Aldeia global em xeque: comunicação enfrenta turbulências em cenário de fragmentação

No segundo dia do 28º Congresso Mega Brasil de Comunicação, Inovação e Estratégias Corporativas, a mesa “Nacionalismo, intolerância, negacionismo e manipulação da informação. Os riscos ao conceito de Aldeia Global traçado por Marshall McLuhan e o impacto na vida e nos negócios” reuniu o diretor-presidente da Aberje e professor titular da ECA-USP, Paulo Nassar; Karla Gobo, professora da ESPM; e Marcelo Coutinho, professor de Estratégia e Comunicação da FGV; sob mediação de Renato Gasparetto, sócio fundador da Trust Consulting. O debate aconteceu na sede da Unibes, em São Paulo, na manhã da última quinta-feira (28).
Logo na abertura, Gasparetto destacou que desde a posse de Donald Trump, em janeiro de 2025, “parece que vivemos em um mundo novo”, no qual conceitos que surgiram no pós-Segunda Guerra foram abalados. A própria ideia de aldeia global, cunhada por McLuhan, estaria perdendo força diante da velocidade e da forma como as informações circulam. Gasparetto lembrou que muitas vezes políticas de Estado, como os decretos de Trump, são anunciados por meio das redes digitais antes mesmo de se tornarem oficiais de acordo com a liturgia legal.
Paulo Nassar explicou que McLuhan antecipou o momento atual e ofereceu chaves para interpretá-lo. “McLuhan escreveu que os meios são extensões do humano, ele viu primeiro e analisou os efeitos dos aparelhos que moldaram o digital e a inteligência artificial”, disse. Para Nassar, a indagação de McLuhan “Quando os computadores aprenderem a fazer seu serviço, o que você vai fazer?” ecoa com força em um contexto de automação crescente e de inteligência artificial generativa.
Nassar destacou ainda que vivemos uma avalanche de informações, marcada pela “obesidade informacional e déficit de significado”. “Estamos vivendo um momento de tumulto, com informações massificadas que criam cacofonia, enquanto a carência de sentido gera catatonia e até alucinação”, afirmou.
Para ele, o smartphone simboliza esse paradoxo. “É o totem de nosso tempo, um espelho narcísico que amplia e entorpece. Ao mesmo tempo, é nele que habitam as novas praças digitais, os rituais organizacionais, os afetos plurissensoriais”, explicou Nassar. “O comunicador precisa reconhecer que a narrativa viva nasce do encontro entre técnica e memória — do cheiro de um lugar, do som de uma campanha, do clique de uma tela”, acrescentou.
Karla Gobo ressaltou que o mundo atravessa uma transição do global para o hiperlocal. Embora cadeias produtivas permaneçam globais, regimes políticos buscam reforçar dinâmicas bilaterais e comunidades passam a se organizar em torno de identidades e símbolos próprios. “Não estamos isolados, ainda não viramos ilhas, mas nos tornamos penínsulas”, afirmou.
Já Marcelo Coutinho trouxe uma perspectiva econômica e filosófica, ao recuperar ideias de Heidegger, Hegel e do economista Herbert Simon. Segundo ele, vivemos um processo produtivo no qual a informação é abundante e a atenção, escassa. Nesse contexto, a atenção se converte em moeda de troca e o algoritmo se estabelece como principal produto das big techs. “Nós fornecemos o conteúdo, que se torna a matéria-prima”, explicou. A lógica, em sua visão, alimenta movimentos de contestação à democracia, em parte impulsionados por figuras como Peter Thiel e Steve Bannon, defensores da “inundação de informação” como estratégia para desestabilizar a confiança nos meios tradicionais.
Nassar acrescentou que as big techs operam como “indústrias de comunidade”, estruturadas em narrativas afetivas e rituais de pertencimento. Isso coloca em risco a profissão de comunicação, cuja formação, segundo ele, não acompanha a velocidade das transformações. Fusões e aquisições recentes também reconfiguram o campo, reforçando o caráter patrimonial e mercadológico da atividade.
Coutinho, por sua vez, alertou que a inteligência artificial tende a acentuar desigualdades, beneficiando desproporcionalmente determinados grupos e alimentando a indignação política. Para ele, esse processo é funcional ao projeto “aristotécnico”, voltado à captura da atenção e à exploração das polarizações.
Ao final do painel, Nassar fez uma provocação bem-humorada aos organizadores. “No próximo encontro, poderíamos ter divãs para os participantes, em uma análise psicanalítica, já que o momento é de incerteza, de insegurança”, comentou, provocando risos na plateia.
“Vivemos momentos cruciais de ataque ao regime democrático no Brasil, mas não só. E a comunicação corporativa cumpre um papel estratégico nesse cenário, na busca de entender o cenário e buscar antídotos para que as marcas, assim como toda a sociedade, se defendam dos pensamentos e ações obscurantistas”, afirmou Eduardo Ribeiro, diretor da Mega Brasil. “Não sobreviveríamos, como uma ciência plural e aberta, num regime autocrático. E profissionais que se orgulham de sua independência intelectual certamente seriam subjugados e alijados do processo de comunicação. Temos hoje maturidade e alguma escala para fazer essa defesa, ainda que de forma institucional. E a Aberje é uma casa central nessa causa”, concluiu Ribeiro.
O debate mostrou que, se McLuhan antecipou uma aldeia global marcada pela interconexão, a realidade atual aponta para um mosaico de comunidades fragmentadas, disputas políticas intensificadas e riscos crescentes de manipulação. Para os profissionais de comunicação, a mensagem é clara: em um ambiente onde a informação é abundante e a confiança é escassa, o desafio não é apenas transmitir, mas também interpretar, mediar e preservar o sentido coletivo da comunicação.
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