02 de novembro de 2016

Diversidade na publicidade brasileira

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Não é de hoje que se questiona a questão da representatividade na publicidade brasileira. Num país onde 51% da população é feminina, 53% são negros e pardos, 23% têm algum tipo de deficiência e outros tantos são LGBT, é mesmo de se estranhar que a publicidade continue quase sempre branca, masculina e heteronormativa.

Um estudo inédito, elaborado pela agência Heads, comprova este descompasso. A pesquisa analisou mais de 3000 comerciais veiculados na TV brasileira. Os resultados não chegam a surpreender, mas são reveladores.

Pra começar, as mulheres são apenas 26% entre as protagonistas dos filmes publicitários. Aparecem menos e, pior, quando surgem estão quase sempre associadas aos estereótipos de cuidados com a família e com o lar.

A mulher negra, então, é quase invisível nos intervalos comerciais: só 1% delas surge no papel principal.

Falando sobre raça, a assimetria entre brancos e negros é impressionante: os primeiros têm destaque sete vezes superior aos segundos. Preocupante.

As pessoas com deficiências, por sua vez, são completamente invisibiizadas na propaganda. Qual foi o último comercial em que você viu um cadeirante, anão ou amputado interagindo socialmente? Teleton e AACD só não contam.

Gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans passaram da ausência absoluta para uma participação nanica na publicidade. Ainda assim, quase sempre apenas em datas comemorativas e reproduzindo a dinâmica de família, relacionamento estável etc.

Temos aí um problemão. A publicidade forma gostos, estabelece padrões e dita uma suposta normalidade.

E quem não aparece não é lembrado. É o que acontece com os grupos minorizados – sem essa de “minoria”! a questão é outra; é minorização, um processo deliberado que apaga a existência de certos grupos sociais, mesmo quando eles são bastante representativos na população.

A resposta a essa invisibilização talvez esteja dentro das próprias agências e clientes. Outra pesquisa, essa da consultora Danila Dourado, mostrou que apenas 0,7 dos 404 executivos das maiores agências do país são homens negros. São 3 pessoas e nenhuma mulher está neste grupo. Entre os funcionários das agências de comunicação, a situação não é muito mais confortável: apenas 3,5% são homens e mulheres negros.

Sem representatividade fica mais difícil ter visibilidade. Este é um tema que precisamos enfrentar. Política de diversidade se faz olhando de dentro pra fora. Mas isso já é assunto para um outro texto.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Ricardo Sales

Ricardo Sales é consultor de diversidade, pesquisador e conselheiro consultivo. É formado pela USP, onde também realizou mestrado sobre diversidade mas organizações. Atua para algumas das maiores empresas do país. É conselheiro do Comitê de Diversidade do Itaú. Foi eleito pela Out&Equal um dos brasileiros mais influentes no assunto diversidade nas organizações e ganhou o Prêmio Aberje de Comunicação, em 2019. Foi bolsista do Departamento de Estado do Governo dos EUA e da Human Rights Campaign, sendo reconhecido como uma liderança mundial no tema diversidade. É também palestrante, professor da Fundação Dom Cabral e da Escola Aberje de Comunicação, colunista da revista Você SA e do Estadão, além de membro-fundador do grupo de estudos em diversidade e interculturalidade da ECA/USP.

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