13 de julho de 2020

O boicote ao Facebook e o papel social das marcas no ambiente digital

Nas últimas semanas, algumas centenas de grandes marcas globais anunciaram a suspensão da veiculação de anúncios em plataformas sociais, especialmente no Facebook, líder global no setor, com mais de 2,5 bilhões de usuários ativos. Empresas como Unilever, Pepsico e Coca-Cola têm aderido a um movimento iniciado por organizações americanas de luta pelos direitos civis, como Color of Change e Stop Hate for Profit, que busca pressionar as empresas de social media a fazer mais no combate à difusão online de discursos de ódio.

Interessante perceber que o argumento subjacente à decisão dessas marcas é de base coletiva e não individual: para-se a veiculação de anúncios por conta dos riscos que a disseminação de discursos racistas, sexistas e extremistas trazem para a sociedade em geral, e não para as marcas individualmente.

Vale, como sempre, aquela ponderação antimaniqueísta, que ressalta que não é uma luta do bem contra o mal, sabemos que o mundo é mais complexo que isso: sim, as marcas não estão sendo apenas boazinhas, mas, sim, estão estendendo o alcance das suas políticas de responsabilidade social para a sua atuação digital no geral, e mais especificamente para o direcionamento de suas verbas publicitárias digitais.

É importante lembrar que a maior fonte de financiamento da produção e distribuição de conteúdo online é a publicidade. Ou seja, está na mão dos anunciantes viabilizar ou não a existência de produtores de conteúdo online. Isso já ficou claro no caso do Sleeping Giants, que tratei em coluna recente, quando as marcas foram cobradas a parar de anunciar programaticamente em sites que produzem fake news. Agora, o mesmo posicionamento está sendo tomado frente às plataformas onde a disseminação dos discursos de ódio ocorrem, como o Facebook.

A companhia liderada por Mark Zuckerberg é uma empresa incrível, cujos serviços (dentre os quais o Instagram e o Whatsapp) possibilitam a manutenção de laços sociais inviáveis de outra maneira, além de ter dado voz e capacidade de articulação social a vários grupos minoritários ao redor do globo. Vale lembrar como o papel das redes sociais foi positivamente destacado na primeira metade da última década, durante a Primavera Árabe, e os movimentos Podemos, na Europa, Occupy Wall Street, nos EUA, e Vem pra Rua, no Brasil. Estes movimentos pediam maior participação popular nas decisões políticas e ganharam força usando a capacidade de viralização oferecida pelas plataformas sociais.

Entretanto, a partir da segunda metade da década, os recursos dos social media passaram a potencializar grupos e discursos segregacionistas, com efeitos negativos no próprio equilíbrio democrático em diversos países do ocidente, com acentuação da polarização política e risco de retrocesso nos direitos individuais.

As Big Techs, dentre as quais o Facebook e o Google são os maiores expoentes, tentam diminuir o seu papel nesse contexto ao afirmarem que não produzem os conteúdos, são apenas o ambiente em que pessoas livremente expressam suas visões de mundo. Esse argumento não se sustenta, já que o que faz essas empresas grande é, justamente, a sua maestria em identificar preferências individuais e distribuir, em escala, conteúdos (sejam publicações de outros usuários ou ofertas de anunciantes) de acordo com essas preferências. Ou seja, são os algoritmos dessas empresas que decidem o que será visto e o que não será.

Estas plataformas não podem diminuir as suas responsabilidades, e é importante que as marcas sejam ativas em pressionar para que estas companhias façam tudo que podem para impedir que discursos criminosos ganhem uma visibilidade crescente através das redes sociais. É benéfico que os anunciantes tenham cada vez mais clareza de que o ambiente digital amplia o potencial de impacto de suas atuações, inclusive ao ter maior controle sobre quem receberá suas verbas publicitárias. O mundo digital não é um universo paralelo, e sim uma camada da vida real, em que as empresas podem e precisam exercer o seu papel social, alinhadas aos seus propósitos e atentas às consequências de suas ações e posicionamentos.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Lucas Reis

Lucas Reis é CEO da Zygon AdTech & Data Solutions, PhD em Comunicação Social (UFBA), alumni dos programas de aceleração Startup Beta (Web Summit) e Scale Up (Endeavor). Atualmente, é Professor do IAB Brasil e pesquisador de Big Data no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital.

  • COMPARTILHAR:

COMENTÁRIOS:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *