A marca de um país não se constrói com estereótipos
Se há uma coisa que deixa o cidadão de um país constrangido é quando este viaja a outro e começa a perceber como o veem. Antes mesmo de aterrissar, esqueça que você tem uma identidade, ou um passaporte por assim dizer. O carimbo que vai receber vai além da tinta no papel. Se você é colombiano ou mexicano chegando à Europa, é possível que entre na lista de suspeitos do tráfico. Se for de algum país árabe, tome todas as precauções possíveis ao chegar aos Estados Unidos … e vice-versa. Se for mulher entre 20 e 35 anos chegando à Espanha, muita atenção com a roupa que veste. Mesmo que seja uma engenheira, médica ou administradora de empresas, talvez os policiais confundam a sua profissão. Como estes, há uma infinidade de exemplos.
No passado, quando nos identificavam com o samba e o futebol, ficávamos felizes pelo simples fato de ao menos existirmos para os outros, mas essa visão parcial sempre gerou mais riscos do que oportunidades e simplesmente ratificava a síndrome de vira-lata que nos acompanha desde os tempos de Nelson Rodrigues.
Lembro-me que ao entrar em um posto de gasolina nos Estados Unidos um rapaz egípcio, vendo minha incapacidade de abastecer o carro no self-service, logo perguntou: “Wherrrrr arrrrrr you frrrrrrom?” Ao declarar Brasil, disse de imediato: “Yes, Rrrrrrrromario, Rrrrrrrrronaldo”. Embora tenha sido simpático e disposto a manter contato, deu vontade de dizer: Pois é, e as pirâmides vão bem?
Não há nada mal com os clichês se eles forem apenas um acessório, não a imagem que se projeta de uma nação. Por essa razão, governos e seus governados deveriam investir mais em transmitir melhor a sua verdadeira identidade. Não podemos nos esquecer da máxima de que por melhor que seja o produto, ele perde o valor se for embalado com papel de pão e fita crepe.
Nas grandes rodas internacionais é fácil encontrar pessoas que conheçam marcas como Vale, Gerdau, Itaú, Bradesco e Ambev, mas é preciso que mais gente valorize a marca Brasil através de outras importantes que a ajudam nessa construção, como Havaianas e Natura, por exemplo. Entretanto, através de uma rápida pesquisa sem nenhum valor científico entre pessoas que trabalham comigo na Espanha, pude constatar que todos conhecem as Havaianas, mas ninguém, absolutamente ninguém as associa com o Brasil.
É bem verdade que o maior fluxo de capital estrangeiro levou muitos executivos de diversas nacionalidades a viver em nosso país. Quando retornam à sua origem, nos ajudam a contar que vamos além da bola, da batucada e do biquini, que são motivos de orgulho, mas não podem jamais ser os únicos.
Creio que há muitas saídas para isso e reza na comunicação a principal via. No caso do Brasil, há um importante movimento acontecendo que tem como raiz, quem diria, a nossa economia. Ainda que mais voltada ao mercado interno, ela começa a aparecer para o mundo porque não fomos tão afetados pela crise, e porque há empresas genuinamente nacionais que agora tremulam suas bandeiras em todos os continentes. Essa saúde toda virou capa da The Economist, tema de cadernos especiais no New York Times, no Expansión, no Financial Times, no Le Monde, e em muitos outros. Hoje, somos o país da moda, temos um presidente com muito prestigio lá fora, nossos chinelos são usados por europeus, norte-americanos e japoneses; e nossos cosméticos estão até em Paris – meca do luxo e da beleza. Só que não podemos nos dar ao luxo de ser apenas o país da moda. O que devemos fazer é aproveitar essa onda e “vender” melhor o que fazemos e, sobretudo, quem somos.
Recente pesquisa da Fundação Carolina e do Centro de Pesquisas Sociológicas da Espanha constatou que 33% dos que vivem nesse país têm uma imagem ruim ou muito ruim da América Latina (http://www.elpais.com/articulo/internacional/espanoles/tiene/
mala/imagen/America/Latina/elpepuint/20091221elpepuint_14/Tes). Independentemente deste dado ser importante ou não, fato é que nos causa certo incômodo, talvez por preconceito, estarmos sendo avaliados no mesmo balaio de outros países latinoamericanos que não gozam do mesmo prestígio que o nosso desfruta atualmente.
Mas para que isso não se repita, é preciso parar de dar razão aos que tem percepções equivocadas. No passado, a própria Embratur cometeu um erro grave de comunicação ao produzir um cartaz para promover o turismo no Brasil apresentando em primeiro plano um corpo bronzeado vestindo um biquíni asa delta.
Ao invés de atrair o turista para conhecer nossas riquezas naturais, o calor humano, a gastronomia e a alegria, acabamos por convencê-lo de que o melhor para ver aqui é um show da gaiola das popozudas. Por mais divertido que possa ser, não deveríamos tocar sempre a mesma tecla.
O que se pode fazer? Entre muitas saídas, entendo que é preciso antes de tudo uma forte coordenação entre governos, empresas, associações e agências para definir os melhores atributos que nos representam. Estes podem gerar o núcleo das mensagens sobre as quais vamos desenvolver nossa comunicação. A partir disso, será preciso estabelecer a estratégia de como atuar. O público e os agentes dessa disseminação são vários, dos mais aos menos tradicionais: embaixadas, consulados e câmaras de comércio, órgãos de governo de outros países, escolas, universidades, agências de turismo e a imprensa internacional, que ao ser bem informada, contribui sobremaneira na formação de opinião. E os canais? Infinitas possibilidades que hoje as tecnologias proporcionam.
Da mesma maneira que entendi que a Espanha não se pode compreender pela paella e o flamenco, o Brasil significa muito mais do que se vê nos gramados e nas passarelas. Não há nada melhor do que valorizar a nossa identidade contando aos outros que ela vai além do que está escrito.
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