11 de março de 2021

Equidade de gênero é tema de debate no Dia da Mulher

Processos de seleção, diferença salarial, machismo, autopunição, maternidade e assédio foram alguns dos tópicos abordados em live transmitida pela Aberje

Processos de seleção, diferença salarial, machismo, autopunição, maternidade e assédio foram alguns dos tópicos abordados em live transmitida pela Aberje

Foi-se o tempo em que o homem era o único provedor do lar. Presente em diversos segmentos, a mulher vem conquistando cada vez mais o seu espaço no mercado de trabalho, ocupando postos diretivos nas grandes organizações. No entanto, na mesma medida em que cresce o número de mulheres em cargos mais elevados, cresce também o grau de discriminação e preconceito, dificultando o progresso na carreira e mantendo os holerites femininos mais baixos que os masculinos. A diferença salarial é apenas uma das diversas adversidades vivenciadas pela mulher há décadas no ambiente de trabalho.

Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, no dia 8 de março a Aberje promoveu uma live para abordar o tema “Equidade de Gênero: As empresas estão dando esse espaço? Como a comunicação pode ajudar nisso?”. A conversa, transmitida no canal da associação no Youtube, foi mediada por Ricardo Barberena, professor de Literatura Brasileira na PUC/RS, e contou com a participação de Angela Faria, diretora de Comunicação América do Sul e Cultura Global da Ingredion; Elaine Terceiro, head de Treinamento na Mais Diversidade; e Elisa Prado, diretora de Comunicação Corporativa da Telefônica Vivo.

A Comunicação abrindo caminhos

A sociedade brasileira ainda precisa percorrer um longo caminho para tornar efetiva a igualdade entre homens e mulheres, declarada na Constituição de 1988. Desde então, muitas foram as conquistas alcançadas pela mulher, apesar da segregação que ainda existe condicionada à visão de uma sociedade machista e da persistente e evidente discriminação no mercado de trabalho. 

Angela Faria, diretora de Comunicação da Ingredion, indústria de soluções em ingredientes, entende que a junção entre a estratégia da diversidade, equidade e inclusão e a fortaleza da comunicação como ativação de cultura foi muito importante para a empresa que “até pouco tempo falava muito pouco desse assunto”. Durante a live, ela conta o que vem sendo praticado na empresa para o avanço da agenda de equidade.

Angela Faria

Atualmente, 32% das mulheres ocupam cargos de liderança na organização, número que, segundo Angela, cresce a cada ano. A meta é contratar 50% de mulheres até 2030. “Temos que olhar para esse diálogo dentro da organização para formar um ambiente de inclusão em que a mulher se sinta pertencente. Um dos nossos cinco valores, lançados a dois anos e meio, é ‘Todos pertencemos’; além de criarmos grupos de afinidades para negócios”, comenta. 

A comunicação tem tido um papel fundamental nesse processo, abrindo diálogos com qualquer público da empresa. “Nosso maior papel enquanto comunicadores é ouvir e propiciar o diálogo. Como nossa estrutura de Comunicação está dentro da de Recursos Humanos, enquanto ativamos os planos de comunicação para suportar o tema de diversidade, equidade e inclusão, também criamos ações nesse sentido”, explica. “Levamos a conversa à liderança para que apoiasse o RH na questão de treinamentos em toda a organização. A estratégia é global, mas nossos esforços são regionais na América do Sul: Brasil, Argentina, Peru e Colômbia”, complementa.

Cada um na sua 

Com 33 mil colaboradores, a Telefônica Vivo vem atuando de forma transversal na criação de processos e ferramentas com apoio da alta liderança, segundo a diretora de Comunicação da companhia, Elisa Prado. “Não podemos negar: todos nós temos vieses inconscientes que criam barreiras. Se não houver tração da liderança de cima para baixo esse assunto morre”, argumenta. 

Elisa conta que desde 2019, a Vivo tem metas de diversidade e gênero vinculadas ao bônus dos executivos. “São 25% das mulheres atuando no conselho de administração e 30% em cargos de liderança, que trazem esse novo olhar para a nossa empresa. Além disso, temos 100 mulheres em áreas técnicas; imagina aquelas mulheres que sobem nos postes para arrumar a nossa internet! Ficamos muito felizes com isso!”.

