19 de outubro de 2018

Antonio Carlos Seidl lança livro de memórias

* Por Nicholas Vital

Correspondente internacional da Folha de S.Paulo em Londres de 1985 a 1992, Antonio Carlos Seidl viveu o presente de fatos hoje considerados históricos. Passados 25 anos, ele lança o livro “Do Palácio ao Bordel – Crônicas e segredos de um jornalista brasileiro em Londres”, pela editora Grua, em que revisita algumas de suas principais reportagens e descreve o ofício de correspondente naquele mundo ainda em telex, mas em profunda transformação. Neste período, Seidl acompanhou a visita da ministra da fazenda do governo Collor, Zélia Cardoso de Mello, à Inglaterra e as reações dos banqueiros europeus; viu o fim do Partido Comunista Inglês; conversou com o então jovem Kazuo Ishiguro, que três décadas depois receberia o Prêmio Nobel de Literatura, e com um indignado Thomas Hammarberg, Nobel da Paz de 1977; testemunhou o primeiro brasileiro a jogar no Campeonato Inglês de Futebol; entrevistou o diretor Giuseppe Tornatore antes e depois de seu já clássico Cinema Paradiso ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ter recebido um bilhete do físico Stephen Hawking. Entre esses e outros fatos e pessoas, o livro de Antonio Carlos Seidl apresenta não apenas um recorte da história, mas um panorama do dia a dia da profissão. Em entrevista exclusiva para o portal Aberje, ele relembra algumas dessas histórias.

Antonio Carlos Seidl (Créditos: Julia Braga)

Como surgiu a ideia de escrever o livro?

É uma ideia antiga. Após uma longa carreira de jornalista e também na comunicação corporativa, eu resolvi fazer um ano sabático e então me veio essa vontade de escrever o livro. O sabático é um período de reflexão, então eu comecei a amadurecer essa ideia. Eu sempre pensei nisso, principalmente após uma conversa com o professor Paulo Nassar, em Londres. Eu estava lá há cerca de quatro anos para um evento da Aberje e, andando com ele pelo centro da cidade, estava lembrando da época em que eu morava e trabalhava lá. À medida que íamos caminhando pela cidade, eu ia me recordando das reportagens que fiz, dos momentos na London School of Economics, onde estudei, passamos na porta da BBC, onde eu trabalhei. Depois, em um almoço, ele me perguntou por que eu não escrevia um livro para contar essas histórias. Eu fiquei de pensar no assunto. Depois de algum tempo comecei a escrever algumas histórias, peguei gosto e fui escrevendo.

O título é bem instigante. Com que o senhor esteve no palácio e no bordel?

Como correspondente internacional, você precisa cobrir todas as editorias. No palácio eu estive com o príncipe Charles, herdeiro do trono britânico, em um evento em homenagem ao professor José Lutzenberger, que havia sido nomeado ministro especial do Meio Ambiente pelo presidente Collor. Ele foi recebido em Londres, no palácio que abriga a Royal Geographical Society, para falar sobre como o novo governo iria tratar a questão da Amazônia, um tema muito relevante para a comunidade internacional. E neste evento eu tive a oportunidade de me aproximar do príncipe Charles e travar um diálogo com ele. Sobre o bordel, eu fiquei sabendo que uma prostituta, dona de um bordel, estava se candidatando a uma cadeira no parlamento britânico. Uma representante da profissão mais antiga do mundo tentando a eleição para o parlamento. Achei uma pauta interessante e fui ao bordel, onde ela mantinha seu escritório de campanha, conversar com ela, fazer uma entrevista sobre seus os planos. Entre um cliente e outro eu fiz a entrevista. Eu escolhi esses extremos para o título para mostrar que um correspondentes precisa estar atento a tudo. É um sonho para qualquer jornalista ser um correspondente internacional, mas para manter este cargo é preciso ter um diferencial, não se limitar aos hard news.

Entre as histórias relatadas no livro, qual é, na sua opinião, a mais inusitada?

