25 de outubro de 2019
(Imagem: Unsplash/Aditya Romansa)

“Há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto” (Milton Nascimento)

Impactada diretamente por ao menos 10 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a primeira infância, que compreende a fase de vida de 0 a 6 anos, apesar dos avanços consideráveis, ainda carece de uma atenção mais focada, de um olhar específico, de uma ação sensível às peculiaridades da idade.

Hoje há consenso de que a criança é cidadã de pleno direito. A legislação internacional e nacional a esse respeito é precisa e vigorosa, mas há uma distância enorme entre o que é direito e as condições de vida e desenvolvimento das crianças em nosso país. Os progressos, no entanto, vêm ocorrendo e dão solidez à esperança de que conseguiremos colocar a criança no patamar da dignidade que tem como pessoa e cidadã.

Trago, ao longo deste texto, uma breve síntese da Lei Federal nº 13.257, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, que visa:

  • Garantir às crianças o direito de brincar;
  • Priorizar a qualificação dos profissionais sobre as especificidades da primeira infância;
  • Reforçar a importância do atendimento domiciliar, especialmente em condições de vulnerabilidade;
  • Ampliar a licença-paternidade para 20 dias nas empresas que aderirem ao programa Empresa Cidadã;
  • Envolver as crianças de até seis anos na formatação de políticas públicas;
  • Instituir direitos e responsabilidades iguais entre mães, pais e responsáveis;
  • Prever atenção especial e proteção a mães que optam por entregar seus filhos à adoção e gestantes em privação de liberdade.

Há décadas a ciência vem acumulando evidências sobre a importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento humano, desde os mais evidentes, como o crescimento físico e a conquista da linguagem, até a criação das bases sociais e culturais que fundamentarão sua vida adulta.

Se por um lado o período da primeira infância é de grandes oportunidades para uma vida plena, é também de muitas vulnerabilidades e de extrema susceptibilidade às influências e ações externas, como pobreza e violência.

Crianças que nascem em situação de pobreza (ODS 1), vivem em condições de falta de saneamento (ODS 6), recebem pouco cuidado (ODS 3) ou pouca estimulação mental (ODS 4) e uma nutrição empobrecida (ODS 2) nos primeiros anos de vida têm maior probabilidade que seus contemporâneos “ricos” de crescerem com defasagem corporal e mental. Estas crianças tendem a ter um desempenho fraco em sala de aula, repetir séries escolares e não alcançarem bons índices de desenvolvimento (ODS 10). No campo profissional, eles são capazes de desempenhar apenas trabalhos que requerem menos habilidades e obter salários mais baixos (ODS 8). Quando têm filhos, um ciclo de herança de pobreza recomeça – e isso se repete pelas gerações, algo que fora muito bem retratado no curta-metragem “Vida Maria”, produzido pelo animador gráfico Márcio Ramos, em 2006.

Nos últimos anos, as descobertas científicas de assistentes sociais, economistas, educadores, neurocientistas, nutricionistas, pediatras, psicólogos, psiquiatras, evidenciaram que o período mais estratégico para a promoção do desenvolvimento humano, social e econômico é o período inicial da vida (Heckman, 2006; Victora, 2013; Young, 2014).

O economista James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2000, comprovou que os investimentos realizados durante os primeiros anos de vida de uma pessoa são aqueles que trazem maiores retornos para a sociedade.

Segundo a pesquisa Perry Preschool, iniciada há mais de 50 anos, e que mudou a trajetória da educação infantil, cada dólar investido na Primeira Infância retorna sete dólares em educação, sendo o melhor investimento que se pode fazer em relação aos vários períodos da vida.

Desse modo, o desenvolvimento humano é um poderoso gerador de equidade. Segundo Heckman, os investimentos na primeira infância conduzem a benefícios significativos em longo prazo, que reduzem a lacuna entre alta e baixa renda familiar, promovendo justiça e equidade social e, ao mesmo tempo, produtividade na economia e na sociedade como um todo.

Assim como Heckman, Jacques Van der Gaag, economista holandês que trabalhou no Banco Mundial, concluiu que o desenvolvimento da criança na tenra idade afeta a educação, a saúde física e mental, a qualidade de uma sociedade (o capital social) e a igualdade. O investimento no desenvolvimento da criança em idades iniciais é um pivô para o crescimento econômico e para o desenvolvimento e a manutenção das sociedades democráticas. Representa o retorno financeiro, mas principalmente a construção de uma sociedade mais igualitária, próspera e sustentável.

As empresas, em seu papel como cidadã, mas também pela dinâmica necessária para seu próprio crescimento e para construção de uma sociedade sustentável, necessitam estimular o desenvolvimento local, trocando conhecimento, participando, investindo em pessoas dentro e fora de sua instituição, contribuindo efetivamente para a transformação, principalmente para reduzir a desigualdade social e fortalecer a cidadania do país.

Encerro emprestando palavras do professor, mestre em educação e especialista em Políticas Públicas e Direitos da Criança, Vital Didonet: “Cuidando do começo, estamos protegendo a vida inteira. Dada a força que as experiências primárias da vida, nos seis primeiros anos, têm na formação da pessoa, a criança que fomos é, em grande parte, o adulto que somos”.

Que possamos refletir, e agir!

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

João Paulo Figueira

João Paulo Figueira é Zootecnista formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Gerente de Desenvolvimento Sustentável da Special Dog e Membro da Comissão de Engajamento e Comunicação da Rede Brasil do Pacto Global.

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