Futuro sustentável
Futuro sustentável
A PREOCUPAÇÃO COM A CRISE AMBIENTAL DO PLANETA TEM LEVADO OS CONSUMIDORES A COBRAR EMPENHO E ENGAJAMENTO DOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO. MUITAS EMPRESAS JÁ ESTÃO OLHANDO ADIANTE E TOMANDO AÇÕES EFETIVAS E VISIONÁRIAS
Uma crise climática vem sendo prevista desde os anos 1970, a partir das primeiras evidências científicas do aquecimento global devido à emissão de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono. Essa emissão é decorrente da queima de combustíveis fósseis, do mau uso do solo e de desmatamentos em larga escala. Outra crescente preocupação ambiental diz respeito ao esgotamento dos recursos naturais. A percepção do planeta à beira de um colapso tem mobilizado cada vez mais as novas gerações de consumidores, que cobram com vigor empenho e iniciativas das organizações. Não seria exagero dizer que o sucesso da maioria das empresas hoje está ligado a seu engajamento em práticas sustentáveis. E quem enxerga o futuro já tem uma vantagem competitiva.
A Bayer planeja investir 5 milhões de euros nos próximos três anos em um projeto para viabilizar sua entrada no mercado de carbono
Na vanguarda da sustentabilidade, a fabricante de cosméticos Natura lançou, em 2007, o Programa Carbono Neutro. Construído sobre os pilares inventário, redução e compensação, o programa garante que todos os produtos da empresa tenham 100% da emissão de poluente compensada. São considerados desde os gases emitidos durante a extração de matérias-primas e o uso de recursos naturais até o descarte de produtos pelo consumidor, implementando ações para redução na própria empresa e nos parceiros. A Natura anunciou que reduziu 10% de sua emissão de CO2 em 2020, em comparação com o ano anterior.
A empresa estima que a cada real investido no programa são gerados 31 reais em “cobenefícios” sociais e ambientais em diferentes biomas. Isso significa que, ao aprender com o povo amazônico conhecimentos sobre os ativos locais, remunera-os por isso. A compensação também ocorre por meio de apoio a projetos com benefícios socioambientais no Brasil e na América Latina, como reflorestamento com espécies nativas, eficiência energética, substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis, tratamento de resíduos, redução das emissões por desmatamento e degradação florestal.
Uma parceria da Natura e do Itaú Unibanco, com apoio do Instituto Ekos Brasil, viabiliza uma plataforma para que mais empresas possam comercializar créditos de carbono. Essas iniciativas permitem à companhia, ao mesmo tempo que diminui os riscos de produção, construir uma narrativa sólida e consistente. “O trabalho da Natura na Amazônia contribui com a conservação de 1,8 milhão de hectares de Floresta Amazônica. Até 2030, conforme documentado no Compromisso com a Vida do grupo Natura &Co, temos a meta de ampliar para 3 milhões de hectares”, afirma Denise Hills, diretora global de Sustentabilidade da Natura.
MERCADO DE CARBONO
Os olhos do mundo têm se voltado para o Brasil com mais atenção ainda desde o aumento fora do comum das queimadas em 2019. A Amazônia e o Cerrado representaram 96,7% das áreas desmatadas no país – apenas 0,5% desse total foi realizado dentro da legalidade, de acordo com a MapBiomas, rede formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia. O Brasil tem enorme potencial no mercado de carbono – se preservar e replantar suas florestas –, e a solução vem sendo apontada por especialistas como saída para a crise econômica. Em 2019, as emissões de carbono no Brasil somaram 2,18 bilhões de toneladas, com crescimento de quase 10%. Conforme definido no final dos anos 1990 pelo Protocolo de Kyoto, 1 tonelada de carbono não emitida corresponde a um crédito. O Acordo de Paris propõe criar um livre mercado de comércio do carbono, e a proposta deve ser revisitada em novembro de 2021, na Conferência do Clima.
A empresa química e farmacêutica Bayer planeja investir 5 milhões de euros nos próximos três anos em um projeto para viabilizar sua entrada no mercado de carbono. O piloto no Brasil, em parceria técnica com a Embrapa, teve início na safra 2020/2021, com 500 agricultores em 14 estados brasileiros, totalizando mais de 60.000 hectares. O grupo recebe ensinamentos sobre boas práticas agrícolas para reduzir suas emissões de carbono – e até sequestrar os gases do efeito estufa da atmosfera e fixá-los no solo. Por exemplo, fazendo alternância entre diferentes culturas e, no lugar de passar o arado para “limpar” a terra, deixar a biomassa da cultura anterior, rica em nutrientes, e garantindo maior proteção contra intempéries climáticas. Uma análise mais detalhada dos resultados está sendo feita em 50 lavouras com um sistema proprietário da Bayer que coleta e processa automaticamente os dados do campo para gerar uma certificação. “O agricultor poderá ter receita extra, produzir mais sendo sustentável e conseguir taxas de juros mais atraentes nos bancos porque terá menos risco”, afirma Fábio Passos, diretor do Negócio de Carbono da divisão agrícola da Bayer. Uma regulamentação do mercado de carbono no Brasil será importante para esse processo.