Tem muita coisa inusitada. Conversar com uma prostituta candidata foi inusitado. Mas tem também uma reportagem sobre uma passeata de freiras gay, isso muito antes de inventarem as paradas gay que vemos hoje em São Paulo e em todo o mundo. Londres é uma cidade onde acontece alguma passeata todo dia. Tudo muito bem organizado, com locais definidos para a saída e a chegada, com muita ordem, autorizadas e acompanhadas pela polícia. Em todas as passeatas naquela época, nos anos 1990, tinha um grupo de freiras gay, vestidas a caráter, qualquer que fosse o tema do protesto — seja contra a presença de mísseis americanos em solo britânico ou o corte de verbas sociais das prefeituras. Elas sempre estavam lá. E eu fui verificar o motivo da presença delas. Eles usavam essas manifestações para alertar contra a discriminação, para a violência contra pessoas com preferências sexuais diferentes. Foi bastante inusitado e rendeu uma chamada com fotografia na capa da Folha de S. Paulo num domingo.

O senhor também cita um bilhete recebido do físico Stephen Hawking. O que dizia o bilhete?

A Folha de S. Paulo edita cadernos especiais regularmente, sobre temas variados. Naquela época, no final dos anos 1980, a Folha resolveu fazer um caderno sobre a próxima década, então cada um dos correspondentes precisava conversar com pessoas importantes da sua cidade para falar sobre as perspectivas para a próxima década. Coube a mim falar com o Stephen Hawking. Eles queriam saber se o homem iria viajar através do tempo nos anos 1990. Eu pensei: ‘E agora, como eu vou falar com ele’. Era um homem famosíssimo, já com esclerose, que se comunicava através de um computador. Mas eu decidi tentar falar com a Universidade de Cambridge, onde ele tinha a cadeira de Matemática. Falei com uma das assessoras dele, que me recomendou escrever uma carta para ele — e eu enviei. Ele de fato respondeu a carta, dizendo que o homem não iria viajar através do tempo nos anos 1990. Segundo ele, se fosse possível viajar no tempo para o passado, nós já teríamos visto pessoas do futuro.

As histórias são de um tempo em que o jornalismo era feito de uma forma bem diferente. O senhor acha que hoje teria a oportunidade de fazer este mesmo tipo de cobertura?

Cada época é uma época. Naquele tempo, nós “batíamos” as matérias em máquinas de escrever. Não havia internet. Isso mudou tudo. Um exemplo bom é uma matéria que eu fiz no Lloyds Bank. Eu fui cobrir a apresentação do balanço anual do banco. No final da apresentação, eu fui falar com o presidente do banco, Sir Jeremy Morse, e perguntei a ele como ele via o Brasil — na época o Lloyds Bank era o segundo maior credor mundial do Brasil. Ele me disse que o Brasil estava no hospital, que o Brasil estava na UTI, no leito da morte, que do jeito que estava não iria nunca recuperar a sua credibilidade. Eu saí dali correndo, peguei um taxi, fui para o clube dos correspondentes, onde havia sempre máquinas de escrever disponíveis, bati a matéria, peguei um metrô e fui até o telex central de Londres enviar o texto para o Brasil, pois eu sabia que era uma matéria importante e que teria destaque no dia seguinte. Hoje eu penso que se eu tivesse um laptop ou um smartphone, eu teria ficado lá, tirado fotografias, gravado a entrevista, enviado para o jornal, tudo sem sair do lugar. Por outro lado, hoje essas entrevistas de divulgação de resultados são feitas pela internet, uma coisa bem fria. Eu não teria tido a oportunidade de conversar com o executivo, não teria essas declarações. Era um jornalismo bem diferente neste sentido.

Lançamento do livro “Do Palácio ao Bordel”,

Data: 23 de outubro
Hora: 18:30 às 21:30
Local: Livraria da Vila – Fradique
Endereço: Rua Fradique Coutinho, 915 – Pinheiros

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