23 de agosto de 2019

Novo CCO Global da FCA foca em reputação corporativa

Em entrevista exclusiva à Aberje, Niel Golightly afirma que, com as áreas de Relações Públicas, Marketing e Comunicação já bem estabelecidos dentro da companhia, atuará fortemente para reforçar os valores da FCA.

Niel Golightly

A Aberje esteve presente da inauguração do maior estúdio de design automotivo da América Latina, o Design Center Latam da Fiat Chrysler Automobiles (FCA), em Betim (MG), aberto ao público no dia 15/8, junto com a mostra Beleza em Movimento – Ícones do Design Italiano, que apresenta mais de 100 peças, entre automóveis, obras de arte e objetos em geral, além de instalações multimídia, que que fazem referência à tecnologia, futurismo e o neorrealismo.

Na ocasião, o diretor geral da Aberje, Hamilton dos Santos, conversou com o CCO Global da FCA, Niel Golightly, executivo que assumiu a posição em dezembro de 2018 em meio às mudanças promovidas pelo novo CEO da companhia, Mike Manley – até então, a empresa não possuía esse cargo.

Golightly tem uma trajetória atípica na área de comunicação. Começou na Marinha americana como piloto de caças e depois assumiu a função de speechwriter do general Colin Powell no Pentágono. Foi sua estreia na comunicação. Da área pública, migrou para a iniciativa privada e, antes de assumir a liderança na FCA, foi vice-presidente de Relações Exteriores da Shell.

Considerado um outsider na indústria automobilística, o executivo falou sobre o papel da comunicação na estratégia global da montadora, liderança, ativismo e reputação.

Niel Golightly, Fernão Silveira e Hamilton dos Santos

Vivemos uma época marcada pelo ativismo, com questionamentos em relação ao futuro da mobilidade. Quais são os seus principais desafios como CCO Global da FCA?

Niel Golighlty: Em primeiro lugar, eu chamo isso de oportunidade, não desafio. Antes de tudo, a FCA construiu uma plataforma muito forte de marcas individuais nos últimos oito a dez anos. É um ótimo trabalho quando se pensa em um portfólio único de marcas. Temos Fiat, Alfa, Dodge, Jeep, Maserati.

Agora a oportunidade está em construir, em cima desse portfólio, uma presença corporativa, uma reputação corporativa que adicione valor às marcas individuais, ao mesmo tempo em que as marcas individuais possam criar valor para essa presença corporativa. Note que eu não estou usando o termo marca corporativa, porque a FCA não é considerada uma marca no sentido de vender algo para os consumidores da mesma forma que vendemos, por exemplo, Dodges, Fiats ou Jeeps. Mas nós sabemos que a FCA é uma entidade corporativa, com um conjunto de valores, de princípios, com ações muito específicas quando se trata de investimentos e de suas políticas. Tudo isso importa. Ter uma visão muito cuidadosa e abrangente do que deve ser essa reputação corporativa é algo que deve ser de responsabilidade do CCO, do Diretor de Comunicações e de suas respectivas equipes de comunicação.

Acredito que essa oportunidade é importante de duas maneiras diferentes. A primeira é que os consumidores que conhecemos estão prestando cada vez mais atenção aos valores que estão por trás da marca que compram. Então, não é um café, uma calça jeans ou um carro que as pessoas compram, cada vez mais, elas querem saber qual é a empresa que está por trás daquela marca, o que ela representa e valoriza. Portanto, ajudar a articular os valores da FCA, de certa forma, e ver como eles respondem aos clientes ou marcas, é uma das oportunidades que vejo.

Isso significa que, embora a FCA continue sendo uma corporação global, ela respeitará cada vez mais as culturas locais onde atua?

NG: Em parte é isso. Esse é um ponto importante também do qual falarei em seguida. O que descrevi foi o conjunto de expectativas que não apenas os clientes, mas também os stakeholders, têm sobre o papel da corporação. Acho que estamos vendo isso se desenvolver cada vez mais, já que temos desafios crescentes em temas como clima, meio ambiente, desigualdade de renda, diversidade, a água. São desafios enormes, que estão cada vez mais além da capacidade de resolução de governos individuais. Portanto, estamos vendo a necessidade de as instituições se unirem para desempenhar um papel na solução de algumas dessas grandes questões. Acho que a indústria – seja o setor automobilístico ou de energia, no qual atuei até recentemente, ou qualquer outro setor – traz ferramentas para resolver alguns desses desafios, juntamente com aquelas inerentes aos governos e que são absolutamente centrais nas soluções. Assim, as corporações desempenham cada vez mais esse papel, acima das marcas individuais.

Agora, o ponto que você mencionou também é importante – e isso para mim é especialmente fascinante, já que, como você sabe, eu trabalhava no setor automobilístico 15 anos atrás e estou de volta agora. Muitas coisas não mudaram, mas uma das coisas que mudou foi esse movimento pendular da preocupação, quase uma obsessão, com a globalização. Quinze anos atrás, a ideia é que as empresas precisavam ser globalmente homogêneas em todas as regiões do mundo, com plataformas, produtos e sistemas comuns. Uma parte desse pensamento ainda é relevante, mas estamos começando a perceber agora que regiões e mercados individuais estão evoluindo de maneiras diferentes, com diferentes preferências do consumidor, diferentes políticas em ambientes regulatórios, diferentes expectativas dos públicos e da sociedade. Portanto, embora alguns aspectos da gestão de uma montadora global possam ser globais – e devem ser globalizados em economias de escala –, há também um entendimento mais profundo de que o Brasil requer um conjunto diferente de produtos, uma abordagem diferente do mercado, do que, por exemplo, a China, a Alemanha, o Canadá ou os EUA.

Creio que, no seu trabalho, a gestão da reputação está no centro de toda a área de comunicação, certo?

NG: Totalmente. Isso levou a certa alteração na cultura dentro da FCA – prefiro não chamar de mudança de cultura. Porque, nos últimos 10 anos, a FCA vem passando por um período de recuperação de quase falência de duas empresas que se uniram e então recuperam sua força financeira – e com muito sucesso, devo acrescentar. O foco estava muito centrado na marca, na venda de produtos, na venda de carro de fato. Portanto, a função da comunicação era, em muitos casos, um braço de marketing que impulsionava o RP para as marcas. Isso ainda é muito importante, faz parte do que fazemos, mas a questão da reputação corporativa agora se sobrepõe a isso. Para mim, já que trabalho com uma equipe que sabe fazer o RP, o marketing e esse lado da comunicação, o foco é mais forte na reputação corporativa.

As empresas estão enfrentando a questão do ativismo e da polarização da sociedade. Existe alguma possibilidade de colaboração no setor automotivo, em um momento em que o carro é tão criticado?

NG: Acho que a pergunta tem que ser respondida de pelo menos duas maneiras diferentes. A primeira é que, quando se trata de padrões, políticas, questões regulatórias e até mesmo certos tipos de novas tecnologias e infraestrutura, o setor é mais eficaz quando trabalha em colaboração, quando empresas colaboram umas com as outras. Por algumas razões, uma é que a voz do setor é mais poderosa, mais eficaz, por assim dizer. Mas o mais importante é que há muitas questões que precisam ser resolvidas sobre os padrões – parecido com aquela controvérsia VHS versus Beta na década de 1980. É assim quando analisamos aspectos como o desenvolvimento de infraestrutura para abastecer veículos elétricos, ou seja, para carregar os veículos do futuro. Como será isso? Como será o receptáculo? Através da troca de baterias, ou serão postos de recarga? Todo mundo vai carregar seus carros em casa? Como será o plug do carro? Certos padrões precisam ser feitos em comum acordo em todo o setor. Portanto, essa colaboração é valorosa. Mas também há um valor enorme na competição pela melhor ideia. Não apenas porque isso é exigido legalmente – por uma boa razão, a concorrência é legalmente necessária –, mas também porque há o valor de quem apresenta a melhor ideia, quem vai encontrar a melhor solução para os carros elétricos. Ou talvez sejam carros movidos a hidrogênio, não elétricos. Talvez seja alguma outra tecnologia. Portanto, o papel da competição, com cada empresa tentando descobrir qual é o melhor caminho, é o lado bom do capitalismo, construído por tantos anos e que assim permanecerá. Portanto, existem duas dinâmicas diferentes em jogo.

Fernão Silveira, Niel Golightly e Peter Fassbender

Assista à entrevista na íntegra:

https://youtu.be/UDaoAmFQPBc
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