03 de março de 2020

Brasil é o país que mais chama a atenção de profissionais de comunicação pelas fake news

 Levantamento faz parte da pesquisa Latin American Communication Monitor 2018 – 2019, que teve como principal parceiro nacional a Aberje, destacando os desafios e tendências no campo de comunicação dentro de um contexto global

Por Aurora Ayres

Qual o impacto das fake news no ambiente de trabalho? E como identificá-las? Questões como essa, assim como tendências que impactam o campo da comunicação estratégica das organizações, foram abordadas em um minucioso trabalho de pesquisa realizada com profissionais da área. O relatório especial produzido pela Aberje, lançado no Brasil, traz o recorte sobre como o brasileiro, que representa 25% da amostra obtida na edição LCM – Latin American Communication Monitor 2018-2019, vem lidando com os desafios do universo corporativo.  

Os dados deste estudo contribuem para a construção de um panorama comunicacional brasileiro, que inclui desde aspectos contemporâneos, de tendências e estratégias, até questões culturais, de liderança e de confiança. Lidar com a velocidade e o volume do fluxo de informação, acompanhar a evolução digital e a web social e lidar com a demanda de maior transparência e públicos mais ativos são, de acordo com a pesquisa, os principais temas a serem explorados nos próximos três anos.

Fake News

A maioria dos entrevistados na pesquisa exerce cargo de liderança e trabalha em agências de comunicação ou empresas estatais. As mídias sociais são citadas por 60% dos comunicadores como as principais fontes das notícias falsas. Já em 28% das publicações, foram os meios de comunicação de massa que divulgaram as notícias falsas. Essas notícias estavam relacionadas aos produtos e/ou serviços em 35% dos casos, às pessoas da organização em 33%, e às organizações e/ou marcas em 28%. Dos 81% que têm acompanhado o debate acerca do assunto, 31% não julgam o tema como relevante em seu trabalho diário.

Tem-se que 76% dos comunicadores acredita que a esfera pública brasileira é influenciada por fake news. O curioso é que 51% dos entrevistados afirma que as notícias falsas não são relevantes em seu trabalho diário de comunicação (entre neutro e discordo totalmente). Nesse ponto, a pesquisadora da equipe LCM Brasil Patrícia Pérsigo, analisa o fenômeno em grande medida influenciando a esfera pública, “porém, no dia a dia da comunicação empresarial, apenas 49% o apontam como um tema relevante”. Nesse mesmo sentido, prossegue, dados da pesquisa da Aberje sobre fake news, divulgada em 2018, apontam que 67% das organizações ouvidas na época não consideravam as notícias falsas um tema estratégico, ao passo que 85% estavam preocupadas com o fenômeno.

Por outro lado, 19% dos profissionais afirma estar implantando diretrizes e rotinas formais para combatê-las, assim como outros 13% argumentam estar desenvolvendo planos específicos para tratar da questão, e 7% assinalam ter instalado sistemas e tecnologias específicas para tal. “Percebe-se aqui que 39% dos comunicadores atuam de alguma forma na antecipação à ocorrência das fake news, e, na ponta contrária, tem-se 11% alegando não ter necessidade de desenvolvimento de qualquer ação nesse sentido”, compara Patrícia.

Brasil: um terço das organizações afetadas

Ao fazer uma análise comparativa dos dados apontados pela pesquisa, o diretor-presidente da Aberje, Paulo Nassar, ressalta que os dados referentes ao Brasil estão abaixo da média da região, mas muito próximos aos dos países do Cone Sul (Uruguai, Argentina e Chile).  Por aqui, 33,3% das organizações foram afetadas por fake news, contra 41% de média para a região. 

“Apesar de termos o segundo menor número de organizações diretamente afetadas por fake news (atrás apenas do Uruguai, com 32,6%), o Brasil parece ser o país onde o tema atrai a maior atenção dos profissionais da área de comunicação: 82% dos profissionais diz prestar atenção ao debate sobre o assunto, e quase metade dentre eles afirma que elas são relevantes ao trabalho diário da área de comunicação (em comparação com a República Dominicana, por exemplo, 66% das organizações são afetadas por fake news, mas apenas 44% dos profissionais considera o tema relevante no dia-a-dia)”, analisa Nassar.

