30 de março de 2020

Princípios de Gerenciamento de Crises na guerra contra o Covid-19

Uma das palavras mais utilizadas no cotidiano e que acaba por banalizar seu significado é crise. O termo é amplo, pois contempla uma série de situações de variadas dimensões, setores e prognósticos. Crise é sinônimo de vários acontecimentos, e não lhe faltam definições diversas. Simplificando, um evento com potencial de disrupção, ou seja, da interrupção da evolução normal de um processo ou que prejudique a normalidade, provocando danos significativos é uma descrição apropriada.

Gerenciamento de Crises é o processo ou conjunto de medidas destinadas a reagir a cada elemento de uma crise, até conter seus danos ou interromper sua evolução, possibilitando o retorno à uma situação de equilíbrio. É tarefa para profissionais experientes e especialistas nas diversas frentes que as crises impõem, como a própria natureza do evento e suas questões humanitárias, de comunicação, logística, problemas psicossociais, e a capacidade C5I: Comando, Controle, Comunicação, Computação, Cooperação e Inteligência, evidentemente de forma coordenada.

Crises podem dar sinais, mas não avisam, por isso é fundamental manter a vigilância e ter analisado os riscos e vulnerabilidades para que os recursos materiais, humanos e estratégicos estejam em condições de pronto acionamento. O que só é possível com uma cultura que fomente o investimento e acima de tudo planejamento. Sem um plano de gerenciamento de crises, com base em cenários históricos e prováveis, aberto à flexibilidade requerida para eventos não conhecidos, não se avança.

Mas como entender e dimensionar um evento crítico de origem natural? E como assegurar as variáveis endógenas do sistema, como a competência de seus membros, a robustez dos recursos alocados, resistência e resiliência? E a eficiência de uma cadeia de comando unificada e harmônica, que reja a orquestra sem desafinar? Elementos exógenos como o clima, sismos, fogo e marés, por exemplo, podem mudar o curso da batalha. Por isso os Planos precisam ser guias dinâmicos, pois vivemos a realidade de um universo complexo. E a doutrina da Gestão de Crises, bem como a ciência a ser empregada são imprescindíveis para a preservação de vidas, o nosso mais forte objetivo nesta atividade.

O Barão d’Hollback, filósofo iluminista in “The System of Nature” de 1770 afirmou que “a origem da infelicidade humana está em sua ignorância sobre a natureza”. A incapacidade do homem em aceitar o pensamento complexo o torna vulnerável a ameaças incontroláveis pelo pensamento sistêmico e pela opção binária. A Complexidade, que nos ensina que tudo está entrelaçado e apresentando padrões imprevisíveis ainda não destruiu a arrogância da narrativa da exatidão e da previsibilidade, negando, por medo ou soberba, o protagonismo do imponderável.

É possível resumir um processo de gerenciamento de crise como pesquisa, plano de resposta, acionamento ágil dos recursos, controle de danos, e retorno ao equilíbrio, com uma comunicação clara. E cada ingrediente da receita implica na humildade frente ao problema, ênfase em vidas humanas, ciência como fonte de investigação de origens e soluções, método e a cooperação de todos com uma única meta: a homeostase do sistema, aqui representado como um organismo vivo, a sociedade.

Sabemos que as piores crises que atingiram a humanidade vieram da natureza, desde que a história começou a registrá-las. E desta variedade, doenças têm nos devastado desde então. Na atual Pandemia do SARS-CoV-2, que vem assombrando a humanidade com o colapso do sistema de saúde, grande número de mortes, consequências econômicas e sociais imprevisíveis, só há uma certeza: a civilização não será a mesma depois deste evento.

Pela primeira vez na história moderna, toda a humanidade vive a mesma ameaça. E precisará se unir e lutar coesa. Precisaremos de respeito à ciência sensibilidade, e equilíbrio daqueles que estão envolvidos neste embate mortal. Líderes sóbrios que reconheçam que só o conhecimento humano acumulado, a expertise dos especialistas incansáveis e esta inédita reunião de todas as nações, são condição imperativa para nossa sobrevivência em um mundo que nunca mais será igual. Há custos altos para prevalecermos. Mas como disse o governador de Nova York, Andrew Cuomo, a prioridade não é “quanto”. Mas “quantos”. Essa é a ética na gestão de crises que nos põe em xeque neste momento decisivo da história.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Maurício Pontes

Pós-graduado na ESPM e no Insper, tem formação em Direito. É especialista em Gestão de Crises, Gerenciamento de Riscos, Sistemas de Segurança e Política e Estratégia por entidades como IATA, ICAO, NTSB, FBI, Associação de diplomados da Escola Superior de Guerra e foi o representante brasileiro nomeado para o programa de Lideranças em Crises (IVLP) pelo Departamento de Estado norte-americano. Participou por diversas atividades ligadas ao treinamento de astronautas e operação de Mission Control Centers em missões espaciais. Foi gestor na TAM, Grupo ING, Azul e Gru Airport e hoje é managing director da C5i Crisis Consulting.

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