Aprendendo a dançar – Sobre sentimentos, reputação e crises
Publicado originalmente no LinkedIn em 04 de outubro de 2021
“Há uma espécie de mistura que acontece no nosso cérebro, que nós chamamos a dança entre sentimento e razão. É uma dança extraordinária” (Paul Slovic)
Uma extraordinária dança entre sentimento e razão. Utilizada pelo psicólogo Paul Slovic, professor da University of Oregon, para definir o processo como avaliamos riscos, a imagem poética me veio à mente ao ouvir Rosana Florczac, sócia-diretora da Verity Consultoria, utilizar a expressão “emoção pública”, em contraposição à já consolidada “opinião pública”, no encontro de setembro do Comitê de Comunicação e Relações Institucionais da Aberje, que tratou do tema “Comunicação de crise e impacto nas relações institucionais: ponderando a atuação integrada para a mitigação de situações de emergência e gestão de issues como processo aliado da reputação”.
“As pessoas sentem, compartilham e apenas depois pensam, elaboram. Isso contagia as estruturas formais da sociedade. As redes influenciam as estruturas formais, ocupando muito do espaço que antes cabia apenas à imprensa”, argumenta Rosângela. A constatação tem um impacto profundo na forma como as instituições gerenciam imagem e reputação, sobretudo no que diz respeito à prevenção e à mitigação de crises. Atuar apenas no nível objetivo da racionalidade – apresentar os fatos, assegurando transparência e tempestividade – é cada vez menos suficiente. Numa era em que todos têm voz, e na qual esta voz expressa em primeiro lugar a emoção, de maneira quase instantânea, gerenciar reputação exige entrar também na dança da qual fala Slovic, e construir, em conjunto com os stakeholders, um resultado harmônico para todos.
Tendo dedicado boa parte de sua carreira ao desenvolvimento de métodos para descrever a percepção de riscos e medir seus impactos em indivíduos, organizações e na sociedade em geral, Slovic defende que o risco é representado em nós, em primeiro lugar, como um sentimento, e não como resultado de um cálculo. A consequência é o que ele chama de “affect heuristic”, definida basicamente como a habilidade emocional de tomar decisões rápidas em situações de crise. Segundo o autor, diante de uma situação ruim, sentimentos positivos previamente desenvolvidos em relação a algo (ou a alguém, uma marca ou instituição, por exemplo) nos predispõem a enxergar menos riscos e, por outro lado, mais benefícios. Dessa forma, nossa percepção do risco é totalmente influenciada pelos sentimentos que vivenciamos.
Pensando do ponto de vista de comunicadores, responsáveis pelo gerenciamento da reputação de nossas organizações, essa interpretação inspira uma atuação cada vez mais preventiva, além da construção de um relacionamento com os stakeholders moldado pelo engajamento emocional. De um lado, a comunicação mais próxima e humanizada, que, de certa forma, já vem ganhando cada vez mais espaço nos últimos anos, tendo se fortalecido ainda mais durante a pandemia de coronavírus, quando as empresas foram instadas a assumir um importante papel diante de seus colaboradores e demais públicos, como agentes capazes de inspirar segurança frente ao caos. De outro lado, uma atuação mais sistematizada, orientada pela prevenção, pelo mapeamento e gerenciamento de riscos.
“Se as marcas investem para construir, manter e fortalecer a reputação, também devem investir para proteger e recuperar esse ativo tão importante. Em paralelo ao trabalho constante de construção, é preciso estar sempre se preparando para recuperar a reputação em tempos de crise. Para isso é preciso ter política, processo e lideranças capacitadas em nossas organizações, que entendam o porquê de investir na recuperação antes das próprias crises”, defende Rosângela.
Neste ponto, fica claro como a evolução das questões relacionadas à imagem e à reputação das empresas diante dos novos tempos vem abrindo espaço para uma atuação mais estratégica da Comunicação. A conclusão de Rosângela aponta para algo que também venho defendendo em minhas reflexões sobre a atuação da área: a construção dessa atuação estratégica acontece de dentro para fora, e sua base é a colaboração.
Para fazer o seu papel externamente – identificar, priorizar e construir um relacionamento capaz de gerar valor com os stakeholders de uma organização – a área de Comunicação precisa, antes de tudo, “construir” o seu papel internamente – alinhando discurso, identificando riscos, coordenando esforços e, em última instância, consolidando uma cultura de cuidado reputacional junto aos líderes e demais colaboradores da organização. Reputação é responsabilidade de todos. E, se temos a atribuição de gerenciá-la, precisamos orquestrar esse trabalho conjunto, de maneira colaborativa. E mais: reproduzindo, dentro de nossas organizações, a extraordinária dança entre sentimento e razão de que nos fala Slovic. Engajando, mobilizando, criando conexões por meio de narrativas que fortaleçam os propósitos comuns e, assim, favoreçam a tão necessária colaboração.
Temos vivenciado transformações que vêm abrindo espaço para uma atuação mais estratégica das áreas de Comunicação. Mas elas exigem, também, uma mudança de paradigma dos profissionais da área. Somos convidados a olhar mais para dentro. Para dentro de nossas organizações, onde a colaboração entre as diversas áreas é a base da atuação integrada para a gestão preventiva da reputação. E para dentro de cada ser humano, onde a extraordinária dança entre sentimento e razão determina a forma como reagimos às marcas e às suas trajetórias, diante do bem e do mal associado a elas.
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