13 de junho de 2016

É um erro derrubar a Lei Rouanet

O clima de perseguição à Lei Rouanet está pesado. Culpam-se artistas famosos e eventos lucrativos por usar recursos de renúncia fiscal proporcionados pela lei, como se fossem criminosos corruptos, análogos a algumas figuras que promoveram a roubalheira na República. Houve até uma intenção de ligar alguns dos maiores beneficiários da Lei Rouanet a objetos da Operação Lava Jato. Nada mais absurdo.

Ainda que a Lei Rouanet tenha seus defeitos, ela é universal nas distorções que lhe são inerentes. A falta de critério na escolha dos projetos tem sido rotina ao longo dos 25 anos em que ela vigora. Talvez os ministros de Cultura de várias gestões tenham evitado entrar em confronto com a classe artística ou preconizar uma agenda radical, e assim patrocinaram eventos irrelevantes e puramente comerciais.

Agora acontece uma caça às bruxas aos beneficiários da Rouanet, um movimento irracional que conduz ao linchamento espiritual de muitos artistas que não têm nada de corruptos e que apenas se valeram de vantagens que estão na letra da lei.

Vamos relembrar como ela foi criada. A Lei Rouanet foi criada em 1991 durante o governo Fernando Collor de Melo com base em um estudo do grande teórico Sergio Paulo Rouanet, então Secretário Nacional de Cultura. A preocupação de Rouanet na época – entrevistei-o em Brasília naquela ocasião – era criar uma legislação que permitisse que projetos culturais se beneficiasse de incentivos fiscais, tanto das empresas como de pessoas físicas. Até então, quem quisesse aprovar um evento cultural precisava negociar diretamente com o governo, ou custear sozinho.

Ao longo de um quarto de século, não houve um esforço do governo e da classe artística de aperfeiçoar a Lei Rouanet em seus processos básicos. Nem mesmo houve vontade política para elaborar novas leis que protegessem a produção artística mais legítima e mais local. Tudo se deu ao deus-dará, e agora colhemos os frutos de mais uma miséria intelectual do Brasil – ou melhor, negligência.

Para começar um debate racional sobre incentivo à Cultura e gestão cultural, é necessário pensar em política e gestão culturais, onde o público e o privado trabalham em harmonia. É necessário entender que as manifestações artísticas não são um produto do Estado. Elas partem da sociedade, do indivíduo, do artista. Ao mesmo tempo, essa produção raramente produz lucro. Receita e despesa empatam na maior parte das ações culturais. Se há algum lucro em empresas de espetáculo, ele é pequeno. Assim, o Estado deve colaborar na sustentabilidade da produção artística, sem intervir diretamente nela – e sem paternalismo, como o Vale Cultura, que só reforça que não vale a pena o povo gastar com isso. No fim, o interesse é privado. O artista quer mostrar sua obra e o público quer consumir Cultura. Arte não dá dinheiro. Arte dá lucro para a alma.

Por isso, linchar a Lei Rouanet é cometer um erro histórico. É preciso linchar os preconceitos, as visões distorcidas e os rancores. E lutar para que a Lei Rouanet ganhe uma versão século XXI.

 

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luís Antônio Giron

Jornalista e escritor, Doutor em Comunicações e Artes e Mestre em Musicologia pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Trabalhou como editor e repórter especial nas seguintes publicações: Folha de S. Paulo, Veja, O Estado de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Época. Como gerente de Multimídia da Fundação Padre Anchieta, reorganizou o portal cmais. Produziu e redigiu documentários e programas na TV Cultura. Livros publicados: Ensaio de Ponto (romance, Editora 34, 1998), Mário Reis, o fino do samba (biografia, 2001), Até nunca mais por enquanto (contos, Record, 2004), Minoridade crítica: folhetinistas diletantes nos jornais da corte (Edusp/Ediouro, 2004), Teatro de Gonçalves Dias (Martins Fontes, 2005) e Crônicas Reunidas de Gonçalves Dias (Academia Brasileira de Letras, 2013).

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