Estante COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 109 · 2022

O pensamento como ato de liberdade

O PENSAMENTO COMO ATO DE LIBERDADE

Duas visões sobre a nova biografia do filósofo francês Denis Diderot, assinada por Andrew Curran

 

DIVERTIDO, MAS SEM PERDER O RIGOR DA PESQUISA

Por Paulo Nassar

Em tempos repletos de certezas e polarizações de direita e de esquerda, leia sobre o filósofo Denis Diderot (1713–1784), editor-chefe dos 17 primeiros volumes da Enciclopédia, publicada na França na segunda parte do século 18. No ambiente do Iluminismo – movimento que defendia as ideias de liberdade, igualdade, fraternidade, progresso, separação radical entre Estado e Igreja, tudo isso e mais, em oposição à monarquia e à Igreja Católica –, Diderot concebeu um monumental lugar da razão que impressiona pela sua forma de organizar as informações disponíveis na época, expresso em 74 mil artigos e 23 mil referências cruzadas que discorrem sobre todas as áreas do conhecimento de sua época. A forma e os conteúdos da Enciclopédia são as bases das enciclopédias digitais e dos buscadores contemporâneos. É sobre essa saga da razão e da democratização do conhecimento que um dos mais cultuados intelectuais norte-americanos da atualidade, Andrew Curran, professor de humanidades na Universidade Wesleyan (EUA) e colaborador do The New York Times, The Guardian, Newsweek, El País, The Paris Review, entre outros, escreveu o extraordinário e instigante Diderot e a Arte de Pensar Livremente. O livro lançado em 2022 no Brasil pela Todavia é, muitas vezes, engraçado e tenso, tem o ritmo de uma boa série de streaming, sem perder o rigor da pesquisa e da metodologia perseguido pelo autor. Em 2019, Curran esteve no Brasil, a convite da Aberje, para falar de Diderot e da certeza de que o ceticismo é um excelente remédio para curar o dogmatismo e a ignorância.

Paulo Nassar é professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da Aberje

 

LEGADO INTELECTUAL

Por Lucas Negri

Denis Diderot (1713–1784) é mais conhecido como um dos criadores e principais contribuintes da Encyclopédie, o colossal esforço iluminista de reunião, secularização e divulgação do conhecimento humano, tendo sido seu editor-chefe e o autor de cerca de 7 mil de seus artigos. Mas, para o público francês e, internacionalmente, para o público mais especializado, ele é também um dos mais influentes autores do século 18, não só sendo figura basilar para a moderna crítica de arte ou para o realismo literário, como também influenciando figuras como Karl Marx e Sigmund Freud.

Por trás dessa fama, no entanto, há outro legado seu ao qual o acesso não é tão direto: falo da vivacidade de sua personalidade, no modo como ocupou e movimentou a cena intelectual e pré-revolucionária da França. É essa vivacidade que vem à tona com a biografia que Andrew S. Curran lhe dedica, aliando a narrativa romanceada da vida do filósofo, uma introdução a suas obras e ideias e uma descrição eloquente e de leitura prazerosa da sociedade da época, tudo ainda acompanhado de ilustrações e retratos dos personagens em cena. O livro perpassa a vida de Diderot investigando com detalhes, e sem nenhuma monotonia, episódios como sua prisão por desrespeito à moral religiosa, a amizade e a briga com Rousseau e os percalços na produção da Enciclopédia, além da tentativa de levar a vida comum aos palcos do teatro, a relação crítica com as artes plásticas, o pensamento acerca da origem das espécies e as liberdades sexual, amorosa e política.

Acessar essa vivacidade, hoje, tem importância prática: ver a história humana por trás do gênio anda a par com seu projeto cético de promoção da liberdade. Mais do que tomá-lo por herói em seu enfrentamento das estruturas dogmáticas e autoritárias, o livro ajuda a ver de que modo a arte de pensar livremente passa por mais do que um questionamento insurrecto, dependendo também de uma prática crítica fundamentada e de um jogo enérgico com a história e o contexto social – jogo esse que toma forma, afinal, por meio de habilidades comunicativas e da mobilização congregadora que elas são capazes de gerar.

Lucas Negri é bacharel em Letras e mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo.

 

Diderot e a Arte de Pensar Livremente
Andrew S. Curran
(Todavia)

 
COMPARTILHAR

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *