Por que a regulamentação do lobby incomoda tanto?

A transparência ameaça quem sempre se beneficiou da penumbra institucional
A discussão sobre a legalização da atividade de lobby no Brasil se arrasta há décadas. E, nesse longo percurso, há uma explicação simples — e incômoda — para a inércia do Legislativo: o tema confronta a força de interesses não republicanos, aqueles que preferem operar na penumbra das instituições, distantes da luz da transparência.
O Brasil, país das mediações informais, ainda não resolveu como lidar publicamente com a representação legítima de interesses. O lobby existe e sempre existiu. Está presente nas relações entre empresas e governo, sindicatos e Estado, movimentos sociais e poder público. O problema não é sua existência, mas o modo como é praticado.
Em uma sociedade historicamente marcada pela confusão entre o público e o privado, o lobby foi reduzido à imagem do tráfico de influência. Essa distorção impediu o país de construir um ambiente institucional capaz de transformar o lobby em um instrumento legítimo de pluralização democrática.
O tabu da transparência
A resistência à regulamentação não é jurídica, é simbólica. Há quem tema que a luz do dia exponha práticas que sobrevivem justamente na ausência de regras claras. A legalização do lobby não aumentaria a influência dos poderosos; ao contrário, daria voz e visibilidade a atores que hoje não têm acesso às mesas de decisão: organizações sociais, associações profissionais, movimentos ambientais e comunitários.
Regular o lobby é democratizar a escuta institucional, não restringi-la. O que se teme, portanto, não é o lobby. É a transparência.
Enquanto países como Estados Unidos, Canadá e membros da União Europeia aperfeiçoam seus modelos de registro público e accountability, o Brasil insiste em permanecer num limbo ético. A cada escândalo de corrupção, ressurge o moralismo: “É preciso acabar com o lobby!”. Mas a verdade é outra: o lobby não se extingue, apenas muda de lugar. E, nas sombras, ele se torna mais perigoso.
De prática oculta a instrumento democrático
Legalizar o lobby é trazer para o espaço público algo que já ocorre cotidianamente. É reconhecer que os interesses são parte legítima do processo democrático, desde que apresentados com ética, técnica e transparência.
A representação de interesses é, afinal, uma linguagem e, como toda linguagem, precisa ser compreendida pela sociedade. Por isso, a regulamentação não deve ser um ato cartorial, restrito a advogados e juristas, mas uma construção multidisciplinar que envolva o direito, a comunicação, as relações governamentais e a pedagogia da transparência.
Desde os anos 1980, a Aberje vem cumprindo um papel pioneiro nesse debate. Publicou livros, realizou seminários e formou gerações de comunicadores conscientes da importância da transparência nas relações público-privadas. Um marco dessa trajetória é o livro “Lobby: O que é. Como se faz”, de Said Farhat, que propôs uma visão ética e técnica da atividade.
Em 1995, abordei o tema no livro “O que é Comunicação Empresarial” (Coleção Primeiros Passos, Editora Brasiliense), defendendo o lobby como elemento essencial da democracia moderna.
Hoje, a questão reaparece sob uma nova moldura: a da governança. A tríade “governança, compliance e integridade” transformou a relação entre empresas e Estado. Investidores, especialmente os internacionais, exigem práticas éticas e auditáveis. O mercado cobra legitimidade tanto quanto o cidadão. Nesse novo ambiente, o lobby profissional e transparente deixa de ser tabu e passa a ser requisito de reputação.
O problema é cultural
O grande obstáculo à regulamentação do lobby no Brasil não está nas leis, mas nos costumes. A cultura do “jeitinho”, que é, em essência, a arte de contornar regras, se choca frontalmente com a cultura do compliance.
Há grupos políticos, econômicos e sindicais que ainda se beneficiam da informalidade e da opacidade. Para esses atores, a regulamentação representa o fim de um privilégio: o de negociar sem prestar contas.
Mas o mundo está mudando. As novas gerações de comunicadores e gestores públicos já compreendem que transparência não é custo, é ativo reputacional. Em breve, o que parecerá estranho não será o lobby regulamentado, será o lobby sem regras, o lobby praticado nas sombras.
Um avanço civilizatório
Regular o lobby é, antes de tudo, um avanço civilizatório. É reconhecer que toda sociedade é um mosaico de interesses, e que o papel das instituições é mediar esses interesses com ética, clareza e escuta.
É um tema que ultrapassa o campo jurídico: envolve comunicação, cidadania, narrativa e legitimidade. O que se propõe não é apenas a regulamentação de uma atividade, mas a elevação do debate público brasileiro.
O lobby é a expressão organizada da pluralidade social. Trazer essa expressão para a luz é fortalecer a democracia — e incomodar quem, há muito tempo, se acostumou à penumbra do poder.
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