O Palimpsesto da Aldeia Global: McLuhan Hoje

Palestra proferida no Congresso Mega Brasil, em 28 de agosto de 2025.
Marshall McLuhan, filósofo e professor canadense, antecipou e divulgou de maneira surpreendente a ideia de um mundo interconectado por tecnologias de informação e comunicação. Quase cinquenta anos após suas obras paradigmáticas — Understanding Media: The Extensions of Man, The Gutenberg Galaxy, Culture is Our Business, The Medium is Massage, suas provocações seguem atuais.
Quando escreveu que os meios são extensões do humano, parecia tautologia. Mas não era: McLuhan viu primeiro, afirmou primeiro e analisou os efeitos das traquitanas que moldaram o digital e a inteligência artificial. Um de seus aforismos mais instigantes ecoa hoje em meio às ansiedades sobre automação: “Quando os computadores aprenderem a fazer seu serviço, o que você vai fazer?”
Tom Wolfe captou a magnitude de seu pensamento: “Na virada do século XIX e nas primeiras décadas do XX, havia Darwin na biologia, Marx na política, Einstein na física e Freud na psicologia. Desde então o impacto de McLuhan nos estudos de comunicação é estelar.” Não é pouca coisa. McLuhan fez a Escola de Frankfurt “comer poeira”, embora Walter Benjamin, monumental e mítico, permaneça como exceção luminosa.
Camadas e inspirações
As ideias de McLuhan nasceram de um palimpsesto de influências. Do jesuíta Pierre Teilhard de Chardin herdou a noção de noosfera, uma camada pensante sobre a biosfera. De Harold Innis extraiu a matriz dos meios “quentes” e “frios”, e seus impactos sociais. De poetas e escritores como Ezra Pound, T. S. Eliot, Yeats, Joyce e Chesterton bebeu para pensar a cultura de massa com ousadia estética. Seus aforismos desestabilizam o senso comum: “Itália renascentista? Como Hollywood, uma montagem de cenários da antiguidade”; “Futebol? Substituirá o beisebol porque não tem posições fixas, é descentralizado e coletivo, qualidades da era eletrônica”; “Hitler? Sua demagogia era ideal para o rádio. Se houvesse televisão massiva, teria desaparecido rapidamente.”
No projeto gráfico arrojado de The Medium is Massage, feito com Quentin Fiore, McLuhan mesclou frases e imagens de Bob Dylan, John Cage e Marilyn Monroe, mostrando que pensamento, estética e design podiam compor um único gesto comunicacional.
Do excesso de dados ao déficit de sentido
Ao lado dessa visão expandida da comunicação, vivemos hoje aquilo que Orrin E. Klapp descreveu como uma avalanche de informações: obesidade informacional e déficit de significado. O comunicador contemporâneo lida com dashboards, métricas e zettabytes de dados — a humanidade produziu 44 zettabytes de dados em 2020, quarenta vezes mais que o número de estrelas observáveis no universo —, mas carece de sentido. Claude Shannon já falava em entropia como ruído da informação; Norbert Wiener lembrava que comunicação é resistência ao caos.
É nesse cenário que McLuhan segue profético: a catatonia e a alucinação provocadas pela saturação de estímulos midiáticos tornam-se sintomas da sociedade digital. Paul Ricoeur já advertira: texto sem contexto é presentismo. A avalanche de dados rouba a espessura temporal e cultural das narrativas.
Palimpsesto da narrativa
Aqui a metáfora do palimpsesto se faz crucial. Narrativas são camadas de memória e experiência que permanecem sob a superfície do presente, mesmo quando recobertas por novas mídias. Raspar o agora revela, a oralidade da aldeia de um tempo sem a escrita, estradas romanas, tipografias de Gutenberg, ondas de rádio, fibras ópticas, satélites e, hoje, algoritmos. A o processo narrativo é a ciência de escavar esses sedimentos e religar sentidos.
Na experiência cotidiana, o smartphone tornou-se o “totem de nosso tempo”, como diria McLuhan, um espelho narcísico que amplia e entorpece. Mas também é nele que habitam as novas praças digitais, os rituais organizacionais, os afetos plurissensoriais. A narrativa viva nasce do encontro entre técnica e memória, entre o cheiro de um lugar, o som de uma campanha e o clique de uma tela.
Aforismos como bússola
Encerramos este palimpsesto com aforismos que funcionam como bússolas na aldeia global:
- “A sandália é mídia: prolonga o corpo e inventa o caminho.”
- “O comércio é narrativa: toda mercadoria carrega histórias.”
- “Línguas são meios: dissolvem fronteiras mais do que exércitos.”
- “O clique é a nova caravela.”
Penso que McLuhan não apenas descreveu o presente: mostrou como cada meio prolonga o humano e redesenha nossa aldeia conflituosa e repleta de fofocas. Cabe a nós, comunicadores e cidadãos, decidir se essa aldeia será espaço de ruído ou de sentido, de entropia ou de narrativas vivas.
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