Elisa Prado

Entre os programas da Vivo, o “Vem de você” estimula os colaboradores a irem trabalhar ‘do jeito que são’ – corte de cabelo, tatuagens, vestimentas – seja nos escritórios ou nas lojas da rede espalhadas pelo Brasil. Para chegar nesse ponto, é preciso criar metas, ferramentas, processos e muita, muita comunicação, além de diálogo aberto e transparente. “Tudo isso é fruto de muito trabalho, é uma jornada de aprendizado. Os processos de seleção, por exemplo, são importantíssimos. Em cada um deles seguimos com, no mínimo, uma mulher e um negro até o final”, revela Elisa, contando que 76% da equipe de comunicação no Brasil é formada por mulheres.

“A Vivo é hoje uma empresa diversa e inclusiva. Acreditamos que a diversidade é um diferencial de inovação, que gera um ambiente diverso com muita criatividade e talentos”, salienta a executiva. 

“Costumo dizer que diversidade e inclusão são imperativos para o sucesso dos negócios. Do contrário, não haverá lugar para essas empresas no curto e longo prazos. A comunicação realmente é fundamental para que essa transformação aconteça de forma genuína”, conclui Elisa.

Desconstrução através da Comunicação

A promoção da equidade de gêneros vem ganhando força através de reflexões sobre os estereótipos de gênero no contexto em que vivem. Ao levar informações educacionais e conhecimentos sobre essas questões para pessoas pertencentes à diversos níveis sócio-educacionais em todo o Brasil, a psicóloga Elaine Terceiro vivenciou algumas experiências interessantes através do trabalho da Mais Diversidade – consultoria com clientes em diferentes segmentos e setores de negócios, como financeiro, mineração, siderurgia, varejistas. 

Elaine Terceiro

Seja em usinas hidrelétricas, indústrias siderúrgicas e de mineração ou em pleno alto mar a bordo de navios petrolíferos, a predominância masculina é instrumento de trabalho nas sessões de treinamento e nas rodas de conversas articuladas por Elaine. “Justamente para trazer à baila toda a questão da equidade de gênero e como os homens podem nos auxiliar nessa jornada. Nos bate-papos surgiram muitas coisas sobre o silenciamento dos homens em relação à equidade de gêneros e sobre questões ligadas ao machismo estabelecido na educação desses homens e a forma como eles aprenderam a se relacionar com as mulheres”. 

Em sua visão, esse é um trabalho de desconstrução. “Para que essas empresas consigam atingir outros patamares, falamos sim de educação de liderança, mas estamos falando da educação de uma base que está nas operações dessas organizações e que são o retrato da população brasileira. Todos nós somos educados numa construção absolutamente machista, de soberania dos homens”, frisa.

Principalmente nesses setores, a comunicação se faz preponderante; é por meio dela que se torna possível desmistificar essas relações interpessoais. “Isso começa dentro de casa, por isso muitas indústrias já criaram canais e mecanismos de aconselhamento para auxiliar não apenas as mulheres, mas ajudar os homens nessas tratativas. Ainda se faz necessário que a comunicação seja a mais visual e tangível possível, através de exemplos, seja por canais de tv, totens ou guias impressos”, recomenda a executiva.

Síndrome da impostora

Foto: Pinterest

A comunicação é vital para que haja sucesso em todas as iniciativas, além de diálogo e mentoria. Essa é a receita que vem dando certo para Elisa Prado, na Vivo. “Para engajar as pessoas é preciso formar grupos que se reúnam para falar sobre seus desejos e desafios, para trocar experiências. No nosso grupo de mulheres participam cerca de 700 pessoas. São diálogos importantes para ouvirmos o que as pessoas estão pensando. Temos um cronograma de atividades e definição de ações que são feitas mensalmente”, revela.

Neste mês de março, a equipe de Comunicação está trabalhando a “Síndrome da impostora”. “É como uma autopunição que inibe as nossas conquistas profissionais, que nos faz pensar que não temos direito de estar em determinada posição hierárquica, que faz com que tenhamos que provar a nós mesmas a nossa capacidade no contexto corporativo. Estamos estimulando a autoconfiança das mulheres para que se sintam seguras, percebam o próprio potencial e que internalizem que elas podem ser o que quiserem”, acentua.

Linguagem neutra como elemento inclusivo

Foto: Reprodução nossacausa.com

Popularizada pelas redes sociais, a Linguagem Neutra como um elemento inclusivo e de promoção da igualdade de gênero é tema polêmico por propor mudanças na Língua Portuguesa. Essa linguagem se utiliza de uma terceira vogal (e) para caracterizar a neutralidade e se referir a todos, sem particularizar gênero – forma como o indivíduo se enxerga no mundo, como se comporta e deseja ser tratado. 

Utilizada em ambientes mais informais, a linguagem neutra de gênero se utiliza do ‘e’ no final de algumas palavras – ‘todos’ por exemplo, torna-se ‘todes’. “Não recomendamos a utilização de ‘x’ ou ‘@’, pois não são inclusivos para públicos com deficiência visual, auditiva ou mesmo surdos”, ressalta Elaine, revelando que esse tipo de linguagem vem sendo muito discutido nos programas de diversidade e inclusão das empresas e nos grupos de afinidades ERGs e BRGs – terminologia usada para se referir aos Grupos de Recursos para Funcionários (Employee Resource Groups, ERG) e aos Grupos de Recursos Empresariais (Business Resource Groups, BRG). 

“Quando falamos de mulheres, estamos falando de todas as mulheres: as ribeirinhas, as quilombolas, as mulheres do campo, as mulheres da cidade, as mulheres da indústria e as mulheres LGBTs”, reforça Elaine.

Homens ainda ganham mais do que as mulheres

Foto: Shutterstock

Mesmo assegurada pela legislação brasileira, a igualdade salarial entre homens e mulheres que atuam na mesma função está longe de ser uma realidade. Pesquisas indicam que no Brasil, o salário das mulheres é, em média, 22% menor que o dos homens. Por que isso ainda acontece? Será o preconceito oriundo de um machismo latente na sociedade maior do que a lei? Seja por discriminação ou preconceito enraizado ou ainda pela visão retrógrada por parte do empregador – em relação à maternidade, afazeres domésticos, ocupação em cargos de liderança, por exemplo – a discrepância salarial e a desigualdade de gênero no local de trabalho existem.

Ao auxiliar os clientes da Mais Diversidade a estabelecerem métricas e metas em seus pilares de equidade de gênero, Elaine conta que esse assunto sempre vem à tona, assim como nas questões de paridade e equidade em relação a cargos de liderança ou mesmo à entrada de mulheres em cargos operacionais de grande parte das empresas em setores predominantemente masculinos.

Em relação à questão salarial, as diferenças salariais entre homens e mulheres nas mesmas funções chegam até 20,5%, segundo Elaine. “Temos um trabalho muito forte dentro de uma jornada das empresas, pois não é algo fácil e simples de se fazer, pois há que se levar em consideração uma série de fatores”, observa.

“Na Vivo temos uma jornada de sempre olhar as diferenças nos detalhes. Há o valor de que não tenhamos diferenças salariais entre mulheres e homens, mas nenhuma empresa está pronta. O mais importante é galgar para um dia sermos, quem sabe, um bom exemplo para a sociedade”, comenta Elisa.

Na visão de Angela, da Ingredion, avanços surgem a partir de histórias individuais, disse ao contar um caso curioso que ocorreu na própria empresa. “A comunicação tem papel fundamental em dar voz às histórias. Em diversidade e inclusão é a melhor coisa que podemos fazer. Precisamos ouvi-las e dar voz a elas”, ensina.

Maternidade e compartilhamento de tarefas

Foto: Thinkstock

A questão da licença-maternidade e do compartilhamento de tarefas domésticas foi outro ponto debatido pelas participantes durante a live. Nos últimos anos, o trabalho de comunicação na Ingredion foi focado em proporcionar as mesmas oportunidades tanto para a mulher quanto para o homem. No que se refere à licença-maternidade, os homens podem acompanhar de perto os primeiros 20 dias de vida de seus filhos. 