A pauta ajuda a posicionar a Bayer no mercado como uma empresa inovadora. E, se o trabalho na área de negócios é meticuloso, o de comunicação não fica atrás. A divulgação do projeto para a imprensa incluiu infográficos e vídeos para explicar o mercado de carbono e as técnicas de agricultura regenerativa, além do treinamento de porta-vozes e workshops com influenciadores. “É um tema complexo de ser explicado e distante da realidade de muitas pessoas”, afirma Daniela Barros, diretora de comunicação da divisão agrícola da Bayer. A repercussão foi positiva: com cerca de 600 menções na imprensa entre julho e dezembro, a Bayer avalia que está sendo vista como uma marca associada ao mercado de carbono no agronegócio. Um indicativo são os contatos realizados por leitores dessas publicações que são do agronegócio, interessados em participar da iniciativa. A Bayer pretende apresentar ao público ainda em 2021 os primeiros resultados do projeto.
Desenvolver programas com centenas ou milhares de fornecedores requer uma estrutura de governança robusta. Para atingir suas metas globais de sustentabilidade, a produtora de fertilizantes The Mosaic Company, presente em 40 países e com atuação em 11 estados brasileiros, criou em 2020 no país um comitê liderado por quatro vice-presidentes que se reporta direto à CEO local da empresa, Corrine Ricard. Até 2025, quer reduzir 20% das emissões de CO2 geradas por cada tonelada de seus produtos. Uma das primeiras iniciativas foi contratar o Instituto Ethos para promover treinamentos em sustentabilidade com seus fornecedores e parceiros de negócios.
O projeto deve contribuir para atingir outras metas, como a promoção da diversidade e da inclusão e a preservação da água. Antes a atuação da Mosaic em sustentabilidade passava pela atuação do Instituto Mosaic, que já era interligado ao negócio. “Com a nova agenda ESG, o instituto passou a trabalhar também inserido na dinâmica do comitê de sustentabilidade, acompanhando diversos pilares de atuação”, explica Arthur Liacre, vice-presidente de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade da Mosaic Fertilizantes. O grupo se reúne uma vez por mês para checar o avanço nos projetos e eventualmente convida especialistas externos para se atualizar e entender mais a fundo algumas pautas, “nivelando” o entendimento de todos.
A Dow Química estabeleceu a meta de que 100% de seus produtos sejam reutilizáveis ou recicláveis até 2035
ECONOMIA CIRCULAR
De acordo com especialistas, desde os anos 1970 a demanda da humanidade por recursos naturais é maior do que a capacidade do planeta de regenerá-los no ritmo em que os consumimos.
O conceito de sustentabilidade surgiu na mesma época para definir o uso do solo, da água, do ar, dos minérios, entre outros recursos da natureza, de forma a satisfazer às necessidades das gerações atuais sem comprometer as gerações futuras. É por isso que vozes como a da jovem sueca Greta Thunberg, hoje com 18 anos, são tão representativas ao exigir ações concretas.
A reciclagem e a reutilização de materiais são fundamentais no combate aos efeitos das mudanças climáticas, bem como a inovação e o desenvolvimento de novos materiais.
Em suas quatro fábricas, a Ypê, dona das marcas de produtos de limpeza e higiene Ypê, Assolan, Atol, Perfex e Tixan, tem trabalhado para reduzir e reutilizar cada vez mais a água, principal insumo de sua produção. Na fábrica de Anápolis (GO), está implantando jardins filtrantes, que utilizam plantas para purificar a água, complementando a estação de tratamento de esgoto já existente no local. A empresa patrocina projetos de preservação, como Observando os Rios, da Fundação SOS Mata Atlântica, que monitora a qualidade da água de 244 rios em 17 estados em que há cobertura de Mata Atlântica. Sabendo da importância de todos nesse processo, procura conscientizar os consumidores. Estampou mensagens sobre sustentabilidade nas lonas dos caminhões que fazem a entrega de seus produtos pelo Brasil, rodando em média 360 mil quilômetros por mês. Na campanha digital que celebra seu aniversário de 70 anos, a empresa fala de temas como água, árvores e a reciclabilidade de suas embalagens.
