Empresas na vanguarda do pluralismo
*Publicado originalmente no jornal O Globo, em 11 de maio de 2022
Se nos últimos anos o mundo testemunhou um inquietante avanço da intolerância, sobretudo no domínio da política, com as empresas felizmente parece estar em curso algo bastante diferente. A julgarmos por declarações recentes de Kenneth Frazier, um dos mais influentes executivos negros do mundo, o ambiente empresarial atual pode ser uma das últimas trincheiras da pluralidade de posições, interesses e opiniões dos diversos grupos sociais.
No último Page Spring Seminar, o atual diretor executivo da Merck disparou, sem meias palavras, que “os negócios são o último lugar em que pessoas não podem escolher se relacionar apenas com pessoas iguais a elas, que acreditam no mesmo que elas”.
Em suma, o ambiente corporativo, em tendência contrária a que se observa ao político, tem se tornado cada vez mais progressista, refletindo positivamente a incontornável pluralidade que atravessa qualquer sociedade moderna.
De fato, parece certo que as grandes corporações têm buscado ampliar a diversidade dos perfis de seus colaboradores, bem como se manter abertas a ouvir os mais diferentes setores da sociedade. Tal movimento modernizante é observável, vale ressaltar, não só em grandes companhias internacionais, mas também em importantes empresas brasileiras que vêm adotando estratégias de inclusão em suas contratações, na formação de equipes plurais e na comunicação com públicos cada vez mais diversos e complexos. Tudo isso tem contribuído para qualificar o ambiente empresarial como locus de diálogo e pluralidade.
Embora haja cada vez mais demonstrações de que esse tipo de ação vem acompanhado pela tomada de consciência de que o mundo dos negócios tem um papel social a cumprir, não se pode supor que tais políticas se devam a uma quimérica inclinação altruísta das corporações.
Falando claramente, as práticas de diversidade e inclusão (D&I) nas organizações, o compromisso com a sustentabilidade dos processos produtivos, e a preocupação com a formação de consensos parecem ser consequências da busca pelo sucesso. Como já percebia Montesquieu, em O espírito das leis, o comércio tem, na maioria das vezes, o efeito não planejado de tornar os homens menos propensos ao conflito e mais inclinados à tolerância. Mais que isso, podemos acrescentar, a experiência mostra que a abertura à diversidade é vantajosa a uma empresa.
Não faltam estudos para corroborar essa percepção. Conforme indica a série histórica da Diversity Matters, pesquisa realizada anualmente pela McKinsey & Company, um ambiente corporativo diverso traz maior potencial para inovação e produz um expressivo aumento da retenção de talentos.
É bem verdade que, mesmo assim, estamos longe de atingir os níveis de paridade e igualdade de condições e oportunidades que seria desejável numa sociedade democrática e moderna. Não somente ainda há companhias resistentes a esse processo de modernização como, naquelas onde ele já começou, é imprescindível cultivá-lo e ampliá-lo, sobretudo quando se trata da contratação – principalmente nos cargos de alto escalão – de pessoas identificadas a minorias.
Seja como for, num mundo cada vez mais marcado pela formação de bolhas – onde imperam a uniformidade artificial de visões de mundo, a aversão completa à divergência e a recusa total ao diálogo –, empresas têm dado mostras de um mais do que louvável espírito de tolerância e abertura. Nesse contexto é urgente que essas organizações forneçam, cada vez mais, um contraponto civilizador ao radicalismo e à intolerância que têm se propagado sobretudo nas redes sociais, com o auxílio de robôs e algoritmos e, lamentavelmente, muitas vezes, com o beneplácito de algumas lideranças do mundo político.
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