“Ainda não chegamos no patamar de outras empresas que dão seis meses de licença também aos pais. Gostaria muito que políticas públicas no Brasil reforçassem isso, pois a mulher ainda depende da iniciativa privada”, argumenta Angela. “Mais do que falar sobre maternidade para as mães, precisamos trazer o diálogo sobre a responsabilidade do pai, do homem como responsável por outros seres humanos e pelas tarefas domésticas. Para a mulher o papel está muito claro. A dificuldade é trazer esse aliado, é convencer sobre o porquê da luta”, complementa.

Ao concordar plenamente com Angela, no que se refere ao papel do homem na maternidade, Elisa revela que logo no início da pandemia, a equipe de comunicação começou a conscientizar e a engajar os colaboradores da Vivo. Entre outros, foi realizado um trabalho de atitude mental junto às mulheres para que soubessem lidar com situações que surgissem em casa, enfatizando a questão da co-responsabilidade dos homens. “A ajuda deles é crucial para que a gente consiga crescer em nossas carreiras. Trouxemos especialistas para falar sobre o assunto e nunca tivemos uma audiência tão grande. Posso dizer que a área de comunicação nunca se sentiu tão importante como agentes de mudança como neste momento”.

A comunicação também foi fundamental para reforçar os planos de ações de algumas empresas que expandiram a licença-paternidade ou instalaram licenças parentais. “O fato é que, voltando ao começo da minha fala, a respeito do machismo, em alguns setores essa licença não foi pra frente e a comunicação teve o papel de desmistificar uma série de questões atreladas ao seccismo e ao machismo”, revela Elaine, contando que alguns homens confessaram ter receio de usufruir desse benefício porque surgiam piadas dos colegas de trabalho e se sentiam inibidos. 

Outro ponto comentado pela executiva é com relação à ampliação do benefício de auxílio-babá ou auxílio-creche para os homens. “Quando falamos de questões de gênero, porque não a extensão desse benefício aos homens, dentro de um plano de ação de equidade? Afinal de contas, toda a questão que envolve os cuidados com uma criança não é de responsabilidade única e exclusiva das mulheres”, argumenta.

Assédio sexual e moral

Foto: Reprodução internet

Em muitas organizações, o tema assédio, de um modo geral, começou a ser tratado através dos canais de denúncia, ferramenta aliada ao cumprimento do programa de compliance de uma empresa. Nesse sentido, a Comunicação Corporativa – quando tem o respaldo de conhecimento sobre o tema, por ser grande ativadora de mudanças culturais – além de alertar, tem o poder de educar a liderança.

“A Comunicação tem esse papel de abrir os canais; tanto para que as pessoas possam falar quanto para se informarem sobre machismo, assédio moral, assédio sexual e como isso pode acontecer. Aí entra a parceria com o RH, quando há necessidade de um treinamento específico”, comenta Angela. 

“Temos que pensar num treinamento muito grande desses vieses inconscientes de gênero. Sem treinamento, não vamos conseguir mudar nada, porque trata-se de um preconceito estrutural. Nossos filhos muitas vezes conversam com a gente e não entendemos a linguagem deles. Acredito muito que a próxima geração vai mudar esses parâmetros”, completa Elisa. 

Ouvidora por muito tempo em empresas as quais trabalhou, Elaine conta já ter atendido muitos casos e observa que os atendentes de canais de denúncias das empresas precisam ser treinados para saber lidar com casos atrelados à diversidade e inclusão. “As questões relacionadas à assédios ou discriminação e preconceito de modo geral – como capacitismo, racismo, LGBTfobia ou etarismo – muitas vezes são escamotiadas e não verbalizadas. Esses interlocutores precisam saber como acolher essa pessoa, de forma sutil sem negar a existência do fato para  dar uma forma assertiva ao tratamento. Assim, o programa de diversidade e inclusão ou o canal de denúncia não cai em descrédito”, adverte.

Assista a live na íntegra:

 

 

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