa medida.

No entanto, a comunicação humana é profundamente enraizada em aspectos emocionais, sociais e culturais que são difíceis de replicar por máquinas. A empatia, a compreensão de nuances emocionais, a leitura de expressões faciais e linguagem corporal, a adaptação à dinâmica de uma conversa são habilidades que ainda desafiam os sistemas de IA.

Além disso, a comunicação humana vai além da simples troca de informações. Envolve conexão emocional, construção de relacionamentos, transmissão de valores e identidade cultural. Esses aspectos da comunicação humana são profundamente enraizados na nossa natureza biológica e social, tornando-os muito desafiadores de replicar em sistemas artificiais.

Portanto, enquanto os robôs podem desempenhar papeis importantes na comunicação humana, especialmente em áreas como atendimento ao cliente, suporte técnico, e educação, a substituição completa da comunicação humana ainda parece improvável no futuro próximo. Em vez disso, é mais provável que vejamos uma complementaridade entre a comunicação humana e a comunicação mediada por tecnologia, com cada uma desempenhando papéis distintos e complementares.”

Nós humanos assim esperamos que os robôs continuem sendo benéficas e pacíficas extensões humanas. 

Para finalizar esta fala de abertura deste Seminário, espero que o Mestrado Profissional em Comunicação Digital e Cultura, pensado principalmente para os profissionais do Terceiro Setor, com certeza, será uma jornada de descoberta, que explorará as interseções entre comunicação, educação, tecnologia, sociedade e ativismo cívico, buscando compreender e moldar o futuro que estamos construindo juntos. Um futuro humanista que procurará aproximar, cada vez mais cientistas de narrativas, cientistas da cultura e da educação e cientistas de dados, pessoas que vêm construindo nas últimas décadas a Fundação Itaú, a FGV e a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, a ABERJE.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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