Diversidade de perspectivas
“Sou um amante da verdade, um adorador da liberdade, um folião no altar da linguagem da pureza e da tolerância”. Stephen Fry
Se você ama as palavras e seu poder de expandir consciências, e se transformou este interesse em ofício de comunicador, talvez se sinta confinado em um estranho paradoxo. Nunca tivemos tantas plataformas e formatos de comunicação. Nunca fomos menos dispostos a dialogar. Nunca nos engajamos em tantas políticas, programas e debates sobre diversidade e inclusão, simultaneamente, nunca fomos tão excludentes em nome da inclusão.
Sentimos uma fadiga coletiva em relação ao que se convencionou chamar de “polarização” e, ao mesmo tempo, relutamos em nos reconhecer como agentes de algum dos polos. Há uma exaustão do ativismo de slogans, do pensamento maniqueísta, da ausência de nuances, da penúria retórica, da intolerância em nome da tolerância, da etiqueta arbitrária que transmuta o sentido das palavras apenas para punir e reprimir o questionamento sincero e as discordâncias legítimas. No mundo sem nuances, não se toca de ouvido, não se dança sem coreografia. A espontaneidade e o livre questionamento são duramente moralizados e punidos. A palavra, despida de seu poder emancipador e integrador, foi transformada em artilharia de um moralismo que separa o “nós” dos “outros”, os bons dos maus, os justiceiros dos infiéis. Como se a falsidade e a boa-fé, a ignorância e a erudição, a insensibilidade e a compaixão, a injustiça e a justiça não habitassem cada um de nós, membros da espécie humana.
É hora de resgatarmos uma sabedoria que nunca deveríamos ter perdido: o diálogo construtivo, o respeito à diversidade de perspectivas, a arte da retórica, a abertura ao questionamento e a discordância respeitosa. Para tanto, trago aqui um compilado de dicas práticas com base em dois repositórios de conteúdo comprometidos com a construção de pontes, por meio do diálogo construtivo: 1) o livro ferramenta ‘Construindo Pontes, Derrubando Muros’, publicado pelo Papo de Homem e Instituto Avon; 2) Heterodox Academy.
Antes de prosseguirmos, vale lembrar que há limites para a tolerância e que, nem sempre, estamos preparados emocionalmente ou motivados para o exercício da comunicação. Reconhecer esta predisposição de antemão já é um passo na direção de exercermos a empatia e o respeito, a começar de nós mesmos. Mas uma vez reconhecidas as motivações e a predisposição, um diálogo engrandecedor pode ser construído com o desenvolvimento de competências, cuja prática pode ser árdua no começo, mas fascinante com a prática:
A começar com a escuta sem julgamento, tendo escolhido um momento, um local e um meio favorável à conversa, ouça seu interlocutor sem interrompê-lo, com genuína curiosidade. Evite julgá-lo e sim compreender qual o relato, o argumento ou a perspectiva em questão, por que o tema é tão importante, quais as perspectivas subjacentes e como elas podem fazer sentido. É preciso não esquecer de que os seres humanos não são problemas a serem resolvidos, mas mistérios a serem explorados.
Proponha sua perspectiva com base em evidências, reconhecendo a diferença entre perspectiva com base em evidências e meras opiniões, articulando com base em dados, com a devida citação de referências, prática consagrada na academia e na ciência cujo valor resiste ao teste do tempo.
Aqui entra a validação intelectual em que a diversidade de concepções não é incompatível com o rigor intelectual. Pelo contrário, conhecer, validar e valorizar os argumentos da outra pessoa é o primeiro passo para definir com clareza o que está em questão. Idealmente, antes de apresentar a nossa posição, deveríamos ser capazes de articular a posição contrária em termos aceitáveis para o seu proponente, reconhecendo, inclusive, a validade e os limites da convergência de visões. Não precisamos concordar com tudo o que o nosso interlocutor diz para reconhecer que alguns pontos ou afirmações são perfeitamente válidas. Assim, evitamos ruídos desnecessários e trazemos clareza ao diálogo.
Há que se ter uma predisposição genuína, afinal uma conversa verdadeira pressupõe que os interlocutores estejam predispostos a aprender algo, com humildade e boa-fé. Se você acha que sabe tudo que há para saber e nada tem a aprender, talvez seja melhor que gaste tempo com um discurso em frente ao espelho. Importante: tenha coragem para dizer que não sabe. Não é sobre ganhar ou perder, é sobre, juntos, nos aproximarmos de um conhecimento mais amplo.
O ganho está na construção, pois o diálogo é fascinante exatamente porque nos permite transcender as nossas limitações a partir da consideração de outras ideias, outras informações e outras perspectivas. Portanto, considere SE e COMO a ideia oposta pode fazer sentido, tentando transcender a tendência ao extremismo, ao dualismo. Tente ver as nuances e como elas podem ser integradas em uma forma de compreensão mais rica e inovadora.
Armadilhas, sim existem e por isso é primordial evitar o sarcasmo, o ataque à pessoa (não ao argumento), as comparações fora de proporção e uma linguagem corporal fechada. Reconhecer quando se precisa de uma pausa, ou quando as próprias emoções indicarem que é melhor dar um tempo. Vale dizer que é preferível continuar em outro momento e pedir licença para se retirar.
Sim, é preciso coragem, pois no mundo do cancelamento, tomar uma posição pública sobre praticamente qualquer assunto se tornou um ato de bravura. Mas é imperativo exercitar essa virtude, pois ela é a nossa melhor aposta para expor a intolerância, a hegemonia de ideias e o controle do pensamento, inimigos mortais que são da liberdade de expressão genuína e da diversidade de pontos de vistas.
Obviamente não há uma receita onipotente para o diálogo, como não há fórmulas exatas para os relacionamentos humanos. Mas vale reconhecer quando as novas ortodoxias nos aprisionam e como podemos compartilhar e nutrir práticas atemporais de civilidade e verdadeiro respeito à diversidade. Vale a pena. É sobre o direito de sermos humanos, em toda sua complexidade.
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