A pandemia e a oportunidade para uma ressignificação cultural
Não sou futurólogo e nem tenho pretensão de parecer um. Acredito ser impossível prever o que acontecerá nos próximos meses ou anos, especialmente em um cenário tão novo e desafiador, que nos impõe diferentes perspectivas, sejam elas políticas, sociais, sanitárias, econômicas ou culturais.
É possível perceber como uma crise sanitária trouxe um olhar aguçado e todo um repensar nos valores e compromissos em relação ao papel do Estado, às políticas públicas, às lideranças e prioridades dos países, dentre elas a desigualdade social – cada vez mais marcada para a população vulnerável – e, também, sobre o papel da Economia e da Cultura nesse novo cenário.
Na perspectiva Cultural, a pandemia traz a possibilidade de uma crise existencial potente sobre o próprio ser humano, gerando a oportunidade para pensar sobre o indivíduo que age e pensa de acordo com determinados valores, hábitos e costumes, entendendo que todos esses fatores interagem e fazem parte da construção social e da própria sociedade em sua formação. Minhas reflexões, alimentadas diariamente pelo que percebo no mundo, evidenciam que também estamos diante de uma evolução social.
Eu, como pensador dentro de um cenário cultural, vejo que todas as construções sociais e comportamentais, que nos acompanharam durante anos, vão continuar a se transformar. Agora, estamos dando prioridade para a saúde física, emocional, o bem-estar próprio e das pessoas que nos cercam, entendendo que o cuidado de cada indivíduo reflete na sociedade como um todo. Alguns de nós, por exemplo, já começam a entender que cuidar da sua própria saúde impacta na economia sustentável dos recursos públicos. Ou seja, a superlotação nos hospitais é um grave problema sanitário, mas é também um grave problema orçamentário de um país. As epidemias globais se somam às agendas do século XXI: soberania, mudança climática, inteligência artificial e robótica, fluxos imigratórios e migratórios – incluídos os refugiados e a expectativa de vida.
A crise superou as barreiras de países do primeiro e terceiro mundos. Todos estão enxergando falhas e vulnerabilidades nos sistemas de saúde, nas políticas públicas, na atenção aos idosos ou na acessibilidade às tecnologias, sem falar de movimentos antidemocráticos questionando o valor intrínseco dessa civilização em construir o projeto de sociedade. Eu enxergo duas linhas culturais que sempre existiram e que, em um momento como o atual, aparecem com maior força: a Cultura do Medo e a Cultura Civilizatória. Meu olhar é que nesta última, em que o Estado tenta construir diretos universais, valores como empatia e eficiência são protagonistas e tendem a crescer.
O cenário atual reforça evidências trazidas do século XX e que perduram ainda hoje. Estamos diante um distanciamento social marcado por dificuldades para famílias e pessoas que não podem ficar em casa, sem trabalho, em função de uma economia sustentada na informalidade. Esse cenário se agrava ainda mais em função de uma desigualdade de espaços e de ferramentas tecnológicas ou de conectividade. Este panorama aprofunda, sem dúvida, um cenário maior de pobreza e desafios econômicos no mundo inteiro.
Porém, temos, por outro lado, o papel relevante que a solidariedade e a empatia estão assumindo, com ações cada vez mais presentes e valorizadas no mundo inteiro. Aqui está fortemente representada a Cultura Civilizatória. Países, empresas, organizações e pessoas que se movimentam para ajudar outras e, como resultado, percebemos uma cadeia de indivíduos que se juntam na mesma dinâmica solidária. Nesse cenário, a oportunidade para a evolução estará na cooperação entre indivíduos, sociedades e países. Uma ajuda profissional, econômica ou mesmo de itens ou produtos que, no fim, se tornam uma colaboração social que ultrapassa os limites geográficos.
O que precisamos perceber é que a grande oportunidade que nos surge nesse cenário é para que as coisas não sejam iguais. Temos uma chance de fazer algo diferente, de poder olhar para nós como indivíduo e sociedade, reafirmando nossos compromissos sobre o que queremos e podemos. Estamos diante de uma experiência e espaço que a vida nos dá de silêncio e pausa. Cabe ao Estado, às empresas, organizações e pessoas que se integrem em reforçar o projeto de civilidade.
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