03 de outubro de 2017

Cinco perguntas para entender a situação da mobilidade em São Paulo

Foto: Pro Coletivo

 

Por Matheus Moreira, Pro Coletivo*

A reportagem do Pro Coletivo conversou com a doutoranda da FAU-USP e pesquisadora do LabCidade no projeto ObservaSP, Leticia Lindenberg. Ela é orientada pela também arquiteta e urbanista Raquel Rolnik. De acordo com Lindenberg, mobilidade urbana “pode ser descrita como a capacidade de uma pessoa de se mover pelo espaço”. Ao ser perguntada sobre o conceito, a doutoranda ressaltou que, ao pensar em mobilidade, deve-se pensar, também, sobre as condições de vida dos cidadãos e, então, “como essa condição afeta a mobilidade urbana”.

Em uma metrópole como São Paulo, em que a população passa por ano o equivalente a um mês e meio parada no trânsito (segundo pesquisa do Ibope, encomendada pela Rede Nossa São Paulo), refletir sobre a mobilidade é urgente e essencial. A seguir, os principais trechos da entrevista com a arquiteta e urbanista Letícia Lindenberg:

Foto: Pro Coletivo
Foto: Pro Coletivo
  1. Quais os desafios que a mobilidade em São Paulo enfrenta?

Inúmeros, mas particularmente o modelo ideologicamente centrado no automóvel. O argumento de que automóveis seriam necessários frente às dimensões da cidade não se confirma quando olhamos para dados da pesquisa de Origem-Destino do Metrô. Uma grande parte das viagens de carro envolve distâncias facilmente cobertas com bicicleta. As viagens mais longas, relacionadas fundamentalmente com padrões de segregação macro (emprego concentrado no quadrante sudoeste e densidade demográfica nas franjas urbanas), são realizadas fundamentalmente com ônibus.

 

  1. O que caracterizaria uma mobilidade urbana de qualidade?

Equidade no acesso à cidade, segurança e prioridade para usuários mais vulneráveis aos locais mais privilegiados. Por locais mais privilegiados me refiro à rua mesmo, qualquer uma, ao nível do chão, ou seja, passarelas e túneis para pedestres e ciclistas deveriam ser descartados no ambiente urbano e priorizada a circulação no nível da rua para as pessoas.

 

  1. Qual sua avaliação sobre a mobilidade da cidade de São Paulo?

Avalio a mobilidade de São Paulo como refém de políticas elitistas. A população mais pobre fica refém de locais de moradia afastados e serviços não priorizados no sistema [de transportes], enquanto a classe média fica refém do modelo centrado no automóvel.

 

  1. Quais os avanços e retrocessos na mobilidade da capital paulista?

O alinhamento de políticas municipais com diretrizes definidas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana foi um grande avanço para São Paulo, afinado inclusive com ideais que vêm sendo intensamente debatidos ao redor do mundo. Os avanços são a priorização do transporte coletivo, a implantação de infraestrutura para circulação de bicicleta, a intensificação do programa de segurança viária por meio da redução de velocidades, além da priorização do uso de ruas por pessoas, mesmo que só algumas e somente aos domingos, e do fomento à participação social através da criação de espaços públicos de diálogo entre sociedade civil e poder público. Trata-se de uma evolução, mesmo que tudo isso tenha sido ínfimo perto do acúmulo que temos de políticas pró-automóvel ao longo de todo o século XX. Em relação aos retrocessos, podemos citar especialmente a segurança viária e a retirada de infraestrutura para bicicleta, mas também a tentativa de neutralizar os espaços públicos de diálogo, e, talvez, retomar a velha forma de fazer política, à moda de Jânio Quadros.

 

  1. Qual o papel da mobilidade urbana na luta pela desigualdade social, étnica, de gênero e de orientação sexual?

Essa é uma questão bastante complexa. A (falta de) mobilidade urbana pode ser causa ou efeito dessas desigualdades, um círculo vicioso de acirramento delas. De todo modo, a ligação entre um aumento da mobilidade e supostamente a redução de desigualdades não é linear. É necessário entender o que está sendo aumentado quando a mobilidade é aumentada e o que isso significa para quem a mobilidade está sendo aumentada. Por exemplo, fazer mais viagens – medida comumente adotada para verificar desenvolvimento no âmbito da mobilidade – pode significar desigualdade de gênero, ligado à divisão sexual do trabalho desigual, sendo as mulheres mais frequentemente responsáveis pelas atividades domésticas e de cuidado com a família. Essa condição pode resultar numa maior quantidade de viagens femininas (vários destinos: levar filhos na escola/médico, compras, etc) comparativamente às viagens masculinas (mais pendularizadas: casa-trabalho-casa). Isso não necessariamente ocorre em São Paulo. A pesquisa OD (Origem-Destino) mostra uma quantidade de mulheres imóveis absurda, o que reduz muito a quantidade total de viagens femininas, mas estou somente conceituando o problema para mostrar que o aumento da mobilidade não necessariamente aponta menos desigualdade. Ao contrário, ele pode ser exatamente sintoma de alta desigualdade.

*O Pro Coletivo (www.procoletivo.com.br) acredita que é preciso estimular, conscientizar e orientar a escolha das pessoas pelo uso de diferentes modais nos deslocamentos na cidade de São Paulo, proporcionando o bem-estar coletivo.

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