19 de novembro de 2021

Na COP26, comunicação das empresas foca em mobilização e compromissos

Em entrevista para a Aberje, comunicadores de companhias com atuação no Brasil compartilham as estratégias de comunicação e reputação que foram tomadas na COP26 e devem seguir de modo consistente.
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Em entrevista para a Aberje, comunicadores de companhias com atuação no Brasil compartilham as estratégias de comunicação e reputação que foram tomadas na COP26 e devem seguir de modo consistente

Na primeira quinzena de novembro, cerca de 30 mil pessoas se reuniram na Conferência das Partes, a COP26, em Glasgow, na Escócia, para discutir o futuro do planeta ao considerar as mudanças climáticas. O evento foi encerrado com novas diretrizes para a criação de um mercado de carbono ao resgatar o Acordo de Paris, de 2015, além de metas para mitigação, adaptação e mais.

Neste cenário, sabe-se que o Brasil teve a maior delegação oficial da COP26, com a presença de 466 pessoas, segundo o embaixador britânico Peter Wilson. Além dos governos e da sociedade civil, as empresas são extremamente importantes para que, agora, os objetivos sejam alcançados. Por conta disto, por exemplo, a Aliança Financeira de Emissões Zero de Glasgow, um grupo que inclui 450 instituições financeiras, anunciou que empresas responsáveis pela administração de 130 trilhões de dólares de capital, o equivalente a 40% dos ativos do mundo, comprometeram-se a assumir uma parcela da descarbonização.

Quando se olha especificamente para os compromissos assumidos pelo Brasil, como o fim do desmatamento que ainda segue crescente, a relevância do setor privado é considerável, uma percepção que já está no radar das companhias mais atentas à importância das práticas de ESG, sigla em inglês para environmental, social and governance (ambiental, social e governança, em tradução livre). Neste campo, a comunicação alinhada em toda a companhia é essencial para bons resultados.

Box: cinco destaques da COP26 para ficar de olho

  • O Brasil se comprometeu com a neutralidade de carbono até 2050. Neste cenário, se destacam as empresas que buscam a mesma meta e as comunicam para todos os públicos.
  • O social ganhou força na sigla ESG. Jovens, negros, indígenas e outras populações socialmente minorizadas tiveram voz na COP26. As empresas com ações efetivas de inclusão são essenciais na jornada.
  • O combate ao desmatamento, que segue crescente no país, é fundamental para conter o aquecimento global. Empresas com ações nesta frente devem comunicar seus avanços.
  • A transparência é um valor cada vez mais necessário para comprovar as práticas e comprometimento. Relatórios de sustentabilidade e outros mecanismos ganham força.
  • A transição para a economia verde deve considerar uma contenção de danos e perdas, com planos robustos de ação e comunicação para preservar empregos e territórios.

 

“Particularmente, percebi uma atuação maior das empresas nesta COP. Foi um grande ganho e aprendizado, pois as áreas de comunicação são responsáveis pela reputação, que é construída com base em posturas e ações concretas das empresas. Apenas comunicar a presença na COP não é suficiente”, diz Fábio Toreta, superintendente de Comunicação da Sabesp.

Fabio Toreta

Por lá, a companhia de saneamento Sabesp participou por meio de uma parceria formal com a UNFCCC, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, quando realizou debates, mostrou boas práticas, como a transformação de lodo do tratamento de esgoto em biocombustível, e mais. “Fizemos uma parceria formal de longo prazo, que mostra compromisso e pode influenciar as empresas no Brasil”, afirma Toreta.

Essa influência deve atingir também os demais stakeholders por meio da comunicação. “A comunicação, na verdade, é um movimento essencial dentro dessa dinâmica. No nosso caso, temos que levar uma conscientização entre o que a empresa pode fazer, e o quanto a população pode preservar a água. Assim, procuramos tornar o mais acessível possível os conteúdos técnicos e complexos. Tivemos uma atuação nas redes sociais, em transmissões ao vivo, contato com os colaboradores e outros”.

Outra companhia que marcou presença por meio de uma parceria oficial foi a fabricante de papel e celulose Klabin, que em outubro de 2020 foi convidada pelo presidente da COP, Alok Sharma, a compor o Business Leaders, um grupo de dez empresas representantes, sendo a única da América Latina. Durante um ano, o presidente Cristiano Teixeira participou de reuniões com temas como NetZero. A empresa também fez uma parceria com a Rede Brasil do Pacto Global, campanhas de mídia ao longo do ano, além de lives para contar os desafios do setor privado.