O Brasil é também o país onde mais se discute o tema (68%) e o terceiro onde o assunto mais influencia a esfera pública (77%). Como os pesquisadores apontam essa percepção mais aguçada ao tópico é comum aos países onde houve eleições no ano de 2018 (Brasil, México e República Dominicana), mas o caso brasileiro é particular em dois sentidos: primeiro, porque dentre esses países, é aquele no qual as organizações são as menos afetadas (33%, contra 40,4% no México e 66% na República Dominicana) e segundo, porque os indicadores de percepção da importância do tema são consideravelmente mais altos (70% dos profissionais no México e 68% na República Dominicana afirmaram ter prestado atenção no debate, contra 82% no Brasil). 

Diante desse quadro, Hamilton dos Santos, diretor geral da Aberje questiona por que em um país onde as organizações são relativamente pouco afetadas por fake news, o tema aparece como prioridade para os profissionais da área de comunicação? 

“Duas hipóteses podem ser levantadas a esse respeito. Primeiro, os profissionais brasileiros da área de comunicação veriam nas fake news um maior potencial de dano à reputação de marcas e empresas do que no restante da América Latina. Possivelmente porque na última década o tema esteve na pauta do dia, seja por desastres ecológicos, seja por escândalos políticos. Segundo, uma maior permeabilidade do ambiente profissional em relação ao debate político-eleitoral, de modo que as discussões sobre o tema no processo eleitoral teriam afetado o dia a dia das organizações. Em outros termos, o ambiente profissional da área de comunicação no país seria, relativamente, menos isolado do que ocorre no âmbito político-partidário”, observa.

Presença feminina

A análise dos dados brasileiros permite não só um complemento ao conhecimento atual, como um olhar comparativo com os demais países da América Latina. Um dado interessante é que 60% dos profissionais da área de comunicação da América Latina disseram ser do gênero feminino. O valor cai um pouco para os cargos mais altos (53% para chefe de unidade e 59% para diretores/CEO de agências), mas não o suficiente para alterar o cenário. 

Portanto, assim como no Brasil, na América Latina a área de comunicação é predominantemente feminina. Contudo, a pesquisa ressalta que a maior presença feminina no setor não impede a existência de significativas desigualdades em termos de remuneração. Entre profissionais da área que não estão em níveis de direção, quase 64% das mulheres ganham menos de US$10 mil anuais contra 54% entre homens.  Já nos níveis mais altos de remuneração (acima de US$60 mil anuais), encontramos 4,4% das mulheres contra 8,2% dos homens. 

Na análise de Patrícia Pérsigo, pesquisadora a equipe LCM Brasil, o cenário é positivo em termos numéricos, mas alarmante quando se visualizam outros índices que caracterizam a desigualdade de gênero. “Esse fato demanda das organizações e de todos os profissionais aí inseridos uma atenção quanto às perspectivas efetivas de gestão da diversidade, situando a questão de gênero como parte de um amplo processo empresarial/gerencial de um ambiente que funcione para todos”, acentua, lembrando que a questão de gênero também é alvo constante desse fenômeno.

A pesquisadora considera que notícias falsas são produzidas e difundidas com o explícito intuito de levar os indivíduos a aceitar ou rechaçar determinada ideia e que, no contexto organizacional, o impacto das fake news não é menos prejudicial. “Pode acarretar reação negativa à marca, produzindo a antipatia de talentos profissionais, dificuldade na retenção dos atuais, o prejuízo no fechamento de determinados negócios/contrato de novos fornecedores, entre outros entraves à saúde empresarial. 

É possível dizer que, embora os impactos mencionados acionem áreas diversas, os profissionais da comunicação estarão envolvidos na gestão da imagem e reputação organizacional e, consequentemente, precisarão posicionar-se socialmente. Para esse intento, um primeiro e necessário passo trata-se do manter-se informado a esse respeito”, alerta.

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