Dossiê COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 110 · 2023

Agilidade acima de tudo

Os gestores descobriram métodos ágeis, como o scrum e o kanban, uma forma de sobreviver na ecologia da informação e resolver desafios estratégicos das diferentes disciplinas da comunicação

Aline Scherer

A nova dinâmica digital e de mudanças rápidas de contexto no mundo e nos negócios tem demandado diferentes formas de comunicação e organização do trabalho e maior integração entre as áreas de conhecimento. Os gestores descobriram nos métodos ágeis, muito usados em projetos de desenvolvimento de software e nas startups, uma forma de resolver desafios estratégicos em menos tempo.

Os métodos ágeis surgiram no início dos anos 2000 e foram consolidados em um manifesto com 12 princípios (veja em https://agilemanifesto.org/). Sua aplicação é tão eficiente que se tornou até disciplina no MBA de Gestão de Comunicação Empresarial da Escola Aberje/FGV.  Em vez de seguir um plano à risca, o principal é acompanhar o ritmo dos acontecimentos e do avanço tecnológico e se adaptar às mudanças das demandas que surgem ao longo do trabalho. No lugar de planejamentos extensos executados “em cascata” (na medida em que uma área conclui uma etapa, outra área inicia a etapa seguinte), o modelo ágil preconiza formar equipes multidisciplinares que planejam, executam, testam os resultados e ajustam o planejamento conforme as mudanças de contexto.

Os métodos ágeis são tão eficientes que se tornaram disciplina no MBA da Escola Aberje/FGV

Um dos métodos ágeis é o scrum, que consiste em ter vários times pequenos e complementares – chamados de squads (esquadrões, em inglês), tribos ou células – trabalhando simultaneamente em uma parte de uma grande entrega. O termo scrum vem do rúgbi, que significa a tática de colocar de três a oito jogadores em uma ou três linhas para se moverem juntos e ao mesmo tempo com o objetivo de ganhar a posse da bola. O processo que geralmente ajuda a alinhar a gestão do scrum é o preenchimento e acompanhamento diário das equipes de um quadro de fluxo de trabalho, o kanban, que mostra o que já foi feito, o que está em andamento e o que falta fazer e com quem está cada tarefa.

Cada time ágil costuma conter um especialista de cada disciplina necessária para cumprir as tarefas do início ao fim. São definidos o papel de cada um e os indicadores de resultados. A gestão se apoia no tripé pessoas, processos e estratégias. “Dividimos o plano estratégico de comunicação em pequenos pacotes de entrega, com um horizonte de 12 meses, que segue o plano de negócios e suas diretrizes”, diz Isabela Pimentel, gestora de projetos e sócia-fundadora da consultoria Comunicação Integrada. Essas pequenas entregas a que Isabela se refere são realizadas em sprints: um curto prazo, geralmente de uma semana a 15 dias, mas pode ser mais, conforme o tamanho da entrega. Os próximos passos são decididos após a avaliação dos números de desempenho dos indicadores, em uma estratégia que Isabela chama de “comunicação orientada a dados”.

Com a colaboração do cliente

O agile tem também a característica de processos de inovação aberta ao construir projetos em colaboração com o cliente. É o que faz, por exemplo, a agência de relações públicas RPMA Comunicação a partir de um método próprio chamado Orbital. Inspirado no agile, é utilizado sobretudo para a geração de ideias e soluções e acontece em três etapas ao longo de um dia. Pela manhã, uma equipe de cerca de seis pessoas da agência se reúne para estudar o desafio proposto pelo cliente, mapear informações e coletar exemplos de mercado. À tarde, uma equipe do cliente se junta à da agência, que apresenta o que encontrou na primeira etapa, e o grupo conversa sobre possíveis soluções e ações estratégicas. É proibido vetar ideias; apenas fazer comentários para transformá-las para melhor. Ao chegar a uma lista de soluções, a equipe do cliente dá pontos para cada uma, conforme critérios pré-estabelecidos, como a aderência da ideia à estratégia da empresa, a viabilidade e o potencial de visibilidade.

Por fim, as ideias com as melhores pontuações passam por um teste com o levantamento de possíveis obstáculos para sua concretização – o que permite então decidir qual delas será implementada. “Com isso procuramos resolver em um dia o que duraria cerca de uma semana de trabalho”, afirma Marcio Cavalieri, sócio-fundador da RPMA. A colaboração é essencial nesse processo. A própria dinâmica Orbital foi criada pelos funcionários da agência, que se reuniram de forma voluntária em um sábado em um evento de integração da RPMA, que é oriunda da fusão entre as empresas RP1 e RMA, em 2019.

Além de utilizar métodos de gestão de projetos na área de comunicação, os comunicadores podem se tornar essenciais na gestão de projetos de todas as áreas ao gerar conexões necessárias entre as pessoas, utilizar habilidades como storytelling para a criação de sentido, apuração de informações, redação e edição de texto gerando inteligência e conhecimento sobre os dados e informações. “Informações são dados dotados de sentido. O conhecimento é a informação em ação. Ora, é como uma pauta musical; se você não sabe que nota é aquela, o dado não faz o menor sentido para você. Consequentemente você não tem informação”, explica Carlos Netto, doutor em psicologia social com foco em gestão de pessoas, pós-doutorando em Comunicação Social e professor da Aberje e de universidades paulistas.

Comunicadores podem se tornar essenciais na gestão de projetos de todas as áreas ao gerar conexões necessárias entre as pessoas

“O profissional da comunicação precisa ter habilidade de construir conexão. Precisa compreender que tipo de informação cada área produz, que tipo de informação cada área consome e como pode se fazer conexões em rede de tal forma que o conhecimento circule dentro das organizações”, recomenda Netto. Ele tem como referência a Ecologia da Informação de Thomas Davenport, professor de Tecnologia da Informação e Gestão no Babson College e consultor sênior da Deloitte Analytics em inovação de processos, gestão do conhecimento e análise de dados.