Na COP26, Teixeira e Francisco Razzolini, diretor de Tecnologia Industrial, Inovação, Sustentabilidade e Projetos, participaram de painéis oficiais, atenderam a imprensa, estiveram em eventos de parceiros e mais. “A área de comunicação apoiou as falas, transformou os momentos em conteúdo, boletins e outros. Além de ter feito um robusto mapeamento e planejamento ao longo do ano, com publicidade nos principais veículos de cobertura da COP26, anúncios em pontos estratégicos do Brasil, como aeroportos e mais. Esta é a grande causa da Klabin no ano”, afirma Carime Kanbour, gerente de Comunicação, Desenvolvimento Sustentável e Relações Institucionais da Klabin, que também esteve na COP26.

Carime Kanbour (Foto: Anderson Rodrigues)

Para a executiva, o sucesso da ação está em sensibilizar os diferentes públicos. “Temos resultados concretos de uma atuação reputacional. Muito mais do que um olhar de marketing, estamos de fato envolvidos nas questões de mudanças climáticas, com executivos em agendas oficiais, o tema permeando toda a atuação da companhia, inclusive, por exemplo, em eventos para gerentes regionais de modo que os colaboradores façam a conexão com os negócios”, diz.

Para isto, são meses de preparação, conversas com especialistas, alinhamento de informações e construção de repertório. Agora, é importante a continuidade. “É uma ação que não acaba na COP26. Vamos desenvolver a estratégia para 2022 mantendo o tema vivo na companhia e acompanhando as discussões globais para estarmos na COP27, no Egito. Esta é uma bandeira da companhia”, diz Kanbour.

A consistência da comunicação mostra como os valores se tornam marcas. A fabricante de cosméticos Natura &Co, por exemplo, esteve presente na COP26 reafirmando compromissos, como o plano Visão de Sustentabilidade 2030 – Compromisso com a Vida. Por lá, a companhia apoiou uma exposição do fotógrafo Sebastião Salgado, lançou o portal Plena Mata, de monitoramento em tempo real do ritmo de desmatamento da floresta Amazônica, e reforçou a importância de cinco temas, entre eles a preservação da biodiversidade e a justiça climática. O grupo também participou de ações diversas com seis executivos de alto escalão, sendo dois deles os presidentes de Natura e The Body Shop, Roberto Marques e David Boynton.

“A discussão da COP é permanente na Natura &Co. São temas que pautam as mudanças climáticas e nosso jeito de fazer negócios. Somos uma empresa carbono neutro desde 2007, atrelamos os bônus dos executivos com emissões de gases de efeito estufa, além de outras inúmeras ações. É importante que as empresas tenham dimensão do impacto que causam e ajudem a mudar o cenário. Assim, a comunicação tem um chamado de mobilização, e num momento em que a gente vê tanta desinformação precisamos nos ater aos fatos e comunicá-los a todos”, diz Michel Blanco, head de Comunicação Corporativa da Natura.

Michel Blanco (Foto: Anderson Rodrigues)

Para que as ações sejam bem comunicadas, os executivos precisam estar bem preparados, inclusive para atuar de novas formas. Na fabricante de alimentos BRF, a vice-presidente global de Relações Institucionais e Sustentabilidade, Grazielle Parenti, participou de dois painéis, acompanhou as ações de outras empresas e lançou o primeiro produto carbono neutro da companhia, o Veg Frango 100% Vegetal, da linha Sadia Veg&Tal. Tudo isto, foi compartilhado pela própria executiva no Instagram institucional da BRF.

“Ela atuou como repórter, mostrando os bastidores, o evento e conversando com pessoas interessantes. O resultado foi muito bom porque houve autenticidade. Nós a auxiliamos com dicas e repertório, mas o fato dela dominar o assunto foi essencial”, diz Raquel Ogando, diretora global de Comunicação e Reputação da BRF.

