19 de dezembro de 2018

Entrevista Thomas Traumann: “A comunicação sempre acaba influenciando na economia”,

Thomas Traumann

Por Nicholas Vital

Do milagre econômico dos anos 1960 e 1970 à grande recessão do século XXI, o Brasil conviveu com um primeiro-ministro disfarçado. Isso porque os últimos 11 presidentes exerceram o seu poder tendo como sombra um ministro que, em tese, seria seu auxiliar, mas na prática se tornou o protagonista das decisões mais importantes do governo: o ministro da Fazenda. Em seu recém-lançado livro “O pior emprego do mundo – 14 ministros da Fazenda revelam como tomaram as decisões que mudaram o Brasil e mexeram no seu bolso” (Editora Planeta, 2018), o jornalista Thomas Traumann reconta as piores crises econômicas do Brasil nos últimos 50 anos através de histórias daqueles que estiveram no olho do furacão. Em entrevista exclusiva à Aberje, o autor fala sobre alguns desses personagens, discorre sobre os planos econômicos implementados por esses ex-ministros e reforça a importância da transparência na comunicação pública.

Thomas Traumann é um dos instrutores do Programa Avançado em Comunicação Pública da Aberje em parceria com a ABCPública, que tem início em maio de 2019, saiba mais no site do curso.

Thomas Traumann

Como surgiu a ideia do livro?

Quando eu deixei o governo, surgiram muitas propostas para escrever livros, mas eu não quis por vários motivos. Um deles porque eu achava que estava muito recente ainda. Outro porque eu achava que seria preciso uma distância para analisar os fatos. Também achava que a minha experiência era muito pequena para contar o que eu queria, que era explicar Brasília para os brasileiros. Queria mostrar como funciona o poder, quais são as expressões, os modos, o que faz com que os políticos, seja um ministro ou um presidente, escolham X e não Y. Eu queria mostrar isso não em um governo específico, mas sim em regras gerais, seja no período militar, no governo tucano, petista ou Bolsonaro. Essa era a ideia inicial: explicar como o poder decide. Mas isso viraria uma enciclopédia, então decidimos fazer um corte. Mostrar o poder a partir do presidente seria uma coisa batida. Muita gente já fez isso. Então eu decidi fazer o recorte pelo ministro da Fazenda, que é uma pessoa que tem uma responsabilidade gigantesca. A ideia era mostrar como ele enfrenta essa responsabilidade e como ele decide.

E por que, na sua opinião, o cargo de ministro da Fazenda é o pior emprego do mundo?

Esse não era o título original, mas conforme você vai conversando com essas pessoas você percebe que o nível de responsabilidade deles é muito grande. Eles vivem no “pronto socorro” da economia. O tempo todo existe algum tipo de crise. Já foi a inflação, a dívida externa, a falta de crescimento… Hoje é o desemprego, déficit fiscal. O ministro da Fazenda já entra sob enorme pressão. Nunca é algo normal, as coisas nunca estão bem. A responsabilidade dele é muito grande. Outro ponto é que a função dele é falar não, porque ele é o dono do cofre. Ele precisa falar não para ruralistas, falar não para senadores, para outros ministros que querem gastar dinheiro, para a indústria que quer uma isenção. Ele fala não o tempo todo. Isso faz com que ele faça inimigos muito rapidamente. A última questão é que, apesar da pressão muito grande, ele, ao contrário do presidente, que para ser afastado precisa passar por um processo de impeachment longo, pode ser demitido a qualquer momento. O ministro da Fazenda tem muitas responsabilidades, muitos inimigos e nenhuma garantia do emprego. Você junta tudo isso e temos o pior emprego do mundo.

Isso é uma particularidade do ministro da Fazenda no Brasil ou também acontece com os chefes da Economia em outros países?

