26 de agosto de 2021

Conselho Consultivo da Aberje discute democracia e comunicação sob o bombardeio das fake news

Debate teve como referência livro do professor e conselheiro Eugênio Bucci.

Debate teve como referência livro do professor e conselheiro Eugênio BucciNo dia 18 de agosto, os Conselheiros Consultivos da Aberje estiveram reunidos de forma online para debater o tema “Sinalizações para pensar a cultura democrática, a política, a imprensa, e as bibliotecas sob o bombardeio das fake news”. Na ocasião, o conselheiro Eugênio Bucci, professor titular da ECA-USP e autor do livro “Existe democracia sem verdade factual?” (2019), trouxe contribuições sobre o assunto e comentou sobre indicadores ‘preocupantes’ que apontam o declínio da democracia no Brasil e no mundo. 

Bucci citou, por exemplo, o relatório V-Dem, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Gothenburg, na Suécia, que apresentou dados alarmantes. O relatório faz apontamentos sobre o avanço de medidas governamentais autoritárias, de cerceamento de liberdades civis e direitos ao redor do mundo desde 2015. Em especial, aponta que estas medidas têm se tornado mais agressivas no último ano, principalmente em países como a Hungria, Turquia, Brasil e Índia, tendo esta última perdido o status de “maior democracia do mundo” e se transformado em uma “Autocracia Eleitoral”.

De acordo com o levantamento, o Brasil perde posições em todos os rankings e a democracia perde posições no mundo inteiro. Em 2010, segundo o estudo sueco, 48% da população mundial vivia em países chamados autocráticos; em 2020 esse número saltou para 68%. O número de Estados que limitavam a liberdade de expressão era 19 em 2017; hoje, são 32. “Isso tem tudo a ver com a mentira na sua forma atual: na internet e nas tecnologias digitais. Isso tem tudo a ver com o que chamamos de fake news”, frisou Bucci.

Em sua visão, existe uma linha que não pode ser perdida de vista. “Nós temos que lidar com a expressão fake news como sendo a designação de uma forma recente de mentira de amplo espectro. Mentira sempre existiu na política; isso aparece em todo lugar. A mentira não seria propriamente um problema, mas quando engajada em estratégias, começa a ser um problema”, argumentou. 

News são notícias, são relatos ou uma forma de um discurso próprio da linguagem da imprensa. As fake news são uma falsificação da forma do discurso da imprensa que só é possível, na escala que a gente conhece, a partir das tecnologias digitais. Essa forma, que tem a ver com a aparência, com o invólucro de mentira, só se estabelece a partir do advento das chamadas mídias sociais. Mentira sempre existiu, fake news não. Para existir, é preciso que existam as news e é preciso que existam no repertório comum das pessoas, a percepção do que são as news”, ressaltou. 

Outro ponto mencionado por Bucci é de que as fake news não surgem na imprensa, no jornalismo profissional. “A informação de que Saddam Hussein fabricava armas químicas de destruição em massa veiculada por órgãos da maior respeitabilidade dos Estados Unidos era uma mentira; mentira que ajudou a coalizão internacional que invadiria o Iraque depois, isso no começo do século 21, mas não era fake news, acentuou.

“Se queremos lidar com isso, precisamos entender que imprensa sempre esteve aí e nunca fabricou fake news, que são esse conjunto de relatos [intencionalmente] fraudulentos que só podem ser produzidos, na escala em que são produzidos, no nosso tempo. E isso gera um volume completamente inédito de mentiras poderosas circulando por todos os lugares”, complementou o professor.

Para se ter uma ideia, uma plataforma social, como o Facebook, por exemplo, possui cerca de três bilhões de usuários ativos todos os dias; um jornal com muitas assinaturas no Brasil está lutando para manter cerca de 300 mil. “A escala é incomparável. Esse volume tem relação profunda e determinante com a crise das democracias. Essas novas formas de mentiras [que não provêm da imprensa, nem dos chamados centros epistêmicos, ou da universidade ou das atividades de verificação dos fatos, vêm de lugares com forte tecnologia e com grande financiamento interessados em bombardear ciência, universidade e instituições democráticas] abalam profundamente o equilíbrio da democracia”, disse. 

“A questão não é só a comunicação empresarial, não é só a reputação das empresas tudo isso vai perdendo chão numa escala muito acelerada também. A questão mais grave são os padrões de convivência entre sujeitos racionais numa sociedade em que existam direitos, garantias e liberdades. É isso que está sob ameaça, é isso que está em curso. Portanto, esse fenômeno que estamos encarando é algo produzido, é algo fabricado com muito dinheiro, com uma tecnologia incrível e uma atividade muito eficaz de minar as bases de convivência democrática”, analisou. 

Para Bucci, o declínio da democracia deve ser entendido como um declínio da política ou das vias da política e esse declínio acaba comprometendo as perspectivas do que se chama civilização. “Como podemos agir em relação a isso? Através da democracia, que precisa regular, não a informação, mas o regime desses monopólios globais; não podemos mais conviver com situações em que o algoritmo é opaco e a vida das pessoas é absolutamente transparente para o algoritmo. Nós precisamos regular democraticamente esse regime de concentração de dados, de tecnologia, de poder e de dinheiro, precisamos fortalecer a imprensa, os centros de cultura e a vida cultural, a ciência e aquilo que se chama genericamente de educação midiática. É uma luta desigual, por enquanto, mas é uma luta”, concluiu.

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