Do operário analfabeto ao operário leitor

“Antes de aprender a ler o jornal, o operário aprendeu a ler o mundo da fábrica.”
O Brasil que aprendeu a falar com as máquinas
No fim dos anos 1950 e início dos 1960, o Brasil sonhava em velocidade de 100 km/h. O presidente Juscelino Kubitschek prometia “cinquenta anos em cinco”, e o país via nascer a indústria automobilística, a construção de Brasília, a Bossa Nova, o Cinema Novo e uma nova classe de trabalhadores: o operário urbano, filho da migração do campo, muitas vezes analfabeto, mas sedento de modernidade. Um desafio e tanto. Nesse período da história brasileira, 12 milhões de brasileiros migraram principalmente para o Sudeste. Isso significou um movimento sofrido de aproximadamente 12% de nossa população. O que poucos percebem é que, junto com as máquinas e os manuais importados, chegou também a necessidade da palavra. A fábrica moderna exigia que o trabalhador soubesse ler instruções, entender normas, assinar documentos, escrever relatórios. A alfabetização, nesse contexto, tornou-se requisito industrial — e também gesto civilizatório.
A comunicação empresarial como escola do trabalho moderno
Foi nesse ambiente que nasceu, em 1967, a Aberje — Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresa. Seu nome original já revelava a missão: transformar o boletim interno em instrumento pedagógico, o jornal e a revista de fábrica em pontes entre o trabalho manual e o universo simbólico da escrita. Esses meios — boletins, murais, revistas corporativas — educavam enquanto informavam. Eles ensinavam o vocabulário da indústria, explicavam conceitos de segurança, higiene, produtividade, e, ao mesmo tempo, traduziam a empresa para o operário e o operário para a empresa. Eram, portanto, dispositivos de mediação cultural e social: a escrita como tradução da máquina.
Comunicação e civilização: o ethos Aberjeano
No contexto dos comunicadores fundadores da Aberje, cada boletim era, em essência, uma aula de cidadania e de pertencimento. A Notícias Pirelli transformava o cabo de energia em metáfora de conexão humana. A revista Panorama GM trazia reportagens sobre família, lazer e cultura, um espelho do novo Brasil urbano que emergia nos subúrbios industriais. A Volkswagen, a Mercedes-Benz, a Willys, a Rhodia e a Johnson & Johnson, a Goodyear, criaram publicações internas com linguagem simples, repleta de fotografias e ilustrações didáticas. O texto corporativo era uma ferramenta de humanização. Ler a revista da fábrica era também aprender a se ver como parte de algo maior, uma comunidade de produção, um coletivo simbólico.
A Aberje entendeu cedo que a comunicação empresarial era, antes de tudo, um projeto civilizatório. Sua bandeira, transformar o operário analfabeto em operário leitor, ia muito além da retórica empresarial. Era uma visão de Brasil: fazer da palavra um meio de integração, modernização e dignidade. As revistas de fábrica deram lugar às intranets, vídeos e portais digitais, mas o propósito continua o mesmo: formar leitores do mundo organizacional, pessoas capazes de compreender não só o que fazem, mas por que fazem. Nos comunicadores sabemos que comunicação sem sentido e sem significado é apenas dado.
As publicações internas como literatura do cotidiano
Essas revistas e boletins eram, de certo modo, a literatura do trabalho. Elas criavam heróis anônimos, exaltavam conquistas produtivas, narravam histórias de superação e pertencimento. O trabalhador, ao se ver impresso, na capa, na foto, no depoimento, tornava- se personagem e leitor da própria história. Era o início de uma nova identidade: o operário leitor, figura central na cultura da comunicação empresarial brasileira. Quem lê, compreende o próprio papel na engrenagem; quem lê, fala; quem lê, participa. O leitor que a fábrica construiu.
A alfabetização promovida pela comunicação empresarial extrapolou os muros da fábrica. Ela começou a formar cidadãos. Ao ensinar o operário a decifrar o boletim, a empresa ensinava, indiretamente, a ler o mundo, dentro da assimétrica relação capital e trabalho, a interpretar o jornal, a entender a cidade, a participar do sindicato, da comunidade, a votar. A Aberje transformou essa pedagogia industrial em filosofia institucional: comunicar é educar, educar é integrar, integrar é civilizar.
Se hoje falamos em propósito, reputação e engajamento, é porque muitos comunicadores, nos anos 1950 e 1960, entenderam que a palavra podia mover máquinas. A comunicação empresarial brasileira, com suas revistas mimeografadas, seus textos simples e suas fotos de linha de produção, foi a primeira universidade do trabalhador urbano. Como escreveu Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra.” Naquela fábrica, o operário aprendeu a ler e, lendo, aprendeu a existir.
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