18 de maio de 2016

O glamour da Polícia Federal

Fimes e séries de TV retratam a Polícia Federal com imagem positiva

Durante a festa em homenagem às 100 personalidades mais influentes do planeta, em 24 de abril no Lincoln Center de Nova York, o único brasileiro presente na lista, o juiz federal Sergio Moro, afirmou: “Lava Jato não é seriado de TV”.

Não é, mas será. O serviço de streaming americano Netflix anunciou que a Operação Lava Jato, chefiada por Moro e a Polícia Federal desde março 2014, vai virar seriado de televisão, uma minissérie, com direção do brasileiro José Padilha – famoso ela série Narcos (2015), da Netflix, e pelos dois longas Tropa de Elite (2007 e 2010). A nova série, que começa a ser rodada em 2017, poderá se chamar justamente “Lava Jato” – ou, quem sabe, “Ladros”. Será que Wagner Moura, o protagonista dos filmes de Padilha, fará o papel do juiz Moro?

Com ou ou sem a simpática desaprovação da Justiça e da Polícia Federal, o fato é que a imagem da instituição se alterou. Até mesmo se inverteu. A polícia de Estado exerce no mundo inteiro um papel necessário, na proteção e conservação das instituições. Mesmo assim, ou por isso mesmo, a polícia nunca foi admirada. Bem ao contrário.

Os regimes totalitários do século 20 ajudaram a manchar a sua reputação. Os nazistas e fascistas aparelharam seus pelotões para perseguir os inimigos dos regimes. Os comunistas soviéticos soltaram homens fardados no encalço de intelectuais que ameaçavam desmoralizar a reputação de igualdade.  Sem falar na polícia política da ditadura brasileira que esfolou e matou e foi anistiada, sem ter pago por seus crimes.

Mas até a polícia passa por transformações, no mundo e aqui, e tudo começa pela imagem.Na França, o morticínio do jornal crítico Charlie Hebdo e os ataques terroristas em Paris, no começo e no fim de 2015, fizeram com que a população francesa, tradicionalmente avessa às armas, passasse a encarar os agentes de segurança como amigos. Ficou bonito tirar selfies com policiais. Nos últimos três anos, boa parte dos brasileiros, por seu turno, parece ter se dado conta de que precisava– e muito –  da Polícia Federal. Não custa lembrar que a massa nacional que apoiava “Milagre Brasileiro”, nos anos 70, santificava a polícia. A resistência democrática que via os policiais e o exército com ódio era uma minoria.

A atual mudança ou restauração de mentalidade se deve à Lava Jato. Estrelando, Sergio Moro e a PF. Desde março de 2014, a operação deflagrou ações contra as maiores redes de corrupção, prendendo e condenando políticos e empresários que até então gozavam de reputação ilibada. Nunca antes neste país tantos sacripantas denunciaram tantos outros ainda mais canalhas. Mocinhos têm combatido bandidos. Parece filme de ação.

Trata-se de uma superprodução, talvez inimitável nas telinhas e telões. Moro é cultuado nas ruas e até o Japonês da Federal, o policial que participa de apreensões e conduções coercitivas em Curitiba, ganhou uma versão em máscara de Carnaval.  Sim, é moda tirar selfie com policiais.

japafed

Além da anunciada série da Netflix, outras produções estão em andamento.  Está em cartaz o filme Em Nome da Lei, de Sérgio Rezende. Ele mostra o ator Mateus Solano como o juiz federal Victor, que tenta desbaratar uma rede de tráfico de drogas que atua na fronteira com o Paraguai. Ele forma dupla com a promotora Alice, interpretada por Paolla Oliveira. Esta, sim, é o único fruto da imaginação do roteirista (aliás, por que não há mulheres na República de Curitiba?).

 

https://youtu.be/7i9zhlC-0wk

 

A glamorização da Operação Lava Jato segue em outras produções em andamento. Em agosto, começa a ser rodado o longa-metragem Polícia Federal – A lei é para todos, dirigida por Marcelo Antunez, que fez sucesso com comédias como Até que a sorte nos separe 3 e Qualquer Gato Vira-Lata 2. A produção está orçada em R$ 12 milhões. A inspiração, a Operação Lava Jato. Os produtores não revelaram quem fará o papel de Moro.

Essas produções darão combustível ao debate. A dúvida é se a inversão de sinais realizada pela indústria do espetáculo pode mudar de fato a polícia. Será que a PF pode usar a boa imagem na comunicação com a imprensa e as instituições e no lançamento de boas práticas dentro da corporação? É de temer que se torne apenas uma cortina de fumaça para a plateia ficar cega a novos desvios de conduta.

Pelo menos um ponto ninguém parece questionar: a nova imagem da Polícia Federal virou coisa de cinema – e de televisão.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luís Antônio Giron

Jornalista e escritor, Doutor em Comunicações e Artes e Mestre em Musicologia pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Trabalhou como editor e repórter especial nas seguintes publicações: Folha de S. Paulo, Veja, O Estado de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Época. Como gerente de Multimídia da Fundação Padre Anchieta, reorganizou o portal cmais. Produziu e redigiu documentários e programas na TV Cultura. Livros publicados: Ensaio de Ponto (romance, Editora 34, 1998), Mário Reis, o fino do samba (biografia, 2001), Até nunca mais por enquanto (contos, Record, 2004), Minoridade crítica: folhetinistas diletantes nos jornais da corte (Edusp/Ediouro, 2004), Teatro de Gonçalves Dias (Martins Fontes, 2005) e Crônicas Reunidas de Gonçalves Dias (Academia Brasileira de Letras, 2013).

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