Quando eu conversava com os ministros eu perguntava isso. Queria fazer uma comparação com os colegas de outros países e eles falavam que o único que se comparava com o brasileiro era o argentino. Nos Estados Unidos, ninguém sabe o nome do Secretário do Tesouro americano. Pouca gente sabe o nome do Secretário das Finanças na França. Não são personagens que as pessoas comuns sabem quem é, que brigam, que xingam. Eles são técnicos e não têm essa visibilidade que existe no Brasil.

Lendo o livro, é possível perceber que o ex-ministro Delfim Netto é um personagem onipresente na economia brasileira desde os anos 1960. É possível dizer que ele foi o homem mais influente na economia brasileira desde a proclamação da República?

Se falarmos em tempo de duração, com certeza foi. Ele estava dando conselhos para o Michel Temer até bem pouco tempo atrás. Ele foi ministro do Costa e Silva e do Médici, depois foi ministro do Figueiredo. No governo Sarney ele se tornou oposição. Depois, teve uma relação dúbia com o Collor e com os tucanos — em determinado momento do segundo governo Fernando Henrique, o Serra sugeriu a substituição do Malan pelo Delfim. Já nos governos Lula, Dilma e Temer ele teve uma influência clara. Ele era ouvido por esses presidentes. Você não vai encontrar outra pessoa que teve uma influência tão longeva na história recente do Brasil.

Por que ele tem tanta credibilidade entre os presidentes, sejam eles da direita ou da esquerda?

Ele foi o ministro que conseguiu promover o milagre econômico no final dos anos 1960. Isso deu a ele uma aura de homem que iria fazer o Brasil crescer. Foi por isso que o Figueiredo o escolheu como ministro do Planejamento, que naquele momento era quem mandava na economia, achando que ele retomaria o crescimento num passe de mágica. Depois disso ele vai para a política, se torna deputado federal e passa a ser um importante porta-voz do empresariado paulista nos últimos 30 anos. Ele era visto, especialmente por Lula, Dilma e Temer, como um sujeito que entendia como funciona a economia dentro do governo e também um articulador importante. Acho que isso fez dele um personagem tão influente.

O Delfim foi o mais influente, mas, na sua opinião, qual foi o melhor entre os ministros da Fazenda que o Brasil já teve?

Eu não gosto de falar no melhor, mas sim no mais bem sucedido. Acho que dois deles foram muito bem sucedidos: um foi o Fernando Henrique e o outro foi o Palocci. Eles assumiram em situações dramáticas. O Fernando Henrique assume quando o Itamar já havia trocado de ministro três vezes em um ano. Ele conseguiu juntar uma equipe brilhante em torno dele e convencer o Itamar a deixar que ele fizesse um plano econômico totalmente diferente. Até então, os planos econômicos eram pacotes com congelamento de preços, com intervenção na economia, e o Fernando Henrique faz um plano econômico muito heterodoxo, totalmente fora do padrão. Ele deu strike: conseguiu fazer um plano que até hoje é o mais bem sucedido da história e depois conseguiu se eleger presidente. Já o Palocci pega o Brasil em uma situação dramática em 2003, também monta uma equipe muito boa e consegue convencer o Lula a dar liberdade para que ele faça um ajuste fiscal muito pesado, preparando o Brasil para voltar a crescer a partir de 2005, 2006. São dois ex-ministros que conseguiram montar equipes muito boas e ao mesmo tempo ter o aval do presidente para fazer apostas difíceis.

O confisco das poupanças promovido pela ex-ministra Zélia Cardoso de Mello pode ser considerado o maior desastre econômico do Brasil?

A situação era realmente muito dramática. Na semana anterior à posse do Collor, em março de 1990, os preços estavam subindo 30% por semana. O Brasil vivia um momento de hiperinflação, uma situação absolutamente incontrolável. A lógica deles era congelar os ativos bancários por certo período e com isso reduzir a inflação – e isso o plano de fato conseguiu. Mas a comunicação foi horrível. Foi o plano mais mal comunicado da história. O plano foi feito tecnicamente, mas não pensou na vida real das pessoas. Isso criou uma recessão inacreditável, a pior em décadas. Foi um desastre. Até hoje as pessoas morrem de medo de confisco das contas.