A reciclabilidade dos resíduos produzidos pela indústria, principalmente embalagens, tem sido uma preocupação crescente, e fabricantes de matérias-primas vêm investindo na pesquisa e no desenvolvimento de novos materiais. Com nove fábricas no Brasil, a Dow Química estabeleceu a meta de que 100% de seus produtos sejam reutilizáveis ou recicláveis até 2035. Em 2020, a Dow lançou uma resina de plástico reciclado com as mesmas propriedades de uma resina virgem. “Já era possível fazer resina de plástico pós-consumo, mas sua performance não era a mesma que a de resina virgem, então ela era utilizada para fabricar sacolas de lixo bem grossas, por exemplo. Agora conseguimos aplicar em embalagens de xampu e pasta de dentes, entre outras”, conta Matias Campodonico, diretor de Relações Institucionais e Sustentabilidade para a América Latina da Dow.
A fim de gerar insumos para a produção da resina, em 2018 a Dow contratou cinco cooperativas de reciclagem de São Paulo e conseguiu aumentar, no primeiro ano, 37% da coleta de resíduos de plásticos. “Mostramos aos cooperados o valor do plástico e ensinamos como separar os diferentes tipos”, diz Eleni Gritzapis, diretora de Comunicação Corporativa da Dow. O modelo deu tão certo que está sendo replicado em outros países onde a empresa tem fábricas, como Argentina, Colômbia e México.
A Ypê tem trabalhado para reduzir e reutilizar cada vez mais a água, principal insumo de sua produção
Para que uma iniciativa de economia circular como essa prospere, o cumprimento da Política Nacional dos Resíduos Sólidos é fundamental. Ela exige que as empresas coletem parte do descarte dos produtos que colocam no mercado – a chamada logística reversa. As companhias têm se unido para a criação de pontos de coleta e na conscientização das pessoas. Desde 2019, a 3M – detentora de marcas como Post-It, Nexcare e Scotch-Brite e fabricante de materiais para diferentes indústrias – tem uma parceria com a rede atacadista Makro, com pontos de coleta de produtos usados em seus supermercados.
Outra parceria, com a startup TerraCycle, firmada em 2014, permite reciclar as esponjas recolhidas nos pontos de coleta para transformá-las em insumo para a fabricação de vasos, bancos, pás de lixo, entre outros produtos.
Na 3M – assim como na Natura –, a sustentabilidade é um critério para a criação de novos produtos e transversal às diferentes áreas da empresa. “Por isso, nosso vice-presidente global de Pesquisa e Desenvolvimento é também o líder global de Sustentabilidade para alinhar essas duas frentes [inovação e meio ambiente]”, explica Paulo Gandolfi, diretor de operações de P&D e Inovação na 3M América Latina. “Os critérios ESG e a inovação na 3M estão alicerçados num ponto em comum, que é uma consciência guiada pela ética. Em 1975 já tínhamos código de conduta, com treinamentos e regras para os homens e as mulheres da empresa”, ressalta Luiz Serafim, head de Marca, Comunicação, Digital e E-commerce. Não à toa a 3M é reconhecida globalmente por sua inovação e tem uma cientista-chefe com o papel de disseminar o valor da ciência tanto para dentro quanto para fora da organização.
Deixar os valores da sustentabilidade bem claros por toda a companhia é fundamental para que seus objetivos sejam cumpridos e a marca institucional seja reconhecida. Quanto mais uma empresa se torna sustentável e novas metas são definidas, inovar se torna mais desafiador. No caso da química Henkel, dona de marcas como Cascola, Loctite, Pritt e Schwarzkopf Professional, até o vapor d’água é levado em conta. Neste ano a empresa está renovando seus processos e equipamentos para reaproveitar o vapor disperso pelas caldeiras e gerar calor de volta para elas. A meta é tornar todas as operações globais da companhia 75% mais eficientes até 2030, se comparadas às métricas de 2010. Em 2020 a empresa atingiu 43% de eficiência.
Na 3M a sustentabilidade é um critério para a criação de novos produtos e transversal às diferentes áreas da empresa
A cola-bastão Pritt, que já foi mais sintética, hoje é biodegradável, utilizando 97% de componentes naturais, como amido de batata, açúcar e água. “Se um produto novo gerar impacto negativo comparado ao que já existe, ele não é lançado; volta para o desenvolvimento”, explica Fabio Mincarelli, gerente de comunicação da Henkel. Uma forma de firmar essa ideia é o programa Embaixadores da Sustentabilidade, lançado há quase uma década, que treina 100% dos funcionários para adotar as melhores práticas ambientais em suas rotinas de trabalho. “Nossa missão é ser multiplicadores de conceitos. Se cada um dos 50 mil funcionários passar essas ideias para mais cinco pessoas, já teremos mais gente educada”, avalia Sergio Crude, diretor de Segurança, Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade da Henkel para a América Latina. Bons exemplos de como a comunicação sobre a governança ambiental pode ir muito além dos limites das empresas.