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Não há dúvidas de que a esfera pública sofreu profundas alterações na última década. O aumento da circulação de discursos ofensivos e teorias conspiratórias, o acirramento da hostilidade nas interações e um clima de cobrança constante em relação às atividades em ambientes digitais são alguns dos desafios enfrentados por empresas, instituições e usuários comuns atualmente.
É importante colocar esse processo em perspectiva. Desde sua configuração mais inicial, entre o final dos anos 1990 e o início dos 2000, a web sempre serviu como repositório dos mais variados argumentos, teorias e formas de expressão. O acesso a esses nichos, no entanto, estava condicionado à curiosidade e à expertise dos usuários para encontrá-los. Ou seja, procurando, tudo se achava, mas esse processo apresentava custos maiores de envolvimento, tempo e interesse.
A web social – marcada pela emergência de plataformas como Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram e YouTube como o principal espaço de interação digital – altera esse cenário de modo profundo. Progressivamente, temas e questões que usualmente estavam restritos aos nichos digitais passam a ocupar espaço no debate público mais amplo, invadindo cotidianamente os smartphones, grupos de WhatsApp e feed de notícias de boa parte da população. Como consequência desse fenômeno, por exemplo, nota-se a maior presença de grupos radicalizados no debate público, com pautas, vocabulários e narrativas frequentemente ofensivas e antidemocráticas.
As plataformas têm sofrido pressão de governos e entidades da sociedade civil por uma atuação mais incisiva na contenção da circulação desses discursos, com pedidos por medidas que melhorem a qualidade do debate público. As primeiras ações nesse sentido geraram reações e críticas de grupos radicalizados que adotaram como resposta a migração para redes alternativas, como o Parler.
Esse movimento e as características da comunicação nessas novas plataformas sociais de nicho são objetos de um estudo realizado pela FGV DAPP, no âmbito do projeto Digitalização e Democracia, em parceria com a Embaixada da Alemanha no Brasil. No estudo, intitulado A Extrema Direita Global: Brasil estabelece ecossistema próprio no Parler e mimetiza extrema direita americana, os autores indicam a formação de redes radicalizadas de extrema-direita, que se mobilizam em torno de pautas antidemocráticas em interação com movimentos radicalizados internacionais.
A pesquisa aponta como os movimentos de “retorno aos ambientes de nicho” não significam o restabelecimento do debate público nos termos anteriores, podendo, inclusive, apresentar padrões ainda mais imprevisíveis e radicalizados. Isso se deve ao fato de que essas redes têm se constituído como espaços que se somam – e não substituem – às plataformas de maior uso. Ou seja, servem como ambientes de planejamento e articulação de ações que vão se realizar na esfera pública digital mais ampla, como ataques coordenados a empresas e figuras públicas.
É central, portanto, que empresas e instituições estejam preparadas para as características e padrões de uma esfera pública que está em transformação e que impõe desafios à comunicação empresarial e sustentação da reputação das instituições. Uma boa leitura dos cenários é parte fundamental da elaboração de estratégias eficazes contra ações coordenadas que podem causar danos à imagem de instituições e empresas, em um contexto de imprevisibilidade cada vez maior na dinâmica do debate público.
*As manifestações expressas por integrantes dos quadros da Fundação Getulio Vargas, nas quais constem a sua identificação como tais, em artigos e entrevistas publicados nos meios de comunicação em geral, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da FGV.
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