Em termos de comunicação, o desastre do Plano Collor serviu de lição para os ministros que vieram a seguir? Qual é a importância da comunicação nos dias de hoje?

Eu não me aprofundei muito nisso no livro, mas fica evidente nos casos do Collor ou da nova matriz econômica do Guido Mantega, que a comunicação do governo é uma coisa, mas a comunicação do Ministério da Fazenda é outra coisa. Ela precisa ser diferenciada. O presidente tem necessidades políticas, tem uma relação com a sociedade devido aos votos que recebeu. O ministro não tem que ter isso. A comunicação de um ministro da Fazenda deve ser muito simples, direta, sem “economês”, para que a dona Maria consiga entender. Quanto mais previsível melhor, sem surpresas, já que você está mexendo no bolso das pessoas.

E os políticos já perceberam isso?

Essa é uma lição muito clara quando você vê como uma comunicação errada pode piorar a situação de um governo. Vejamos o caso do Mantega. Ele temia que a inflação passasse dos 6,5% em 2013, que era o teto da meta, então convenceu o Fernando Haddad e o Eduardo Paes a não aumentarem as passagens de ônibus em São Paulo e no Rio. Ele pediu que o aumento fosse adiado por seis meses. Foi uma decisão do ministro da Fazenda, quase uma ordem dele para controlar a inflação. Depois, quando o Haddad fez o aumento, se deu toda a crise que a gente assistiu. Tudo isso aconteceu por uma decisão do ministro da Fazenda. Se fosse bem comunicado poderia ter sido diferente. A comunicação sempre acaba influenciando na economia.

E qual é a sua expectativa em relação ao futuro ministro da Economia Paulo Guedes?

Existem duas experiências anteriores de ministros com tanto poder quanto o Paulo Guedes, uma no governo Figueiredo e outra no governo Collor. No governo Figueiredo, primeiro o Mario Henrique Simonsen e depois o Delfim, que eram ministros que reuniam em sua pasta a Receita Federal e o Tesouro, ou seja, a entrada e a saída do dinheiro. No caso da Zélia Cardoso de Mello e do Marcílio Marques Moreira, no governo Collor, era a mesma coisa. O Ministério da Economia reunia a Fazenda, Planejamento e Indústria. O fato de essas duas experiências terem dado errado não significa que no caso do Paulo Guedes vá dar errado, mas existem lições a serem aprendidas nesses dois casos. Não adianta você concentrar poder em uma única pessoa se ela não tem uma agenda muito clara, uma agenda que precisa ser explicada para a população de uma forma simples, e também uma autoridade dada pelo presidente. A autoridade do presidente o Paulo Guedes já tem, mas a agenda dele ainda não está clara.

Está faltando comunicação?

Ele vai ter que explicar. Especialmente no caso da reforma da previdência, as pessoas são contra. Nós vimos isso no governo Temer. O Paulo Guedes vai ter uma batalha de comunicação muito forte para conseguir fazer essa aprovação. Não vai ser simples. Ele vai ter trabalho para explicar para as pessoas o por que precisa ser feita, como vai ser feita, como as pessoas mais pobres serão protegidas, etc.

Jair Bolsonaro foi eleito sem tempo de televisão, sem apoio da mídia, fazendo uma campanha basicamente via redes sociais. Você acha que esta é uma tendência na comunicação pública?

Com certeza no início vai ser assim. O discurso dele na diplomação foi exatamente esse, de relação direta com a população. Ele vai investir na comunicação via redes sociais, mas não se pode apostar em só uma coisa. Isso foi fundamental na campanha dele, mas ele também vai ter que usar a TV, o rádio, dar entrevistas para os jornais. Nem todo mundo está o tempo todo no Twitter. As pessoas também ouvem rádio, leem jornais. Por ser um governo novo e ele vai precisar falar, falar e falar. A comunicação será fundamental em 2019.

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