Na Ecologia da Informação é preciso “priorizar a facilidade de comunicação, a transmissão de informação não estruturada e a construção de redes em toda a organização, bem como no ambiente externo”. Para Davenport, “a comunicação com aqueles que serão afetados deve ser ampla, frequente e contínua”. Nesse sentido, as ferramentas digitais que facilitam a aplicação dos métodos ágeis, com suas dinâmicas gamificadas, se mostram extremamente eficazes se bem utilizadas e gerenciadas, desde redes sociais corporativas, como o Workplace, da Meta, e ferramentas de comunicação como o Teams, da Microsoft, até aplicativos de divisão e acompanhamento do trabalho, como Asana, Trello e Runrun.it.

Gestão de projetos estratégicos de comunicação

Novos métodos e ferramentas são especialmente úteis para ajudar a superar desafios como mudar a cultura e a forma como a comunicação corporativa é vista e trabalhada dentro e fora da empresa. Há pouco mais de um ano, Rosângela Nucara assumiu a direção de Comunicação do Grupo Ultra, holding de marcas como Postos Ipiranga, Ultragaz e Ultracargo, entre outras empresas, como a rede de lojas de conveniência AmPm, e Claudia David foi contratada para dirigir a Comunicação, Marca e Relações Institucionais da Sodexo On-site, companhia que presta serviços de alimentação e facilities para outras empresas e conta com mais de 45 mil funcionários distribuídos em 2 mil unidades no Brasil. Ambas as executivas encontraram o mesmo desafio: tornar a comunicação mais estratégica e alinhada aos negócios.

No período de adaptação, o desafio foi continuar fazendo o trabalho diário enquanto o grupo criava em conjunto o planejamento estratégico. “É natural que quem já está numa rotina acelerada não queira colocar nada a mais para complicar ou ter que aprender e desenvolver”, diz Rosângela. Coube à gestora procurar formas de engajar seu time e as equipes das diferentes áreas nas mudanças. Sua estratégia foi escutar as pessoas e entender quem estava mais aberto para então construir cases que pudessem servir de exemplo para outras pessoas e equipes.

O primeiro passo do projeto de transformação da comunicação do Grupo Ultra após Rosângela ouvir as pessoas e chegar ao diagnóstico foi organizar um workshop para a construção conjunta da governança da comunicação. Processos para a solicitação de comunicados e anúncios, definição de questionários de briefing e apuração de conteúdo e novas formas de catalogar os arquivos da memória institucional. “Isso desafogou a área e serviu para enfatizar que os processos vêm para facilitar, e não para burocratizar”, conclui a executiva.

Visão sistêmica

Lidar com novas formas de gerir projetos e equipes exige não só novos métodos, ferramentas e uma abordagem mais estratégica, mas também o desenvolvimento de novas habilidades, como a visão e o pensamento sistêmicos. Tida como habilidade essencial em 2022, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, a visão sistêmica amplia a visão linear. Passa a olhar “das partes para o todo, dos objetos para os relacionamentos, da medição para o mapeamento, do conhecimento objetivo para o conhecimento contextual e da estrutura para o processo”, de acordo com Fritjof Capra e Pier Luigi Luisi no livro A Visão Sistêmica da Vida: uma Concepção Unificada e Suas Implicações Filosóficas, Políticas, Sociais e Econômicas.

Lidar com novas formas de gerir projetos e equipes exige o desenvolvimento de novas habilidades

A empresa é vista como um sistema em que tudo está interconectado, que por sua vez está inserido em um ecossistema. As pessoas procuram complementar e fortalecer suas próprias capacidades com as de outras partes com a intenção de atingir o objetivo em comum. “Por exemplo, uma pessoa da minha área é especialista em comunicação externa e gestão de crise. Mas precisa ter um olhar sistêmico, fazer um plano de comunicação integrado que pense no todo, nas conexões que geram valor para o negócio. Isso vai demandar que ela converse com a especialista em comunicação interna. E assim contribuem uns com os outros”, explica Claudia David.

Para tornar a comunicação mais estratégica, a executiva atribuiu um ou mais papéis a cada integrante de sua equipe conforme a experiência profissional individual e a necessidade da área. Em paralelo, identificou pessoas para se tornarem pontos focais de comunicação. “Fui de área em área, num processo de educação sobre comunicação: o que é, qual nosso escopo e o que significa nosso trabalho, como funciona, e o que é a visão sistêmica”, conta.

Claudia colocou todas as etapas da transição estratégica em uma ferramenta de gestão de projetos de marketing e fortaleceu as trocas de informações pelo Teams, que a equipe de comunicação da Sodexo On-site utiliza também para o acompanhamento das atividades, em um kanban com gráficos de inteligência de dados. “Fazer a gestão de um projeto é sobre estabelecer objetivos, planejar, definir quem vai atuar, quem são os públicos com que é preciso conversar e como realizar o acompanhamento”, sistematiza a executiva.

Aline Scherer

Aline Scherer é comunicóloga e jornalista formada pela PUCRS, com experiência em cobertura de negócios, carreira, sustentabilidade e inovação. Estuda neurociência cognitiva aplicada ao consumo, espaços e design. Trabalhou durante cinco anos na revista Exame e integrou as redações da CNN Brasil, em São Paulo, da TV Pampa, em Porto Alegre, e a digital do Grupo RBS.

 
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