Raquel Ogando

Assim, a companhia percebeu alto engajamento em diferentes canais. “Já no pré-aquecimento, em outubro, a COP26, foi o terceiro tema de maior interesse na nossa newsletter interna; um dos posts mais comentados na rede social de colaboradores, e nas redes externas alcançou o NPS máximo”, disse Ogando, que espera o fim do mês para ter os resultados de novembro.

Para a executiva, os números mostram como a companhia tem se estabelecido em uma agenda que vai além da COP, com a divulgação do plano ESG no ano passado, fóruns temáticos periódicos, e compromissos publicamente assumidos. “O tema é único, mas os ângulos são diferentes. O segredo é saber como trabalhá-lo de modo 360 graus”, afirma.

Deste modo, até quem não fez um novo anúncio na COP26 percebeu a importância de estar presente e protagonizar as mudanças setoriais. Um exemplo é da indústria química Braskem, que patrocinou cadernos especiais em jornais, e aproveitou o momento para reafirmar compromissos, como dos objetivos ESG anunciados no início do ano, que incluí ser carbono neutro até 2050. “O foco da participação foi relacionado ao entendimento das metas e na promoção de conexões, pois sabemos que ninguém chegará sozinho aos compromissos. Somos a base da cadeia e entendemos que todos temos que estar em busca dos mesmos objetivos”, diz Ana Laura Sivieri, diretora de Marketing e Comunicação Corporativa da Braskem.

Ana Laura Sivieri

Para isto, a comunicação mapeou importantes pontos de contato para dois executivos que estiveram no evento: o diretor e a gerente de desenvolvimento sustentável. A atividade foi pragmática e acompanhou mudanças de narrativas das empresas. “Venho observando que há alguns anos as comunicações corporativas eram mais inspiracionais e hoje são concretas, abordam entregas rastreáveis e compromissos”, diz Sivieri. “Antes as empresas mostravam ações legais, mas não exatamente o que estavam fazendo, agora é preciso mais”.

A lição é comunicar evidências e se fazer presente

A participação e o engajamento do setor privado na COP26 trazem algumas perspectivas para a comunicação empresarial. Mais do que um bom discurso sobre sustentabilidade, é necessário que organizações comuniquem evidências embasadas em dados sobre uma atuação sustentável, além de se fazerem cada vez mais presentes na ampliação dos compromissos firmados em prol do planeta. E para um engajamento real, é necessário falar de maneira compreensível para cada público específico. Ou seja, não se comunica sustentabilidade ou ESG da mesma forma para todos os públicos com quem uma empresa interage. Essa é grandeza da comunicação: fazer-se entender em diferentes realidades, prezando para que todos façam parte desse diálogo.

A temática e sua complexidade expõem de forma evidente a condição do comunicador: não há mais espaço para um mero divulgador, pelo contrário, é necessária uma comunicação estratégica, alinhada aos negócios e atenta às demandas da sociedade. Não se trata de apenas comunicar o posicionamento de uma organização, mas incluir os diversos públicos de interesse na construção de um olhar sistêmico sobre a sustentabilidade. Quando os públicos apenas recebem uma comunicação pronta, especialmente sobre esse tema, não se sentem parte. É como se a sustentabilidade não fosse sua responsabilidade, não há engajamento. Diferentemente ocorre quando comunicadores envolvem seus públicos na construção de um raciocínio sistêmico sobre a realidade: todos fazemos parte da sustentabilidade de uma organização porque impactamos e somos impactados por ela. A adoção de uma agenda ESG pelas empresas, bem como sua comunicação bem feita, traz vantagens competitivas, melhora de reputação e imagem, ampliação de diálogo com seus diversos públicos e, consequentemente, maior lucratividade.

 

Sugestões de leituras para se aprofundar no tema

  • A EXAME lançou uma reportagem na revista impressa e site com o balanço da COP26, além de uma pesquisa exclusiva sobre reputação em ESG versus resultados financeiros.
  • O VALOR ECONÔMICO publicou uma visão de futuro e a necessidade de focar em adaptações para uma transição econômica justa e sustentável.
  • A FOLHA DE S. PAULO explanou sete medidas práticas que os governos devem tomar após a COP26, há ações para redução de metano, uso de combustíveis fósseis e mais.
  • O THE GUARDIAN publicou o acordo da indústria automobilística junto a 24 países para encerrar as vendas de veículos abastecidos com combustíveis fósseis até 2040.
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