A marca eterna de Harry Potter
Você conhece Krystal Weedon, Newt Scamander e Cormoran Strike? São personagens que se tornaram vítimas de outro personagem de sua criadora. Começo por Strike. Trata-se de um detetive barbudo e manco que protagonizou os três últimos romances de Robert Galbraith: O chamado do cuco (2013), Bicho-da-seda (2014) e Vocação para o mal (2015). Cormoran é um personagem bem construído: um detetive que atende em seu muquifo no bairro do Soho, no centro de Londres, e se mete em encrencas dignas de Sherlock Holmes. O livro fez algum sucesso e Cormoran conquistou o nicho de leitores de crime e suspense. Nada mau se Galbraith não fosse o pseudônimo da escritora inglesa J.K. Rowling, criadora do personagem Harry Potter, o bruxo rebelde da escola de magia Hogwarts.
A verdade é que Rowling tenta s esquivar de seu produto maior, mostrando que possui dons literários diferentes daqueles que esbanjou na fantasia infanto-juvenil. Ela ensaiou fazer o mesmo em seu primeiro romance adulto, o satírico Morte súbita, de 2012, com sua galeria de personagens da qual se destaca Krystal Weedon, uma adolescente de 16 anos, vítima de estupro na família. Para desgosto de Rowling, alguns críticos compararam Krystal a Harry Potter. Eu não erro longe ao enxergar semelhanças entre Cormoran com o bondoso gigante Hagrid, de Harry Potter.
J.K. Rowling parece ter desistido de insistir no sucesso mediano e acabou se rendendo a personagem maior. J.K. Rowling é o case exemplar de uma marca que supera quem a produziu. Até porque Harry tem alta qualidade literária no campo da literatura fantástica e até agora superou as outras obras dela nesse quesito.
Lembremos. Harry Potter é o maior sucesso de uma marca literária no século XXI: a série de sete livros, lançados entre 1997 e 2007, vendeu 400 milhões de exemplares em 73 idiomas; e a adaptação para o cinema – oito filmes estreados entre 2001 e 2011 – bateu recordes e faturou 1,3 bilhão de dólares.
Mesmo com pretensões literárias, Rowling sente-se na obrigação de agradar ao público potteriano. Para tanto, usa o método de prender o freguês que elaborou com a heptalogia. Em 2008, lançou o volume Os contos de Beedie, o Bardo, uma espécie de spin-off, de produto colateral à saga. Em 2011, criou na internet a plataforma Pottermore, que alimenta as histórias de Harry e amigos.
Neste ano, em nome da fidelidade de seu público original, ela vem com um pacote Potter ainda mais ambicioso. Neste ano, vem com três lançamentos em duas plataformas. Publicou o romance infantojuvenil Animais fantásticos e onde habita, cujo protagonista é um autor de romances para jovens – e pode ser interpretado como a fusão de Harry com Rowling. Agora a escriteora divulga o “oitavo volume da série Harry Potter”, conforme afirma o anúncio da peça “Harry Potter and the Cursed Child” (Harry Potter e a criança maldita). O livro é um drama escrito em parceria com Jack Thorne e John Tiffany. Este último dirige a peça, que estreia no West End de Londres em 30 de julho. A versão digital em inglês já transformou o título no mais vendido na Amazon, mesmo que ainda não tenha sido lançado, e só saia com a estreia da peça.
A história é ambientada 19 anos depois da trama da saga de Harry Potter. Harry é um funcionário do Ministério da Magia, casado com Gina, pai de três filhos. O mais velho deles se chama Albus Severus Potter. Como Harry, ele é assombrado pelos mesmos estigmas do pai, e do avô. No palco, Harry (Jamie Parker) e Albus (Sam Clemmett) vão contracenar e estrelar uma catarse da condição de bruxo.
Ela deverá manter o imenso sucesso na área juvenil. Está escrevendo a versão em romance da peça. Assina também o roteiro de uma trilogia cinematográfica cujo primeiro longa-metragem, “Fantastic Beasts and Where to Find Them”, inspirado em Animais fantásticos e onde habitam. O filme, o primeiro de uma trilogia, estreia no outono do hemisfério norte, estrelado pelo oscarizado Eddie Redmayne. Ele interpreta um escritor de livros fantásticos, Newt Scamander, que viaja no temo e volta à juventude em aventuras nos Estados Unidos.
Assim, Rowling sempre parece voltar ao mesmo ponto: lidar com a figura do adolescente problemático e do autor de histórias não menos problemático. Ela descobriu uma fórmula: mexer com o lado obscuro e vitimizado da infância, à maneira dos romances de Charles Dickens, e segurar seu público por meio de ganchos e histórias seriadas e extrapolar as plataformas, passando do livro para o cinema e deste para a internet e o teatro. Só não conseguiu se libertar da marca de seu sucesso. Até hoje, as pessoas se interessam mais por Harry Potter do que por J.K. Rowling. Porque as marcas costumam devorar seus criadores.
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