16 de março de 2016

Quando dialogar não é possível

Sou, mais do que um apaixonado pelo diálogo, um pregador do diálogo. Basta dar uma revisitada em meus textos nesta mesma coluna para conferir. Seis anos praticamente falando de diálogo e de suas variações. O diálogo na mediação de conflitos. O diálogo na inovação. O diálogo como condição essencial para a aprendizagem. O diálogo como reconhecimento do outro como um legítimo outro. O diálogo entendido como a dinâmica que permite a reflexão, a qual, segundo alguns autores, teria fundado o humano, este ser imerso na linguagem, ou seja, em coordenações recursivas de sentires íntimos, emoções e fazeres, citando aqui os estudos de Humberto Maturana e Ximena Dávila.

E se o diálogo está na base da evolução humana, ele só é possível na presença do humano. Isso quer dizer que, quando operamos sob o comando do sistema reptiliano, nosso cérebro mais primitivo, não somos capazes de dialogar. E, veja bem, isso não é um erro em nossa espécie. Pelo contrário, é um mecanismo essencial à nossa sobrevivência, nossa e a de todos os outros seres que possuam um sistema nervoso que opera de modo fechado, não sendo capaz de perceber se o que vive, no momento em que vive, é ilusão ou realidade. O sistema nervoso reage a estímulos externos, mas não é capaz de diferenciar no instante do vivido exatamente o que está acontecendo.

Momento 1: Olha lá que lua linda!

Momento 2: Ah! É um holofote…

Momento 3: Trimmmm (telefone toca às 3h da madrugada).

Momento 4: Alguém morreu! (pensamento instantâneo, acompanhado de taquicardia e, em alguns casos, até dor no estômago)

Momento 5: (Logo após atender ao telefone) É engano!

Cada momento é vivido como verdade por nosso sistema nervoso, validando ou invalidando a experiência por meio de uma nova experiência a posteriori. Momento 1: “Alguém morreu!” Momento 2: “É engano!”

Em outras palavras, se temos à nossa frente um leão faminto de verdade ou um chefe irritado, para o sistema nervoso é a mesma coisa. De modo automático, o cérebro simpático é acionado, aumentando a produção de adrenalina, o que faz com que nosso coração bata mais rápido, bombeando mais sangue para os músculos, num processo que nos prepara rapidamente para enfrentar uma situação interpretada como de vida ou morte. Nestas ocasiões, sem que precisemos pensar – a expressão “perdeu a cabeça” vem daí – , temos apenas três reações básicas à mão: lutar, fugir ou congelar. Como disse, este processo não é um defeito, mas um recurso. No entanto, ao usá-lo como modo de viver, adoecemos. Se nosso organismo vive sob ameaça permanente, nosso coração trabalha mais do que deveria e, assim, corremos o risco de abreviar nossa vida.

A essa altura, você já sabe bem o que acontece quando somos arrebatados por nosso cérebro mais primitivo. Isso mesmo, não agimos como seres humanos. Não temos, portanto, os recursos do diálogo e da reflexão à nossa mão. (Repeti exatamente o que disse antes só que com outras palavras como um recurso para reforçar, mais do que uma teoria, uma descrição de como funcionamos.)

Qualquer semelhança com o que estamos vivendo atualmente no Brasil não é mera coincidência. Se permanecermos reativos a tudo o que nos pareça ameaçador, continuaremos agindo como animais irracionais. O problema é complexo e precisará de toda nossa sabedoria humana para encontrarmos uma boa solução. Um bom primeiro passo seria respirar profundamente toda vez que nos sentirmos acuados. Assim, estaremos ajudando nosso coração a bombear o sangue de volta ao nosso cérebro, lembrando-nos que, além da nuvem de medo, há muita esperança e infinitas possibilidades para vivermos e convivermos além da guerra e da desqualificação do outro. Então, se eu pudesse lhe dar um único conselho, eu diria apenas: Respire.

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